Acórdão nº 720/04 de Tribunal Constitucional (Port, 21 de Dezembro de 2004

Data21 Dezembro 2004
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 720/04 Processo n.º 410/04 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

AUTONUM 1.Por acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 5 de Novembro de 2003, foi negado provimento ao recurso interposto por A. da sentença proferida pelo 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Barcelos que o condenara, como autor material de um crime de abuso de confiança previsto e punido pelos artigos 107º, n.º 1, e 105º, n.ºs 1 e 5, da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho (Regime Geral das Infracções Tributárias), na pena de catorze meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de três anos, subordinada à condição de o arguido pagar ao Estado, no prazo de dois anos, a quantia de 9.247.267$00. Diz-se no referido acórdão da Relação:

No processo comum n.º 216/01, com intervenção do tribunal singular que correu termos pelo 1° Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Barcelos, foram submetidos a julgamento os arguidos:

“B.” sociedade por quotas, com sede no ----------------, ---------------, --------, representada em juízo pelo seu sócio-gerente A. e

A., casado, industrial, nascido a ---/----/48, em ---------, ---------, filho de C. e de D., residente na Rua -----------, n.º -------, ------------, acusados da prática, o arguido de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p., à data, pelos art.ºs 24° e 27-B do DL n.° 20-A/90, de 15/1, e a arguida do mesmo crime, mas criminalmente responsável nos termos dos art.ºs 7º, n.º 1, 9°, n.º 2, do mesmo diploma legal.

O Centro Regional de Segurança Social do Norte deduziu pedido de indemnização civil contra os arguidos, pedindo a sua condenação na quantia global de 9.247.267$00, montante das contribuições em dívida, acrescida dos competentes juros de mora.

O arguido apresentou contestação, na qual, em resumo, defende a inconstitucionalidade da norma incriminadora, e afirma que a sua empresa passava por enormes dificuldades financeiras, sendo essa a única razão da não entrega dos montantes referidos na acusação.

Realizado o julgamento da causa, foi proferida sentença, na qual, após ser decidida a questão prévia suscitada pelo arguido, qual seja, de que as normas incriminadoras - art.ºs 24º, n.º 1, 27º-B e 29º, n.º 1, do D.L. n.° 20-A/90, de 15/1 - são inconstitucionais por violação dos art.ºs 17º e 18º da C. R. Portuguesa, por estabelecerem um inadmissível desvio ao princípio da proibição de prisão por dívidas, veio a ser proferida a seguinte decisão:

“Face a tudo o exposto, decide-se:

Condenar o arguido A., como autor material de um crime de abuso de confiança p.p. nos art.ºs 107º, n.º 1, e 105º, n.º 1 e 5, do RGIT, na pena de catorze meses de prisão.

Suspende-se a execução da pena de prisão pelo período de três anos, subordinada à condição de o arguido pagar ao Estado, no prazo de dois anos, a quantia de 9.247.267$00.

A arguida “B.” vai condenada, pela prática do mesmo ilícito criminal, e nos termos dos art.°s 7º, n.º 1, e 12º, n.º 2, do RGIT, na pena de 300 dias de multa, à taxa diária de 1.500$00, no total de 450.000$00.”

Inconformado com tal decisão, veio o arguido A. interpor recurso para esta Relação, que motivou, apresentando as seguintes

“Conclusões:

A. Vem o arguido A. condenado como autor material de um crime continuado de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelos artigos 107º e 105º do RGIT.

B. O tipo legal em causa traduz-se na dedução ou liquidação de prestações tributárias não seguida da sua entrega total ou parcial, consubstanciando uma apropriação ilegítima de fundos financeiros pertencentes ao Estado em benefício próprio.

C. Abuso de confiança fiscal confirma-se assim, diversamente, do abuso de confiança comum, como um crime de dano e não de perigo.

D. O que constitui franca violação do artigo 1° do Protocolo Adicional da Convenção Europeia dos Direitos do Homem de 16/09/63, aplicável por força do disposto nos artigos 8°, n.º 2, e 16° da C.R.P., bem como do n.º 2 do artigo 18º, n.º 1 do artigo 3°, n.º 1 e 2 do artigo 27° e artigo 204° deste diploma.

E, salvo o devido respeito por melhor opinião, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 312/2000, de 20/06, assenta em falsos pressupostos, e que ainda que porventura vençam, não convencem.

F. Pelo que se deixa expressamente invocada, para todos os legais efeitos, a inconstitucionalidade dos artigos 105º e 107º do RGIT.

G. Sem prescindir do que antecede, recorde-se que nos termos do direito penal vigente a qualificação de uma conduta como criminosa exige o preenchimento de todos os parâmetros do tipo legal ao qual se subsume.

H. Ora, no caso em apreço, o vácuo financeiro da sociedade arguida relatado na factualidade assente afasta liminarmente a operacionalidade de qualquer mecanismo de apropriação, no caso das contribuições para o CRSS, uma vez que face às carências económicas da empresa arguida inexistia o suporte fáctico sobre o qual esta podia ser exercida, e sem o qual não é configurável, esvaindo-se pela falta de objecto.

I. Assim, no tocante àquelas contribuições, a demonstrada debilidade económica da sociedade arguida obsta ao preenchimento do tipo legal de crime.

J. O que se deixa alegado para todos os legais efeitos, e nomeadamente para absolvição do arguido A..

K. Sem prescindir do que antecede, cabe aqui referir que o artigo 36° do Código Penal afasta a ilicitude quando ocorra conflito entre deveres por via do qual a conduta infractora tenha como fim a obediência a imposição legalmente consagrada.

L. No caso em apreço, a incriminação do arguido A. funda-se na sua qualidade de gerente da arguida sociedade sendo certo que foi apenas e tão-só nessa veste e por estar vinculado à observância dos princípios de gestão criteriosa enunciados nos artigos 64º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais, que aquele protagonizou os actos que lhe vêm imputados.

M. A falta de entrega das prestações...

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