Acórdão nº 193/03 de Tribunal Constitucional (Port, 09 de Abril de 2003

Data09 Abril 2003
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 193/2003

Processo nº 527/02

  1. Secção

Rel.: Consº Luís Nunes de Almeida

Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório

1. O Ministério Público recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea a), da LTC, da decisão do Juiz do 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Braga que, na graduação de créditos em que é exequente A., e executado B., recusou aplicar, com fundamento em inconstitucionalidade, a norma do artigo 11º do Decreto-Lei nº 103/80, de 8 de Maio, quando interpretada no sentido de que o privilégio imobiliário nela conferido prefere às garantias reais legal e anteriormente constituídas e registadas, e, nessa conformidade graduou um crédito do Centro Regional de Segurança Social do Norte depois do crédito exequendo e de um crédito reclamado por C., ambos garantidos por penhoras já anteriormente registadas.

É do seguinte teor, na parte que aqui interessa, a decisão recorrida:

Como já vimos, o crédito exequente goza da garantia concedida pela penhora registada definitivamente a favor do exequente e relativamente a todos os imóveis penhorados, em 21 de Junho de 2000.

O crédito reclamado por C. goza da garantia concedida pela penhora, está registada a seu favor relativamente a todos os prédios penhorados, em 6 de Dezembro de 2000.

Quanto ao crédito reclamado pelo Centro Regional de Segurança Social do Norte, deve atentar-se antes de mais que o mesmo poderia gozar da garantia concedida por hipoteca legal, nos termos do artº 12º do Decreto-Lei nº 103/80, de 9 de Maio. Todavia, não procedeu o credor ao registo da mesma pelo que não pode ser tida em conta para o efeito.

Mas gozará tal crédito da garantia que lhe é concedida pelo artº 11º do mesmo Decreto-Lei e que consiste num privilégio imobiliário com graduação logo após os créditos referidos no artigo 748º do Código Civil?

Esta disposição (artigo 11º) foi analisada já pelo menos por duas vezes pelo Tribunal Constitucional (Acórdão nº 160/2000 e Acórdão nº 354/2000, publicados respectivamente no DR II Série nº 234 de 10/10 e nº 257 de 7/11) os quais se pronunciaram ambos no sentido de que a interpretação segundo a qual é aplicável a graduação do artº 748º e a rejeição de outras garantias previstas no artº 751º é inconstitucional por violação dos princípios da segurança jurídica e da confiança do cidadão consagrados no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa.

Aderimos totalmente às posições aí expendidas, verberando que a interpretação a incidir sobre o citado artº 11º deve-o ser com o sentido de que o privilégio imobiliário (geral?) dos créditos da Segurança Social só deve ser graduado logo após os créditos referidos no artº 748º do Código Civil se outra preferência não resultar de garantias reais legal e anteriormente constituídas e registadas .

Assim, na presente graduação deve ter-se em atenção o disposto no artigo 822º do Código Civil e no artigo 6º, nº 1, do Código de Registo Predial.

2. Já neste Tribunal, o relator, afigurando-se-lhe que a questão a resolver seria simples, tendo em conta a jurisprudência fixada no Acórdão nº 160/00 (Diário da República , II Série, de 10 de Outubro de 2000), bem como no Acórdão 354/00 (Diário da República, II Série, de 7 de Novembro de 2000) e confirmada no Acórdão nº 109/02 (Diário da República, II Série, de 24 de Abril de 2002), este tirado em plenário, lavrou decisão sumária a negar provimento ao recurso, considerando que tal jurisprudência seria aqui de aplicar, mutatis mutandis.

No entanto, tendo o Ministério Público reclamado para a conferência, esta viria, por unanimidade, a ordenar o prosseguimento dos autos, «tendo em conta a eventual complexidade das questões suscitadas» naquela reclamação.

3. Só o Ministério Público apresentou alegações, expendendo a seguinte argumentação:

O Tribunal Constitucional já se pronunciou efectivamente, em numerosos arestos, sobre a questão da constitucionalidade de normas que outorgam a entes públicos – como garantia de créditos fiscais ou para-fiscais – determinados privilégios creditórios, conduzindo a uma prioridade no pagamento relativamente aos restantes credores do executado.

Assim – e no que toca aos privilégios mobiliários gerais, concedidos quer pelo Código Civil (artigo 736º), quer por disposições legais avulsas (v.g. artigo 10º do Decreto-Lei 103/80) para garantia de créditos fiscais ou da segurança social, - tem o Tribunal Constitucional emitido um juízo de não inconstitucionalidade das normas que o outorgam, fundado na ideia de que as finalidades subjacentes aos sistemas fiscal e da segurança social legitimam e justificam a quebra da regra da “par conditio creditorum”, de modo a facultar a prioridade no pagamento pelo valor de certos bens, atribuída a determinados créditos de entidades públicas, ponderada a sua natureza e origem (cfr. Acórdãos 688/98 e 153/02).

Porém, nos acórdãos 354/00 e 561/00, já considerou o Tribunal Constitucional colidente com o princípio da confiança a norma constante do artigo 11º do Decreto-Lei 103/80, interpretada como outorgando às instituições de previdência um privilégio imobiliário geral, dotado de sequela, nos termos do artigo 751º do Código Civil, sobre todos os bens imóveis existentes no património do devedor à data da instauração da execução – e oponível, independentemente de registo, a todos os adquirentes de direitos reais de gozo sobre os bens por ele «ocultamente» onerados .

Por sua vez – e na sequência de jurisprudência firmada na fiscalização concreta – declarou o Tribunal Constitucional, nos acórdãos nºs 362/02 e 363/02, a inconstitucionalidade de normas que outorgavam à Fazenda Nacional e à Segurança Social um privilégio imobiliário geral, susceptível de preferir à hipoteca (mesmo que anteriormente constituída e registada), nos termos previstos no artigo 751º do Código Civil.

A especificidade do caso dos autos radica em que o privilégio imobiliário geral, outorgado à Segurança Social, é oposto, como causa de prioridade no pagamento, não ao titular de um direito real de gozo, entretanto adquirido, nem ao titular de um direito real de garantia, previamente constituído e registado, mas tão-somente no confronto de simples credores comuns que, instaurando as respectivas execuções, nelas obtiveram penhora de certos imóveis, incluídos no âmbito do referido privilégio (na própria execução ou noutra execução singular, sustada nos termos do artigo 871º do Código de Processo Civil), beneficiando, deste modo, apenas garantia emergente do artigo 822º, nº 1, do Código Civil.

Será esta situação equiparável à garantia de que beneficia o credor hipotecário?

Note-se, desde logo, que a análise das simples disposições de direito civil aplicáveis afastam liminarmente tal equivalência de situações: é que, nos termos do artigo 686º, nº 1, do Código Civil, a hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certo imóvel, pertencente ao devedor ou a terceiro, “com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo”; afasta-se, deste modo, expressamente a oponibilidade à hipoteca de um “privilégio geral”, apenas se logrando obter tal efeito através de uma discutível atribuição aos privilégios imobiliários gerais, avulsamente criados à revelia e fora do quadro normativo do Código Civil, do regime consagrado no artigo 751º deste diploma.

Pelo contrário, é naturalmente bem mais fraca a garantia que, para o credor comum, emerge de se ter antecipado na execução e nela obtido penhora de certos bens do devedor: o artigo 822º do Código Civil apenas lhe confere odireito de ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior e sendo evidente que o privilégio geral (ainda que não revista obviamente as notas de sequela e prevalência, não se configurando, dada a fluidez e indeterminação do seu objecto como um...

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