Acórdão nº 710/04 de Tribunal Constitucional (Port, 21 de Dezembro de 2004

Data21 Dezembro 2004
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 710/04 Processo n.º 584/04 3.ª Secção Relator: Conselheiro Gil Galvão (Conselheiro Vítor Gomes)

Acordam, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I – Relatório.

  1. Por decisão da 2ª Vara Criminal de Lisboa foram os ora recorrentes, A. e B., condenados, respectivamente, nas penas de 4 anos de prisão e de 3 anos de prisão com execução suspensa, pela prática dos crimes de passagem de moeda falsa e de burla informática. Inconformados, recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa, alegando, nomeadamente, para o que agora releva, o seguinte:

    “[...] O pedido de informações, por uma entidade (C.) a outra (vários bancos estrangeiros) via fax, bem como a resposta a esse pedido de informações consubstanciam verdadeiras declarações não podendo as mesmas ser valoradas porquanto não respeitam o prescrito nos artigos 128º, 129º, 138º e 111º do CPP.

    A interpretação do douto acórdão é inconstitucional porquanto colide com o estatuído no art.º 32º da CRP.

    Por outro modo o douto acórdão valorou documentos, não assinados por um dos intervenientes (entidade bancária) ou apenas com uma rubrica.

    Esta interpretação do art.º 164º é inconstitucional porquanto colide com o estatuído no art.º 32º da CRP. [...]

    Conclusões

    [...]

    4- O douto acórdão socorreu-se, para formar a sua convicção, de vários documentos (fax's enviados para entidades bancárias estrangeiras) cuja valoração lhe estava vedada.

    5 - Estes documentos consubstanciam declarações da testemunha D. e de pessoas não identificadas, dos bancos respectivos, sendo certo que as declarações não podem ser prestadas por documento.

    6 - Acresce ainda que esses documentos apenas se encontram assinados pela testemunha D. (C.) não existindo identificação nem sequer assinatura da pessoa que alegadamente responde ao pedido de informações.

    7 - De todo o modo, os cartões utilizados no Restaurante "E." e "Boutique F." não foram apreendidos, pelo que a testemunha D. não tem conhecimento directo se os mesmos são ou não fraudulentos.

    8 - O conhecimento do D. advém-lhe da informação que lhe é dada pelo banco emissor dos cartões de crédito e por sua vez o conhecimento destes resulta da informação que alegadamente lhes foi fornecida pelos titulares dos cartões.

    9 - Os recorrentes não puderam contraditar o depoimento do D. porquanto o seu conhecimento é duplamente indirecto.

    10 - Resulta ainda que os documentos aludidos (fax's) estão escritos em língua inglesa o que os inquina de nulidade.

    1. A interpretação dada pelo douto tribunal aos artigos 111º, 128º, 129º e 138º do CPP, inquina essas normas de inconstitucionalidade por contender com o estatuído com o art.º 32º da CRP.

    2. Por outro lado a interpretação que o douto tribunal deu ao art.º 164º do CPP, quando valora um documento anónimo, inquina essa norma de inconstitucionalidade por contender com o estatuído com o art.º 32º da CRP.

    [...]

    Violaram-se as seguintes disposições:

    Artigo 32º da CRP;

    Artigos 111º, 128º, 129º, 138º, 164º e 374º do CPP,

    Artigos 70º, 71º e 72º do CP.”

  2. O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 17 de Março de 2004, concedeu parcial provimento ao recurso, fixando a pena da arguida recorrente em 3 anos de prisão, com execução suspensa. Escudou-se para tanto, designadamente, na seguinte fundamentação, constante de fls. 59 e 60 do acórdão recorrido:

    “[...] D) - A arguida [...] e outro, contestam o depoimento de D. que qualificam de indirecto e por isso ineficaz como meio de prova.

    Efectivamente, a testemunha, D., inspector da C. permitiu perceber o modo de utilização dos cartões, o funcionamento dos terminais de pagamento bem como os códigos que nos visores destes terminais aparecem quando existe algum problema com o uso dos cartões, também explicou relativamente ás listas de fls. 76 a 94 os códigos que na mesma figuram e que em alguns casos impunham que o operador do terminal contactasse o C., o que não se verificou em qualquer dos casos, foram ainda explicadas as comunicações havidas com os bancos pretensamente emissores desses cartões e que deram origem a comunicações de utilização fraudulenta de que são exemplos o teor de fls. 130 e 134 dos autos, também confirmou os valores totais das transacções autorizadas e recusadas confirmando assim os valores constantes da acusação.

    Ora, em nosso entender, não se pode afirmar como o fez a recorrente que se trata de um depoimento indirecto.

