Acórdão nº 195/03 de Tribunal Constitucional (Port, 09 de Abril de 2003

Magistrado ResponsávelCons. Mota Pinto
Data da Resolução09 de Abril de 2003
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 195/2003 Processo n.º 312/02 2ª Secção

Relator - Cons. Paulo Mota Pinto (Cons. Guilherme da Fonseca)

Acordam na 2ª secção do Tribunal Constitucional I. Relatório AUTONUM 1.A veio interpor recurso para este Tribunal Constitucional, ?ao abrigo da al. b) do n.º 1 do artº 70º da Lei 28/82, de 15 de Novembro (com as alterações introduzidas pelas Leis 143/85 de 26 de Novembro, 85/89, de 7 de Setembro, 88/95, de 1 de Setembro e 13-A/98, de 26 de Fevereiro)?, do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (2ª Secção), de 19 de Março de 2002, que negou o recurso de revista por ela interposto, mantendo o julgamento de improcedência da acção ordinária em que peticionava ?a condenação do Centro Nacional de Pensões, nos termos do DL 322/90, de 18 de Outubro e do Dec. Reg. 1/94, de 18 de Janeiro, a prestar-lhe uma pensão mensal e vitalícia, ou, em alternativa, a reconhecer-lhe a qualidade de titular do direito às prestações por morte do referido B?, com quem vivia, desde há 28 anos, pelo menos, em condições análogas às dos cônjuges.

No requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, a recorrente pede a ?apreciação da inconstitucionalidade do artº 8º do DL 322/90, de 18 de Outubro, por violação do disposto no artº n.º 26º da Constituição da República Portuguesa?, dizendo que suscitou a questão ?já nas alegações de recurso interpostas para o Supremo Tribunal de Justiça?.

Nas alegações de recurso a recorrente adianta as seguintes conclusões:

?1. O Dec-Lei n° 322/90, de 18 de Outubro, regula a protecção genérica a favor do agregado familiar, por morte dos beneficiários abrangidos pelo regime da segurança social, estipulando pensões de sobrevivência.

  1. Esta protecção destina-se a compensar a perda dos rendimentos de trabalho determinada pela morte, sem necessidade, para que tal seja reconhecido, de qualquer requisito de insuficiência económica ou vencimento pessoal.

  2. No espirito do legislador ao criar este diploma está a continuação, no agregado familiar, de alguma da estabilidade económica auferida por aquele que faleceu.

  3. Assim, este diploma, também tenta consagrar e proteger aqueles que vivem em união de facto, estipulando no seu artº 8° que o direito às prestações por morte é extensivo às pessoas que se encontrem na situação prevista no n° 1 do artº 2020 do CC.

  4. Ora, do espírito do diploma em análise e da forma como as prestações de sobrevivência são atribuídas genericamente ao cônjuge sobrevivo ? na medida em que este é uma parte da relação desfeita pela morte ?, resulta que o legislador ao referir-se ao artº 2020° do CC, pretendia apenas identificar aquilo que se deveria entender por união de facto, ou seja, ?aqueles que há mais de dois anos vivem em condições análogas à dos cônjuges?.

  5. Esta posição foi posteriormente assumida pelo próprio legislador no artigo 2° do Dec-Regulamentar n° 1/94, de 18 de Janeiro, no qual refere o âmbito pessoal de aplicação do diploma.

  6. Qualquer interpretação do artigo 8° do Dec-Lei 322/90, fora deste contexto está forçosamente ferida de inconstitucionalidade, por violadora, dos direitos e garantias dos cidadãos para atribuição de pensões por morte.

  7. Fazer depender a atribuição de prestações de sobrevivência prevista no artigo 8° deste diploma da verificação de todos os requisitos do artº 2020º do CC, tem de se concluir pela inconstitucionalidade do mesmo, pois está a violar o direito de igualdade entre todos os cidadãos, enquanto partes de uma mesma situação concreta de perda de rendimentos de trabalho auferidos pelo de cujus para o seu agregado familiar e sem que da referida atribuição de prestações às uniões de facto nestas condições possa resultar um qualquer prejuízo cujos interesses o legislador pretendesse especialmente proteger.

  8. A contra-argumentação de que a protecção jurídica das uniões de facto não é igual à protecção jurídica do casamento, e que, por conseguinte, não se pode pretender que do casamento e da união de facto resulte o mesmo efeito jurídico, fica ultrapassada pelo facto de na união de facto e para aplicação do presente diploma sempre será necessário fazer prova da já referida vivência há mais de dois anos em condições análogas ás dos cônjuges.

    Pelo exposto,

  9. Deverá ser declarada a inconstitucionalidade do artº 8º na medida em que faz depender a atribuição das pensões por morte da total aplicação do artº 2020º do CC,

  10. Ou, quando se entenda que a vontade do legislador era apenas indicar o que pretendia que se entendesse por união de facto, considerar inconstitucional a interpretação desse artigo que considera necessário para a atribuição das prestações a verificação de todos os requisitos do artigo 2020° do CC.

  11. Pelo exposto, deverá ser declarada a inconstitucionalidade do artigo 8° do DL 322/90 de 18 de Outubro, por violadora do artº 26 da Constituição?.

    Respondeu às alegações o recorrido, terminando com as seguintes conclusões para sustentar a improcedência do ?presente recurso de apreciação da inconstitucionalidade do artº 8º do DL n.º 322/90 de 18/10?:

    ?1. Face ao vigente quadro jurídico-constitucional regulamentador da família não merecem acatamento os argumentos aduzidos pelo recorrente tendentes a equiparar o casamento à união de facto.

  12. Ao contrário do defendido pelo recorrente, e tal como resulta de todo o quadro legal, a atribuição de prestações de sobrevivência nas situações de união de facto, depende da verificação de todos os requisitos do art° 2020° do CC, e, não apenas, da prova de que o requerente no momento da morte de beneficiário não casado ou separado judicialmente de pessoas e bens, vivia com ele há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges, sem que daqui se tenha de concluir pela inconstitucionalidade do n.º 8° do DL n° 322/90 de 18/10.

  13. Não existe uma equiparação absoluta entre uniões de facto e de direito na questão da atribuição do direito a pensão de sobrevivência, mas tão só relativa, não se vislumbrando injustiça flagrante nas limitações de tal equiparação já que distintos são os acervos de direitos e deveres (nomeadamente de cariz sucessória) que caracterizam cada uma das situações.

  14. Donde, a distinta caracterização de cada uma destas situações afasta, cremos nós, qualquer pecado de inconstitucionalidade da norma em causa, tal como é propugnado pelo Recorrente, por violador do artº 26° da Constituição.?

    Após mudança de relator, por vencimento, cumpre decidir.

    1. Fundamentos A) Objecto do recurso

      AUTONUM 2.O presente recurso tem por objecto a apreciação da constitucionalidade da norma do artigo 8º do Decreto-Lei n.º 322/90, de 18 de Outubro (diploma que definiu a protecção na eventualidade da morte dos beneficiários do regime geral de segurança social). Sob a epígrafe ?situação de facto análoga à dos cônjuges?, dispõe este artigo 8º:

      ?1 ? O direito às prestações previstas neste diploma e o respectivo regime jurídico são tornados extensivos às pessoas que se encontrem na situação prevista no n.º 1 do artigo 2020.º do Código Civil.

      2 ? O processo de prova das situações a que se refere o n.º 1, bem como a definição das condições de atribuição das prestações, consta de decreto regulamentar.?

      Segundo o n.º 1 do artigo 2020º do Código Civil (na redacção do Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro):

      ?1. Aquele que, no momento da morte de pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens, vivia com ela há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges, tem direito a exigir alimentos da herança do falecido, se os não puder obter nos termos das alíneas a) a d) do artigo 2009º.

      (...)?

      O artigo 2009º, n.º 1, do Código Civil, por sua vez, enuncia as ?pessoas obrigadas a alimentos?, indicando nas alíneas a) a d) o cônjuge ou o ex-cônjuge, os descendentes, os ascendentes e os irmãos.

      Com interesse para o caso, e citados na decisão recorrida, importa ainda referir os preceitos dos artigos 2º e 3º do Decreto Regulamentar n.º 1/94, de 18 de Janeiro (que veio regular o acesso às prestações por morte por parte das pessoas que se encontram na situação de união de facto):

      ?Artigo 2.º

      Âmbito pessoal

      Tem direito às prestações a que se refere o número anterior a pessoa que, no momento da morte de beneficiário não casado ou separado judicialmente de pessoas e bens, vivia com ele há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges.

      Artigo 3.º

      Condições de atribuição

      1 ? A atribuição das prestações às pessoas referidas no artigo 2.º fica dependente de sentença judicial que lhes reconheça o direito a alimentos da herança do falecido nos termos do disposto no artigo 2020.º do Código Civil.

      2 ? No caso de não ser reconhecido tal direito, com fundamento na inexistência ou insuficiência de bens da herança, o direito às prestações depende do reconhecimento judicial da qualidade de titular daquelas, obtido mediante acção declarativa interposta, com essa finalidade, contra a instituição de segurança social competente para a atribuição das mesmas prestações.?

      AUTONUM 3.A recorrente defende a inconstitucionalidade da norma do citado artigo 8º ?na medida em que faz depender a atribuição das pensões por morte da total aplicação do artº 2020º do CC?. Como ela própria salientou perante o tribunal a quo:

      ?apesar de o artº 8º prever as situações de união de facto, ofende os direitos dos cidadãos abrangidos, quando faz depender a atribuição das pensões de sobrevivência da verificação dos requisitos do artº 2020º do CC, em vez de unicamente condicionar essa atribuição à verificação dos requisitos previstos nos artº 2º do decreto regulamentar 1/94 de 18/01, ou seja, a viver há mais de dois anos nas condições análogas às dos cônjuges, assim como é suficiente fazer prova do matrimónio.?

      O Acórdão ora recorrido começou por enunciar as questões a solucionar como as seguintes:

      ?1ª ? Requisitos para a atribuição da pensão de sobrevivência na situação de união de facto;

      1. ? (In)verificação desses requisitos no caso sob recurso;

      2. ? Aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 508 do Código de Processo Civil...

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