Acórdão nº 185/04 de Tribunal Constitucional (Port, 23 de Março de 2004

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução23 de Março de 2004
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 185/2004

Processo n.º 422/03

  1. Secção

    Relator: Conselheiro Mário Torres

    Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

    1. Relatório

      1. intentou, em 25 de Outubro de 2002, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, contra a B., acção emergente de contrato individual de trabalho, tendo em vista anular e eliminar do seu cadastro a sanção disciplinar de ?um dia de suspensão sem vencimento?, que reputa de ilícita e abusiva, pedindo ainda a condenação da ré no pagamento de ? 393,20 (? 35,52 da quantia ilicitamente descontada, ? 355,20 a título de indemnização por se tratar de sanção abusiva, e ? 2,48 de juros de mora), acrescida dos juros legais vincendos.

      Em audiência realizada em 9 de Dezembro de 2002, frustrou-se tentativa de conciliação das partes, tendo nesse mesmo acto a ré sido notificada para contestar, o que ela fez, por excepção e por impugnação, invocando a prescrição do direito de impugnar a sanção disciplinar, por ultrapassagem do prazo de um ano a contar da sua aplicação, ocorrida em 6 de Junho de 2001, e sustentando a licitude e o carácter não abusivo da mesma.

      Atenta a simplicidade da causa e face ao disposto no artigo 62.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro (CPT), o juiz do 1.º Juízo do Tribunal do Trabalho de Lisboa dispensou a realização de audiência preliminar e proferiu de imediato despacho saneador, julgando procedente, nos termos conjugados dos artigos 496.º e 510.º, n.ºs 1, alínea b), e 3, 2.ª parte, ambos do Código de Processo Civil, a excepção peremptória da prescrição invocada pela ré e absolvendo esta do pedido. Tal decisão assentou na seguinte fundamentação:

      ?Para a apreciação da excepção de prescrição invocada pela ré, importa atender à seguinte factualidade, que se encontra provada, por acordo das partes e face à prova documental junta aos autos:

    2. O autor foi admitido ao serviço da ré, mediante celebração de contrato de trabalho sem termo, em 4 de Julho de 1979;

    3. ... mantendo-se ainda ao serviço da ré.

    4. Em 18 de Abril de 2001, o autor foi notificado da nota de culpa junta por cópia a fls. 38;

    5. ... à qual respondeu dentro do prazo que para o efeito lhe foi fixado, nos termos do documento junto por cópia a fls. 40.

    6. Através do documento junto por cópia a fls. 27, recebido pelo autor em 6 de Junho de 2001, a ré notificou o autor de que lhe foi aplicada a sanção disciplinar de «um dia de suspensão sem vencimento».

    7. ... tendo-lhe sido descontada a quantia correspondente a um dia de retribuição (? 35,32) no mês de Setembro de 2001.

      A prescrição arguida pela ré constitui uma excepção peremptória, impeditiva dos efeitos jurídicos pretendidos pelo autor.

      O Código Civil não estabeleceu qualquer critério para distinguir a prescrição da caducidade, devendo a distinção operar-se mediante a interpretação das disposições legais onde se fixem prazos para o exercício de direitos, procurando, através da sua razão de ser e finalidade, se a lei pretende estabelecer um prazo de prescrição, ou, antes, de caducidade (Antunes Varela, in Obrigações, pág. 149).

      No que respeita à prescrição, constituem seus requisitos gerais: a) a existência de um direito não indisponível; b) que possa ser exercido; c) mas que o não seja durante o lapso de tempo estabelecido na lei; d) e que não esteja isento de prescrição (Menezes Cordeiro, in Obrigações, 1980, pág. 157).

      No caso dos autos, entende a ré que o prazo para o autor impugnar a sanção disciplinar que lhe foi cominada pela ré era de um ano a contar da aplicação da sanção, qualificando tal prazo como de prescrição.

      Compulsado o Código de Processo do Trabalho, apenas se detecta, no artigo 170.°, o estabelecimento de um prazo (de 15 dias) para impugnação judicial de decisão disciplinar proferida em processo do contencioso das instituições de previdência, abono de família e associações sindicais.

      Todavia, tal preceito não é de aplicação geral a todos os casos de impugnação de sanções disciplinares. Antes resulta da inserção sistemática do mesmo, no Capítulo III (sob a epígrafe Processo do contencioso das instituições de previdência, abono de família e associações sindicais) do Título VI, dedicado aos Processos Especiais, do CPT, que o seu âmbito de aplicação está limitado aos beneficiários de instituições de previdência e aos sócios de organismos sindicais e pessoas por eles representadas.

      Conforme decidiu o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Maio de 1998, citado pela ré (também disponível para consulta in www.dgsi.pt/jstj), «o prazo previsto no artigo 164.° do CPT [de 1981] ? (correspondente ao actual artigo 170.° do CPT [de 1999]) ? para o exercício de acção de anulação de sanção disciplinar não se aplica às reclamações por parte dos trabalhadores em relação às sanções aplicadas pela sua entidade patronal. Nestes casos, o prazo de impugnação deverá ser o de um ano contado desde a data de comunicação da aplicação da respectiva sanção».

      Aí são invocados os seguintes fundamentos:

      Esta solução é a que melhor se harmoniza com os princípios da estabilidade e certeza do direito disciplinar, evitando que se fique vários anos ? 10, 15... ? sem se saber se determinada sanção se mantém ou é anulada.

      E esta solução justifica-se e harmoniza-se, ainda, com o prazo fixado para a impugnação do despedimento, que tem o prazo de um ano a contar do dia seguinte ao da cessação do contrato dela resultante.

      Finalmente, é esta a solução preferível, tendo em conta a facilidade de prova, por não deixar correr um prazo demasiado longo.

      No mesmo sentido, pode ver-se o Acórdão do STJ de 4 de Julho de 1990, proferido no âmbito de uns autos que correram termos no Tribunal do Trabalho de Lamego, em que era autor C. e ré D..

      Parece-nos que é esta a solução mais ajustada, uma vez que se nos afigura não ser passível de aplicação o disposto pelo artigo 38.° da LCT, adequado apenas para a impugnação do despedimento, que é a sanção mais grave que pode ser cominada ao trabalhador. De outro modo, uma sanção menos grave, como a dos autos, poderia ser impugnada dentro do prazo de um ano a contar da cessação do contrato de trabalho, ainda...

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