Acórdão nº 223/20 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Abril de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução17 de Abril de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 223/2020

Ata

Aos 17 dias do mês de abril de 2020, os três juízes integrantes desta formação de conferência da 3.ª Secção, presidida pelo Conselheiro Vice-Presidente, João Pedro Caupers, e composta pelo Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro (relator) e pela Conselheira Joana Fernandes Costa (adjunta), reuniram-se, por via telemática, para discussão do projeto de acórdão relativo ao processo n.º 1168/2019, previamente distribuído pelo relator, decidindo a reclamação para a conferência apresentada nos presentes autos pelo recorrente A. (artigo 78.º-A, n.º 3, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional – Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redação constante da Lei n.º 1/2018, de 19 de abril).

Tendo os intervenientes chegado a acordo quanto ao teor da decisão, foi o acórdão aprovado, por unanimidade, com dispensa de assinatura, nos termos do artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, sendo integrado na presente ata, assinada pelo Conselheiro Vice-Presidente.

A aprovação do acórdão foi feita ao abrigo do artigo 7.º, n.º 5, alínea b), da Lei n.º 1-A/2020, na redação introduzida pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril.

ACÓRDÃO Nº 223/2020

Processo n.º 1168/2019

3ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A. e recorridos o Ministério Público e B., foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do acórdão daquele Tribunal, de 13 de novembro de 2019.

2. Pela Decisão Sumária n.º 44/2020, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«5. De acordo com o requerimento de interposição de recurso, a decisão recorrida é o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13 de novembro de 2019, que indeferiu a arguição de irregularidades processuais opostas ao precedente aresto, o qual havia julgado o recurso interposto da sentença condenatória.

O recorrente pretende a apreciação da constitucionalidade de duas normas distintas. Vejamos cada uma delas separadamente.

6. Constitui requisito do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC a aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade é questionada pelo recorrente.

O recorrente invoca a inconstitucionalidade da norma do artigo 424.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, «interpretada no sentido de autorizar a alteração não substancial dos factos que integram a imputação penal no que concerne ao tempo, modo e lugar, sem contraditório do arguido».

No caso vertente, é manifesto que tal requisito não se mostra preenchido quanto a esta norma.

Para indeferir a arguição de irregularidade invocada contra o acórdão de 2 de outubro de 2019, o Tribunal a quo entendeu ter reduzido o número de eventos dados como provados na sentença condenatória, sem proceder a qualquer alteração ou aditamento aos factos que integravam o objeto do processo. Assim, considerou não se aplicar o artigo 424.º, n.º 3, do Código de Processo Penal. Vale isto por dizer que não aplicou, como ratio decidendi, qualquer norma cujo sentido inclua a possibilidade de, em recurso, se operar uma alteração não substancial de factos sem prévio exercício do contraditório pelo arguido – tendo, aliás, manifestado expressamente o entendimento contrário a essa possibilidade.

Ao incluir na norma cuja constitucionalidade pretende ver apreciada um pressuposto que não foi efetivamente acolhido na decisão recorrida, qual seja, o de que se estava perante uma alteração não substancial de factos, o recorrente afastou-se irremediavelmente da norma aplicada. Ora, a não aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma sindicada no recurso de constitucionalidade obsta ao conhecimento do mesmo, justificando a prolação da presente decisão sumária, segundo o previsto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.

7. O recorrente pretende também a apreciação da inconstitucionalidade da «norma do artigo 368.º, n.º 2, al.s a), b) e c), do CPP, conjugadamente com o artigo 283.º, n.º 3, al. b), do CPP, “ex vi” artigo 308.º, n.º 2, do CPP, interpretada no sentido de a narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena poderem, quanto ao momento de uma única prática e de forma não concretizada, reportar a um período de oito meses».

Segundo o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º, da Constituição, e na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, «identificando-se assim, o conceito de norma jurídica como elemento definidor do objeto do recurso de constitucionalidade, pelo que apenas as normas e não já as decisões judiciais podem constituir objeto de tal recurso» (v. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 361/98).

Em causa está a questão de saber se a narração dos factos em que assenta, ao menos em parte, uma condenação criminal, pode localizar um determinado evento de ocorrência singular num intervalo temporal de oito meses. Ora, esta não é uma questão de inconstitucionalidade normativa, senão antes de eventual violação de lei, geradora de nulidade da acusação ou despacho de pronúncia ou, pelo menos, da sua improcedência. Com efeito, sob a aparência de enunciado normativo, o que o recorrente pretende é que o Tribunal Constitucional sindique o mérito da apreciação que o Tribunal a quo fez desta mesma questão, sendo certo que essa apreciação depende, de forma inarredável, das particularidades do caso concreto, nomeadamente do tipo de evento que esteja em causa, das circunstâncias do acusado, da extensão do afastamento temporal em que o referido período de oito meses tenha ocorrido, entre todo um conjunto de fatores que relevam necessariamente do caso concreto.

Como se escreveu no Acórdão n.º 695/2016: «o sistema português de controlo da constitucionalidade normativa assenta na ideia de que a jurisdição constitucional deve ser o juiz das normas e não o juiz dos juízes. O papel do Tribunal Constitucional na arquitetura da nossa democracia constitucional é o de controlar a atuação do legislador e dos seus sucedâneos; os erros judiciais são corrigidos através do regime de recursos próprio da ordem jurisdicional a que as decisões pertencem. Vale isto por dizer que o objeto do presente recurso carece de idoneidade, impondo-se o seu não conhecimento por este Tribunal Constitucional.»

3. De tal decisão vem agora o recorrente reclamar para a conferência, apresentando as seguintes razões:

«A., Recorrente nos autos à margem referenciados, não se conformando com a decisão sumária n.º 44/2020, proferida pelo Exmo. Juiz Conselheiro Relator que decidiu “Não tomar conhecimento do recurso”, por “não verificação do requisito da admissibilidade”, vem, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC)-Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, apresentar Reclamação para a Conferência, nos termos e com os seguintes fundamentos:

Interpôs o recorrente, na sua qualidade de arguido em processo crime, recurso de constitucionalidade, sindicando a inconstitucionalidade material da norma do artigo 424.º, n.º 3, do CPP, interpretada e aplicada no sentido de autorizar a alteração não substancial dos factos que integram a imputação penal no que concerne ao tempo, modo e lugar, sem contraditório do arguido e, ainda, a inconstitucionalidade material da norma do artigo 368.º, n.º 2 , als. a), b) e c) do CPP, conjugadamente com o artigo 283.º, n.º 3, al. b) do CPP, “ex vi” do artigo 308.º, n.º 2, do CPP, interpretada e aplicada no sentido de a narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena poderem, quanto ao momento de uma única prática e de forma não concretizada, reportar a um período de oito meses.

Não se conforma o recorrente com a decisão sumária ora reclamada que julgou, no caso vertente, verificada a falta de pressupostos de admissibilidade do recurso.

Com efeito, como resulta da decisão sumária ora reclamada, o recorrente interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, da sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, em 30 de abril de 2019, que o condenou, entre o mais, numa pena de dois anos e cinco meses de prisão efetiva e, ainda, numa pena acessória de proibição de contacto com a recorrida e de uso e porte de arma durante um período de...

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