    É evidente que a C. é a entidade que está vocacionada para obter informações sobre os cartões de crédito que emite e tem todo o direito de obter junto dos bancos informações relativas á utilização ilícita de tais cartões.

    O depoimento do inspector bancário da C. reporta-se a factos dos quais este tem conhecimento directo e privilegiado, advindo das suas funções profissionais e, também, dos necessários conhecimentos técnicos para elucidar o Tribunal.

    Mais, na parte em que reflecte conhecimento advindos do que lhe foi transmitido, por terceiros, esse depoimento é admissível, nos termos da parte final, do n.º 1, do art. 129°, do C.P.P..

    E não se diga que foram valorados documentos anónimos, pois que, relativamente a todos eles, é possível estabelecer a sua autoria - banco - .

    Mais, o facto de se encontrarem redigidos em língua estrangeira, não constitui nulidade, vício que só existirá se estiver tipificado na lei, nos termos dos arts. 118° a 120°, do aludido compêndio adjectivo, o que não ocorre.

    Portanto...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
4 temas prácticos
  • Acórdão nº 403/18 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Julho de 2018
    • Portugal
    • [object Object],Tribunal Constitucional (Port
    • 12 Julio 2018
    ...normativas arguidas de inconstitucionalidade pelo recorrente” (vide, entre outros, os Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 618/98 e 710/04 e as Decisões Sumárias nºs 102/2017 e 5/2018, todos disponíveis em Ora no caso em análise entendemos, salvo o devido respeito, qu......
  • Acórdão nº 512/19 de Tribunal Constitucional (Port, 01 de Outubro de 2019
    • Portugal
    • [object Object],Tribunal Constitucional (Port
    • 1 Octubre 2019
    ...no art. 17.º supra (negrito nosso), ou seja, de forma abstrata. 23.º Chama-se desta forma aqui à colação o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 710/04 (também identificado na douta Decisão Sumária), o qual tem por preenchido o pressuposto de admissibilidade do recurso aqui ......
  • Acórdão nº 223/20 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Abril de 2020
    • Portugal
    • [object Object],Tribunal Constitucional (Port
    • 17 Abril 2020
    ...decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionalidade pelo recorrente (cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 618/98 e 710/04, disponíveis em Como se deixou referido, entendeu a decisão sumária ora reclamada que, no caso vertente, se não encontravam preenchidos dois d......
  • Acórdão nº 742/22 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Novembro de 2022
    • Portugal
    • [object Object],Tribunal Constitucional (Port
    • 4 Noviembre 2022
    ...o Tribunal que proferiu a decisão por uma qualquer pronúncia que este, por qualquer imaginável razão, venha a produzir.” (acórdão do TC n.º 710/2004, in v. C. LOPES DO REGO, op. cit., p. Por último, podemos ainda deixar impresso que, quanto aos dois recursos interlocutórios, o entendimento ......
4 sentencias
  • Acórdão nº 403/18 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Julho de 2018
    • Portugal
    • [object Object],Tribunal Constitucional (Port
    • 12 Julio 2018
    ...normativas arguidas de inconstitucionalidade pelo recorrente” (vide, entre outros, os Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 618/98 e 710/04 e as Decisões Sumárias nºs 102/2017 e 5/2018, todos disponíveis em Ora no caso em análise entendemos, salvo o devido respeito, qu......
  • Acórdão nº 512/19 de Tribunal Constitucional (Port, 01 de Outubro de 2019
    • Portugal
    • [object Object],Tribunal Constitucional (Port
    • 1 Octubre 2019
    ...no art. 17.º supra (negrito nosso), ou seja, de forma abstrata. 23.º Chama-se desta forma aqui à colação o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 710/04 (também identificado na douta Decisão Sumária), o qual tem por preenchido o pressuposto de admissibilidade do recurso aqui ......
  • Acórdão nº 223/20 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Abril de 2020
    • Portugal
    • [object Object],Tribunal Constitucional (Port
    • 17 Abril 2020
    ...decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionalidade pelo recorrente (cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 618/98 e 710/04, disponíveis em Como se deixou referido, entendeu a decisão sumária ora reclamada que, no caso vertente, se não encontravam preenchidos dois d......
  • Acórdão nº 742/22 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Novembro de 2022
    • Portugal
    • [object Object],Tribunal Constitucional (Port
    • 4 Noviembre 2022
    ...o Tribunal que proferiu a decisão por uma qualquer pronúncia que este, por qualquer imaginável razão, venha a produzir.” (acórdão do TC n.º 710/2004, in v. C. LOPES DO REGO, op. cit., p. Por último, podemos ainda deixar impresso que, quanto aos dois recursos interlocutórios, o entendimento ......

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT