Acórdão nº 114/19.3T9STR.E2 de Tribunal da Relação de Évora, 25 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelLAURA GOULART MAUR
Data da Resolução25 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora Relatório No Tribunal Judicial da Comarca de HH, Juízo de Competência Genérica de YY, foi o arguido CIS submetido a julgamento em Processo Comum e Tribunal Singular.

Após realização da audiência de discussão e julgamento, por sentença de 31 de março de 2021, o Tribunal decidiu julgar a acusação procedente e, consequentemente: a) Condenar o arguido CIS pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão; b) Condenar o arguido CIS pela prática, em autoria material e na forma consumada, de três crimes de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1 e n.º 3, do Código Penal, cada um numa pena de 1 (um) ano de prisão; c) Em cúmulo jurídico de penas, condenar o arguido CIS na pena única de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão; d) Suspender a pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão aplicada ao arguido CIS, pelo período de 5 (cinco) anos, sujeita à condição de o mesmo proceder ao pagamento à demandante, do montante fixado no pedido de indemnização civil (cfr. infra, em e)), comprovando-o nos autos; e) Julgar integralmente procedente o pedido de indemnização cível deduzido nos autos pela demandante SO, Lda condenando o arguido a pagar-lhe, a título de danos patrimoniais, a quantia de € 17 863, 12, acrescida de juros de mora calculados à taxa de 4%, desde a data da notificação para contestar, até integral pagamento (artigos 805.º, n.º 1, 804.º, 805, 806.º e 559.º, todos do Código Civil, Portaria 291/2003, de 8.04); * Inconformado com a decisão, o arguido interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões: 1 – No âmbito do presente processo, foram imputados ao arguido um crime de burla qualificada, p.p pelos artigos 217º, nº 1, e 218º, nº 1, do Código Penal, e três crimes de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256º, nº 1 e nº 3, do Código Penal, sendo que uma vez realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença a qual considerou que o arguido praticou os crimes que lhe eram imputados e dos quais vinha acusado, consequentemente condenando-o pela prática, em autoria material e na forma consumada, do crime de burla qualificada, na pena de 1 (um) ano de prisão, e pela prática, em autoria material e na forma consumada, dos crimes de falsificação de documento, cada um numa pena de 1 (um) ano de prisão, e, em cúmulo jurídico de penas…na pena única de 2 (dois) e 6 (seis) meses de prisão, decidindo suspender esta pena única pelo período de 5 (cinco) anos, sujeita à condição de o mesmo proceder ao pagamento à demandante, do montante fixado no pedido de indemnização civil, isto é, a quantia de € 17 863,12.

2 – Não pode, no entanto, o arguido conformar-se com a douta sentença, e isto porque entende o mesmo, salvo o devido respeito, que não resultaram provados quaisquer factos que permitam a condenação do arguido pela prática de tais crimes, pelo que deverá ser proferido acórdão que revogue a sentença que condenou o arguido e o absolva da prática dos mesmos.

3 – É manifesto o erro de julgamento, designadamente, salvo o devido respeito e melhor opinião, entende o arguido que a Mª Juiz a quo fez uma errada interpretação da prova produzida em julgamento e uma errada interpretação e aplicação da lei, mormente do disposto nos artigos 29º, nº 1, 32º, nº 2, 1ª parte, e 205º da CRP; 50º, nº 4, 51º, nºs 1 e 2, 71º, nº 2, alínea d), 72º, nº 2, alínea d), 217º, nº 1, e 256º, nºs 1, als. a), c), e e), e 3, do Código Penal; 47º, nº 2, 97º, nº 4, 127º, 194º, nº 3, 213º, nº 4, 339º, nº 4, 340º, 355º, 368º, nº 2, 374º, nº 2, 375º, n.º 1, 379º, nºs 1, alíneas a) e c), e 2, e 410º, nº 2, alíneas a), b), e c), do Código de Processo Penal.

4 – Nos Factos Provados 7 e 8, o tribunal deu erradamente como provado que o arguido...ou alguêm a seu mando e no seu interesse, apôs no verso das sobreditas letras, a menção «dou o meu aval ao aceitante» e no campo relativo à assinatura, apôs a assinatura do seu pai, e que o arguido entregou à assistente as letras já assinadas. Nenhuma prova sustenta estas asserções.

5 – Designadamente, na audiência de julgamento, a testemunha CLO, funcionária da assistente, quando perguntada pela Mª Juiz sobre se tinha conferido as letras ainda na presença do arguido, respondeu que já não se recordava, sendo que o arguido afirmou que “devolveu (as letras) sem a assinatura e o aval do seu pai”: portanto, o tribunal deveria ter ABSOLVIDO o arguido dos crimes de falsificação de documento, por aplicação do princípio “in dubio pro reo” – tanto mais que o Relatório pericial de fls. 242 a 245 ...concluiu ...não terem sido alcançados resultados conclusivos quanto à autoria pelo arguido –, o que não sucedeu, violando assim o tribunal, mormente o disposto no art. 32º, nº 2, 1ª parte, da CRP.

6 – Na Motivação da matéria de facto da sentença a Mª Juiz a quo refere que foi a assistente que exigiu que as letras fossem avalizadas pelo pai do arguido.. Mas não deu este facto como provado. E assim, motivou a decisão com um facto que, sendo fundamento aparente da não prova de um facto, não só não existe no elenco dos factos provados como contradiz frontalmente os que dele constam (nos Factos Provados 4 e 6 diz-se que foi o arguido quem ofereceu “como garantia de tal pagamento a emissão de letras de câmbio avalizadas pelo seu pai...”). Pelo que existe insanável contradição entre os factos provados e a fundamentação de facto.

7 – Não se vislumbra na atuação do arguido qualquer plano, esquema astucioso, «manha» ou «ardil», mormente não se lobrigam um “especial requinte fraudulento” ou “mentira qualificada” – apenas se constata que o arguido dirigiu-se novamente às instalações da sociedade ofendida, onde entregou em mãos as letras (alegadamente) já assinadas (Facto Provado 8).

8 – Serve tanto para dizer que o arguido deve ser ABSOLVIDO do crime de burla por que foi acusado e vem condenado, por não verificação de um dos pressupostos de punibilidade (“por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou”).

9 – Houve omissão de pronúncia relativamente a documentos apreciados na audiência de 19.02.2020 (resposta dada aos ofícios dirigidos pelo tribunal a quo aos processos executivos n.ºs 930/11.4TBALR e 931/11.2TBALR e autos de penhora acima admitidos pelo Tribunal, juntos pela defesa do arguido), relevantes para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa, os quais não constam da sentença, pelo menos não constam nem dos Factos Provados nem dos Factos Não Provados.

10 – Portanto, o tribunal recorrido não observou o disposto no art. 355º do CPP, donde se conclui que a sentença enferma de nulidade por falta de fundamentação da matéria de facto (arts. 374º, nº2, e 379º, nº 1, alínea a), do CPP), devendo ser substituída por outra que proceda ao exame de todas as provas produzidas e/ou examinadas em audiência, mormente as acima indicadas na Conclusão 9 e também infra transcritas (conforme art. 412º, nº 3, al. b), do CPP).

11 – Tendo decorrido mais de 20 anos sobre a prática dos crimes referidos no Facto Provado 25 e praticamente 10 anos sobre a prática dos crimes destes autos, sem que haja notícia de quaisquer outros, i.e., tendo decorrido muito tempo sobre a prática dos mesmos, mantendo o arguido boa conduta, o tribunal deveria ter ponderado este facto, o que não fez, pelo contrário, valorou a ilicitude do facto criminal do cit. Facto Provado 25 como particularmente desvaliosa. Pelo exposto, vai invocado o erro de julgamento, por errada interpretação e aplicação da lei – mormente cit. art. 72º, nº 1, al. d), do Cód. Penal – e violação do princípio da legalidade (art. 29º, nº 1, da CRP).

12 – Foram veiculados em audiência factos referentes à atual situação do arguido e seus encargos pessoais, que não encontram eco na sentença recorrida e que são relevantes quer para a modificação da pena subsidiária, quer para uma eventual aplicação de pena de multa - cf. art. 47º, nº 2, do CPP. É assim patente a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (art. 410º, nº 2, al. a), do CPP), pois o tribunal a quo, contra o disposto no art. 340º do CPP, omitiu o conhecimento dessas condições pessoais e económicas, essenciais para a boa decisão da causa por relevantes para a determinação da pena e portanto, para a decisão justa.

13 – Entende-se, na esteira de vários acórdãos, que dever-se-á proceder ao reexame desta prova agora indicada pelo recorrente, i.e., o interrogatório do arguido na audiência que decorreu perante o tribunal de primeira instância, como resulta à evidência dos trechos abaixo transcritos da gravação da prova. Com efeito, a decisão ora em crise afigura-se ilegal, uma vez que é transparente que o tribunal recorrido, ao formar a sua convicção, não fez um bom uso do princípio da livre apreciação da prova a que se refere o art. 127º do CPP, desviando-se gravemente do caminho correto para chegar ao veredicto de facto. A pertinente falta de fundamentação e de exame crítico da prova em apreço importa nulidade da sentença, por infracção ao disposto nos artºs 374º, nº 2, e 379º, nº 1, alínea a), do CPP.

14 – Sendo patente a violação das regras e dos princípios de direito probatório, impõe-se a alteração da matéria de facto, uma vez que as provas agora indicadas pelo recorrente, por si só e/ou conjugadas com as demais, impõem uma decisão diversa.

15 – Os factos omitidos resultaram da discussão da causa (art. 368º, nº 2, do CPP) e têm importância para a decisão da mesma, mormente ao nível da moldura penal concreta, como decorre do disposto no art.º 71º, nº 2, alínea d), do C. Penal, maxime, quando o Tribunal se decidiu pela aplicação de uma pena de substituição pecuniária, cfr. art.º 51º, nº 1, do C. Penal.

16 – Em qualquer das variáveis possíveis do rendimento disponível do agregado...

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