Acórdão nº 2122/11.3TBPVZ.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Abril de 2012

Magistrado ResponsávelJOAQUIM GOMES
Data da Resolução11 de Abril de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso n.º 2122/11.3TBPVZ.P1 Relator: Joaquim Correia Gomes; Adjunto: Carlos Espírito Santo Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto I. RELATÓRIO 1. No processo n.º 2122/11.3TBPVZ do 1.º Juízo Criminal do Tribunal da Póvoa do Varzim, em que são: Recorrente: Ministério Público Recorrido: B… foi proferida decisão em 2011/Nov./11, a fls. 109-114, que julgou procedente a impugnação judicial e declarou nula a decisão administrativa, por falta de fundamentação referente aos elementos subjectivos das infracções imputadas.

  1. O Ministério Público interpôs recurso em 2011/Nov./24 a fls. 77-81 pugnando pela revogação daquela decisão e a sua substituição por outra que considere verificados os requisitos previstos no artigo 58.º do Dec.-Lei n.º 433/82, de 27/Out., concluindo do seguinte modo: 1.º) A decisão proferida pela Câmara Municipal desta cidade não é nula, pois contém, de forma sucinta, mas suficiente, fundamentação de facto e de direito; 2.º) A decisão administrativa insere-se na fase administrativa do processo de contra-ordenação, sujeita às características da simplicidade e da celeridade, onde prevalecem os princípios próprios do direito administrativo; 3.º) O art. 58 do RGCOC (DL nº 433/82 de 27-10) apenas exige que uma decisão administrativa contenha uma fundamentação, de facto e de direito, ainda que sucinta, que seja suficiente para demonstrar o raciocínio da entidade administrativa, transcrevendo a respectiva factualidade, indicando as norma jurídicas violadas e a coima aplicada, possibilitando um conhecimento perfeito dos factos e normas imputadas; 4.º) Verificados aqueles requisitos, que estão presentes na decisão administrativa em causa, tal é suficiente para que o arguido possa exercer os seus direitos de defesa; 5.º) As contra-ordenações não respeitam à tutela de bens jurídicos ético-penalmente relevantes, mas apenas e tão só à tutela de meras conveniências de organização social e económica e à defesa de diversos interesses, que ao Estado cumpre regular impondo regras de conduta nos mais variados domínios de relevo para a organização e bem-estar social; 6.º) A culpa nas contra-ordenações não se baseia em qualquer censura ético-penal, mas tão só na violação de certo procedimento imposto a agente, bastando-se por isso com a mera imputação do facto ao agente; 7.º) A decisão recorrida violou o disposto nos art. 58 e 41 do DL nº 433/82 de 27-10, 379/a e 374/2 do C.P.P.

  2. O arguido respondeu por fax expedido em 2011/Dez./19 a fls. 86-88 pugnando pela manutenção da decisão recorrida concluindo que o tribunal da 1.ª instância fez uma adequada aplicação do Direito no caso vertente ao considerar que a completa omissão da imputação subjectiva da decisão administrativa constitui a nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1 alínea a), com referência ao artigo 374.º, n.º 2 do C. P. Penal, ora aplicável por força do artigo 41.º, n.º 1 do RGCO.

  3. O Ministério Público nesta Relação emitiu parecer em 2012/Jan./30 a fls. 99-103, o qual se pode resumir nas seguintes considerações: 1.º) A decisão administrativa é completamente omissa quanto aos pressupostos do elemento subjectivo da conduta ilícita descrita, não sendo indiferente o grau de culpa determinante das condutas (8.º e 9.º RGCO), impondo-se que a autoridade administrativa decisora se pronuncie e fundamente de forma suficiente tal elemento subjectivo tipificador do ilícito contra-ordenacional, pelo que o recurso não deve proceder, sem prejuízo de serem devolvidos àquela entidade administrativa os presentes autos para sanar tal vício, ao abrigo do artigo 122.º do C. P. Penal; 2.º) A decisão recorrida não pode integralmente manter-se, pois uma vez que tendo havido procedimento criminal pela desobediência ao embargo, onde se lançou mão do instituto de suspensão provisória, aceite pelo arguido e que determinou o arquivamento dos autos, não pode, por força do artigo 20.º do RGCO, aquele ser punido também a título contra-ordenacional quanto a essa mesma desobediência por violação do princípio ne bis in idem, impondo-se a alteração do arguido na coima parcelar de € 1.5000€; 5. Cumpriu-se o artigo 417.º, n.º 2 do C. P. Penal, não tendo havido réplica do arguido, tendo sido colhidos os vistos legais.

*O objecto do recurso passa assim pela questão suscitada em recurso da nulidade da decisão administrativa, por omitir a descrição do elemento subjectivo [a)] e a nulidade da decisão judicial recorrida [b)].

* * *II. FUNDAMENTAÇÃO a) Nulidade da decisão administrativa por falta de descrição do elemento subjectivo α) A motivação das decisões administrativas A primeira vertente suscitada nos fundamentos do recurso interposto pelo Ministério Público coloca-nos no dever de fundamentação das decisões.

Como se sabe o RGCO[1] consagra fases processuais distintas, contemplando uma de incidência administrativa (48.º a 58.º) e outra de incidência judicial (59.º a 75.º), pelo que o processo contra-ordenacional é normalmente referenciado como tendo uma natureza mista [Ac. TC 62/2003].

Assim, tendo o legislador distinguido, tanto sob o ponto de vista teleológico, como sistemático, estas duas fases processuais – a administrativa e a judicial – é natural que, em tudo o que o regime contra-ordenacional não contenha disposição especial, se sujeite a primeira aos princípios fundamentais de direito e ao processo administrativo e se submeta a segunda aos princípios processuais penais e ao correspondente procedimento [41.º; Ac. TC 62/2003][2].

A propósito convém recordar que a aplicação subsidiária do processo penal (41.º), apenas significa que o mesmo é auxiliar e não conformador ou dominante do processo contra-ordenacional, pelo que a respectiva regulação suplementar não é de aplicação automática e, sempre que se mostre necessário, está sujeita a adaptações.

Tal não sucederá apenas quando o processo contra-ordenacional for convertido em processo penal [76.º] ou ocorrer o conhecimento da contra-ordenação em processo penal [77.º], pois nestes casos o regime das contra-ordenações é como que “consumido” “pelas regras mais exigentes consagradas no Código de Processo Penal” [Ac. TC 31/2000, fundamento 10, parte final].

i) A decisão administrativa A Constituição estabelece no seu art. 268.º, n.º 3 que “Os actos administrativos …carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos”.

Densificando legalmente esta injunção constitucional o Código de Procedimento Administrativo, estabelece no seu art. 125.º, n.º 1 que “A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição de fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso integrante do respectivo acto”.

Por sua vez, o art. 58.º do RGCO, indica quais são os elementos que devem constar de uma decisão condenatória, proferida pela autoridade administrativa...

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