Acórdão nº 184/04 de Tribunal Constitucional (Port, 23 de Março de 2004

Magistrado ResponsávelCons. Fernanda Palma
Data da Resolução23 de Março de 2004
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 184/2004

Proc. N.º 623/2003

  1. Secção

Rel.: Cons.ª Maria Fernanda Palma

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

I

Relatório

  1. A., interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa que rejeitou o pedido de suspensão de eficácia do acto do Instituto Nacional de Intervenção de Garantia Agrícola nos termos do qual lhe foi imposta a reposição do montante recebido no âmbito da Ajuda Especial aos Produtores Portugueses de Cereais, na campanha de 1996/97.

    Fundamento para a rejeição do pedido foi a ilegitimidade passiva do autor do acto suspendendo, a qual se deveria a erro manifestamente indesculpável da recorrente.

    Nas alegações de recurso, esta sustentou, logo, a inconstitucionalidade dos artigos 36º, nº 1, alínea c), e 40º, nº 1, alínea a), da LPTA, por violação dos artigos 18º, nº 2, 20º, nº 1, e 268º, nº 4, da Constituição. Entendeu que a interpretação de tais preceitos no sentido de que é impossível corrigir a petição em caso de erro manifesto na identificação do autor do acto restringe aqueles direitos fundamentais ?sem que exista qualquer fundamento material para tal disciplina jurídica?.

    A entidade recorrida, por seu turno, concluiu nas suas alegações que ?admitir o convite à correcção em caso de erro indesculpável é destituir o direito processual de fundamento, ao contrário do que sucede em caso de erro desculpável, não prescindindo a tutela jurisdicional efectiva de normas ordenadoras, nem habilitando a interpretação de que o Tribunal se substitua às partes, suprindo as deficiências e exercendo uma espécie de patrocínio supletivo já que a função jurisdicional, traduzindo-se numa composição de litígios, não pode transmutar o julgador em parte, como o pretende o Recorrente?.

    O Tribunal Central Administrativo negou provimento ao recurso, dizendo, quanto à questão de inconstitucionalidade suscitada, que o artigo 40º da LPTA, ao impedir o convite à correcção da petição quando ?esteja em causa um erro indesculpável?, não viola o disposto nos artigos 18º, nº 2, 20º, nº 1, e 268º, nº 4, da Constituição já que ?a tutela jurisdicional efectiva não exige uma total substituição do Tribunal às partes, suprindo todas as deficiências e exercendo uma tutela efectiva das mesmas, pelo que o ónus de que não esteja em causa uma atitude negligente e descuidada da parte de forma que a mesma não se traduza em erro indesculpável para que se possa convidá-la à correcção, não se traduz na consagração de uma intolerância que implique uma ostensiva e efectiva limitação da garantia constitucional de recurso contencioso, prevista no nº 4 do artigo 268º da CRP?.

  2. Inconformada, a A., interpôs recurso de tal acórdão para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea b) da Lei do Tribunal Constitucional, suscitando a inconstitucionalidade das normas do artigo 36º, nº 1, alínea c), em conjugação com o artigo 40º, nº 1, alínea a), da LPTA, ?por violação desproporcional (artigo 18º nº 2 da Constituição) do direito de acesso à Justiça e aos Tribunais e do direito de impugnação contenciosa dos actos administrativos, consagrados nos artigos 20º, nº 1 e 268º, nº 4, da Constituição?.

  3. Determinado, por despacho da Relatora, que fossem proferidas alegações, veio a recorrente apresentar alegações que concluiu do modo seguinte:

    1) Os art.s 36° nº 1 al. c) e 40° nº 1 al. a) da LPTA, são inscontitucionais na interpretação de sentença recorrida, por violação dos arts. 18° n° 2, 20° nº 1 e 268° nº 4 da Constituição, na dimensão interpretativa segundo o qual a manifestamente errada identificação do acto administrativo implica a rejeição do recurso, sem que o Recorrente seja previamente convidado a efectuar tal correcção.

    Com efeito,

    2) Nos termos do art. 40° nº 1 al. a) da LPTA, não é possível que o Tribunal convide o recorrente a corrigir a identificação do autor do acto recorrido, no caso de tal erro ser manifestamente indesculpável.

    3) A lei não define o conceito do que deva entender-se por erro manifestamente indesculpável.

    4) Contudo, mesmo nos casos de erro indesculpável na identificação do autor do acto recorrido, o Tribunal deve convidar o recorrente a proceder à respectiva correcção.

    5) Resulta destes preceitos que, ocorrendo um erro manifestamente indesculpável na identificação do autor do actor recorrido, o direito do particular de acesso à Justiça e aos Tribunais, consagrado no art. 20°, nº 1 da Constituição, na parte em que está em causa a impugnação de actos administrativos, fica irremediavelmente afectado, se não lhe for concedida a possibilidade de corrigir esses erros.

    6) O regime legal atrás referido traduz-se assim, numa violação destes direitos fundamentais, conjugados com o principio consagrado no art. 18° nº 2 da Constituição, uma vez que a impossibilidade de correcção da petição de recurso, em caso de erro manifesto na identificação do autor do acto recorrido, os restringe de modo desproporcionado, sem que exista qualquer fundamento material para tal disciplina jurídica.

    7) Estando assegurado, como está, nos art.s 20° nº 1 e 268°, nº 4 da Constituição, o direito de acesso aos Tribunais, e concretamente o direito de impugnação de actos administrativos, tal direito só pode ser limitado nos casos expressamente previstos na Constituição e devendo a restrição limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (art. 18°, nº 2 da Constituição).

    8) O legislador, ao permitir a possibilidade de correcção da petição de recurso, está a admitir expressamente que essa correcção não traz qualquer prejuízo incomportável para o processo, sendo compatível com os seus princípios orientadores, que não excluem dessa possibilidade os processos de natureza urgente.

