Acórdão nº 697/04 de Tribunal Constitucional (Port, 15 de Dezembro de 2004

Magistrado ResponsávelCons. Vitor Gomes
Data da Resolução15 de Dezembro de 2004
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 697/04 Processo n.º 350/03 3.ª Secção

Relator: Conselheiro Vítor Gomes (Conselheira Maria dos Prazeres Beleza)

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

  1. Banco A., reclamou a quantia de 5.664.507$00 e juros em processo de reclamação de créditos apenso à execução fiscal n.º 1783-00/102079.0 do 1º Serviço de Finanças de -----, em que é executado B..

    Por sentença do Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto de 1 de Julho de 2002, de fls. 339 e seguintes, foi o crédito acima mencionado considerado verificado (fls. 339), reconhecendo-se que o pagamento respectivo se encontrava garantido por penhora sobre um imóvel, registada a favor do reclamante, para garantia da quantia exequenda no montante de 1.498.283$00 (cfr. fls. 9 e 340).

    Disse-se ainda na mesma sentença que os créditos também reclamados pelo Centro Regional de Segurança Social “gozam de privilégio imobiliário, assim como os juros de mora relativos a três anos – artigo 11º do Decreto-Lei n.º 103/80, artigo 44º, n.º 2, da LGT e artigo 734º do Código Civil”, acrescentando-se ainda que “sendo este um privilégio imobiliário geral, face ao disposto no artigo 686º, n.º 1, do Código Civil, ele cede perante a hipoteca, uma vez que, por força desta disposição legal a hipoteca prefere a todos os credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo”.

    Assim, a sentença procedeu à seguinte graduação de créditos:

    “1º) O crédito reclamado de contribuição autárquica e respectivos juros de mora referentes apenas a três anos;

    1. ) Os créditos reclamados pelo banco C. – capital e juros de mora até três anos – até ao montante máximo garantido pela hipoteca;

    2. ) O crédito de capital reclamado por D., também garantido pela hipoteca;

    3. ) Os créditos reclamados pelo CRSS, assim como os respectivos juros de mora referentes a três anos;

    4. ) O crédito reclamado pelo A. até ao montante de Esc. 1.498.283$00 garantido pela penhora;

    5. ) Remanescente dos créditos reclamados pelo C. até aos montantes garantidos pelas penhoras;

    6. ) A quantia exequenda.”

    2. Inconformado, o A., interpôs recurso para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo “da sentença de graduação de créditos proferida pelo Tribunal recorrido na parte em que graduou o crédito do CRSS antes do crédito do ora recorrente”.

    Por acórdão de 26 de Março de 2003, de fls. 382 e seguintes, o Supremo Tribunal Administrativo negou provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida, pronunciando-se nos seguintes termos:

    “São de duas ordens as questões que o recorrente suscita: inexistência por falta de referenda do DL 103/80 e inconstitucionalidade do artigo 11º do mesmo diploma por violação dos princípios da confiança e da proporcionalidade.

    Quanto à primeira daquelas questões pronunciou-se o Tribunal Constitucional no Acórdão 309/94, de 23 de Abril de 1994, referido pelo Ministério Público, no sentido de que a prática constitucional reiterada até à entrada em vigor da Lei 6/83, de 29 de Julho era a de considerar que, não tendo havido substituição do Governo que aprovou um determinado diploma, a assinatura do Primeiro-Ministro se podia convolar em referenda. Tendo o DL103/80 sido assinado pelo Primeiro-Ministro e não tendo havido mudança de Governo, não sofre o mesmo de inconstitucionalidade, nem pode considerar-se como inexistente pelo motivo apontado, nos termos do artigo 140º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.

    Vejamos agora a questão da graduação do crédito do recorrente e a apontada inconstitucionalidade da mesma.

    O artigo 11° do DL 103/80 de 9 de Maio prescreve:

    "Os créditos pelas contribuições, independentemente da data da sua constituição e os respectivos juros de mora gozam de privilégio imobiliário sobre os bens imóveis existentes no património das entidades patronais à data da instauração do processo executivo, graduando-se logo após os créditos referidos no artigo 748° do Código Civil.".

    Estes créditos do artigo 748° são os respeitantes a contribuição predial – hoje autárquica – sisa e imposto sobre sucessões e doações. Por seu turno o artigo 733° do Código Civil define o privilégio creditório como "a faculdade que a lei, em atenção à causa do crédito, concede a certos credores, independentemente do registo, de serem pagos com preferência a outros".

    Pretende o recorrente que tal artigo 11º do DL 103/80 é inconstitucional por violação dos princípios da confiança e da proporcionalidade, chamando em apoio da sua tese o Acórdão n.º 363/2002 do Tribunal Constitucional que declarou a inconstitucionalidade de tal norma. Não é, porém, assim. O que aquele aresto decidiu foi a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral do mencionado artigo 11º, mas apenas na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nela conferido à Segurança Social prefere à hipoteca, nos termos do artigo 751º do Código Civil. Ora, não tendo o recorrente o seu crédito garantido por hipoteca não é aplicável à situação aquela decisão do tribunal Constitucional. Como se refere no acórdão 799/02 de 16 de Outubro deste Supremo Tribunal Administrativo, o privilégio creditório nasce com o crédito, como atributo seu, conferido pelo legislador em atenção à sua causa, e incide sobre o património imobiliário do devedor existente aquando da instauração da execução. Por isso, a simples existência dos créditos da Segurança Social nesse momento faz com que beneficiem do privilégio que a lei lhes concede. Sendo indiscutível que o legislador pretendeu dar preferência aos créditos da Segurança Social para que sejam graduados a seguir aos do Estado e das autarquias referidos no artigo 748º do Código Civil, a razão porque o fez tem a ver com a natureza, finalidades e funções que a lei atribui à Segurança Social para satisfação de relevantes necessidades colectivas constitucionalmente tuteladas, face à referência constante do artigo 63º da Constituição da República Portuguesa. Tal legislação não viola o princípio da confiança ínsito no artigo 2º que possa pôr em causa a democracia, nem o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 18º da Constituição da República Portuguesa por não se mostrar restritivo dos direitos, liberdades e garantias a determinação de uma ordem de graduação de privilégios.”

    3. O A., “não se conformando com a rejeição da inconstitucionalidade do Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio, e do seu artigo 11º”, veio interpor recurso do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, “restrito quanto à questão da inconstitucionalidade daquele diploma e daquela sua norma em particular, recurso esse que deverá ser apreciado pelo Tribunal Constitucional, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo – artigo 280.º, n.º 1, alínea b), e n.º 6, CRP e artigos 70.º, n.º 1, alínea b), 71.º, 78.º, n.º 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro”.

    Em resposta a convite formulado ao abrigo dos n.ºs 5 e 6 do artigo 75.º-A da LTC, o recorrente veio indicar que a “norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie é o Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio, por se entender que carece da referenda ministerial imposta pela aplicação conjugada da disposições dos artigos 134.º, alínea b), 197.º, n.º 1, alínea a) e 140.º, n.º 2, da Constituição”. E acrescentou que “subsidiariamente pugna-se também pela inconstitucionalidade do artigo 11.º do referido Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio (leia-se com maior rigor: art. 11º do Regime Jurídico das Contribuições para a Previdência, aprovado pelo Decreto-Lei 103/80), por violação do princípio da confiança, ínsito no artigo 2º da Constituição e do princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 18.º, n.º 2, da Lei Fundamental.”

    4. Notificadas para o efeito, as partes apresentaram alegações, que o recorrente concluiu da seguinte forma:

    “1. O presente recurso vem interposto do Acórdão do Supremo tribunal Administrativo que rejeitou a inconstitucionalidade do DL 103/80, de 9 de Maio, invocada pelo aqui recorrente tendo em conta a carência de referenda ministerial do diploma e, subsidiariamente, da inconstitucionalidade do seu art. 11º, por inconstitucionalidade material.

  2. O Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio, carece de referenda ministerial – arts. 134º, al. b), 197º, n.º 1, al. a), e 140º, CRP (Constituição da República Portuguesa).

  3. Nos termos do n.º 2 do referido art. 140º, a falta de referenda determina a inexistência jurídica do acto – cfr. Acórdão do STA, de 16/06/99, in Acórdãos Doutrinais do STA, XXXIX, 457, pp. 44 e ss.

  4. Não havendo qualquer justificação para que a falta de referenda tenha efeitos diferentes caso se trate de diplomas anteriores ou posteriores à entrada em vigor da Lei 6/83, de 29 de Julho, como parece defender o tribunal a quo.

  5. Acresce que o art. 11º do dito Decreto-Lei é materialmente inconstitucional por violar o princípio da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito (art. 2º, da CRP) e por violar o princípio da proporcionalidade consagrado no art. 18º, n.º 2, da CRP.

  6. Os princípios da proporcionalidade e da confiança, que presidem à argumentação dos...

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