    9) Daqui resulta que não existe qualquer fundamento material para se negar igual correcção nos casos que a lei qualifica como de ?erro manifestamente indesculpável na identificação do autor do acto recorrido?, uma vez que esta em nada prejudica o processo e os seus princípios orientadores pois se assim fosse, tal correcção seria sempre impossível.

    10) Acresce ainda que o próprio legislador se absteve de definir o que é um ?erro manifestamente indesculpável na identificação do autor do acto recorrido?, ficando tal tarefa ao critério livre do Tribunal.

    11) Esta impossibilidade de correcção não tem qualquer fundamento material, nem encontra fundamentação nos princípios do processo, constituindo uma ?sanção? para o recorrente, a ser aplicada segundo o livre arbítrio do Tribunal.

    Deste modo

    12) A impossibilidade de correcção da petição de recurso, nos casos de erro manifestamente indesculpável na identificação do autor do acto recorrido, mesmo nos processos de natureza urgente, viola o direito de acesso à Justiça e aos Tribunais, concretizado no direito de impugnação dos actos administrativos, consagrado nos arts. 20°, nº 1 e 268º nº 4 da Constituição de forma desproporcional e sem qualquer fundamento material, como exige o art. 18°, nº 2, da Constituição.

    13) O Tribunal Constitucional (Acórdão n° 320/02 de 9 de Julho de 2002, in DR, 1ª Série-A) declarou, com força obrigatória geral a inconstitucionalidade, por violação do art. 32° nº 1 da Constituição, da norma do art. 412°, nº 2 do Código Processo Penal, interpretado no sentido de que a falta de indicação, nas conclusões da motivação, de qualquer das menções contidas nas suas alíneas a), b) e c) tem como efeito a rejeição liminar do recurso do arguido, sem que ao mesmo seja facultada a possibilidade de suprir tal deficiência.

    14) E, do mesmo modo, o Tribunal Constitucional declarou, no Acórdão nº 265/01, de 19 de Julho de 2001, publicado no DR, 1ª Série-A, de 16 de Julho de 2001, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade, por violação do nº 10 do art. 32°, em conjugação com o nº 2 do art. 18°, ambos da Constituição, da norma que resulta das disposições conjugadas constantes do nº 3 do art. 59° e do nº 1 do art. 63°, ambos do DL 433/82, de 27 de Outubro, na interpretação segundo a qual a falta de formulação de conclusões na motivação de recurso, por via do qual se intenta impugnar a decisão de autoridade administrativa que aplicou uma coima, implica a rejeição do recurso, sem que o recorrente seja previamente convidado a efectuar tal formulação.

    15) Por uma questão de óbvia coerência, também são inconstitucionais as normas dos art.s 36°, nº 1 al. c) e 40° nº 1 al. a) da LPTA, por violação desproporcional - art. 18° nº 2 da Constituição - do direito de acesso à Justiça e aos Tribunais e do direito de impugnação contenciosa dos actos administrativos, consagrados nos art.s 20° n° 1 e 268° n° 4, da Constituição, na dimensão interpretativa segundo a qual a manifestamente errada identificação do Autor do acto recorrido implica a rejeição do recurso, sem que o Recorrente seja previamente convidado a efectuar tal correcção - o que se invoca para todos os efeitos legais.

    16) Em consequência, deve ordenar-se a notificação da Recorrente para proceder à referida correcção.

    Pelos motivos expostos, e invocando douto suprimento, confiadamente se espera que Vossas Excelências darão provimento ao recurso; e que, em consequência, as normas dos arts. 36°, n° 1 al. c) e 40° n° 1 al. a) da LPT A sejam declaradas inconstitucionais, nos termos pelos motivos e na dimensão acima referidos, ordenando-se que a Recorrente seja notificada para corrigir o requerimento inicial, dirigindo-o contra o Autor do acto cuja suspensão de eficácia pretende, como é de Lei de

    JUSTIÇA!

    Por seu turno, o recorrido contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:

    1. A A., por recurso interposto em 9 de Setembro de 2003, veio...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
25 temas prácticos
  • Acórdão nº 515/09.5GCVRM.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 21 de Janeiro de 2013
    • Portugal
    • 21 Enero 2013
    ...processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão Cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 184/2004, de 24.11.2004, que transcreve na matéria acórdão da Relação de Coimbra, in ---. --- Debalde se encontra na decisão recorrida e......
  • Acórdão nº 26/12.1PEGMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Junho de 2013
    • Portugal
    • 17 Junio 2013
    ...do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão – Ac. do Tribunal Constitucional n.º 184/2004, de 24.11.2004, in Uma vez que o recorrente, quer na motivação, quer nas respectivas conclusões, impugna a matéria de facto sem a ......
  • Acórdão nº 114/19.3T9STR.E2 de Tribunal da Relação de Évora, 25 de Janeiro de 2022
    • Portugal
    • 25 Enero 2022
    ...os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção”. – Ac. do Tribunal Constitucional n.º 184/2004, de 24/11/2004, o que não acontece nos O raciocínio feito na decisão recorrida, quer quanto à credibilidade ou não credibilidade da t......
  • Acórdão nº 114/19.3T9STR.E2 de Tribunal da Relação de Évora, 25-01-2022
    • Portugal
    • Tribunal da Relação de Évora
    • 25 Enero 2022
    ...os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção”. – Ac. do Tribunal Constitucional n.º 184/2004, de 24/11/2004, o que não acontece nos O raciocínio feito na decisão recorrida, quer quanto à credibilidade ou não credibilidade da t......
  • Peça sua avaliação para resultados completos
22 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT