Acórdão nº 162/04 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Março de 2004

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução17 de Março de 2004
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 162/2004

Proc. n.º 698/03

  1. Secção

Conselheiro Benjamim Rodrigues

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:

A ? O relatório

1 - A., dizendo-se inconformada com o acórdão, de 4 de Junho de 2003, do Supremo Tribunal Administrativo, que, concedendo provimento ao recurso interposto pela FAZENDA PÚBLICA, revogou a sentença, de 8 de Outubro de 2002, do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa e julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pela ora recorrente contra o acto de liquidação da taxa incidente sobre a comercialização de produtos de saúde, do montante de 2 547 689$00, dele recorre para o Tribunal Constitucional, pretendendo que este aprecie a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 72º da Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril, da norma regulamentar correspondente à Circular n.º 1/2000, do INFARMED e da norma regulamentar correspondente à ?Declaração de Vendas? estabelecida por Despacho do Conselho de Administração do INFARMED, de 28 de Abril de 2000, por violação do disposto nos artigos 103º, n.º 2, e 104º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa.

2 - O acórdão recorrido, seguindo na esteira da decisão de 1ª instância, qualificou o tipo tributário em causa como um imposto ?ou, ao menos, como um tributo que, dada a sua natureza, há-de ter um tratamento constitucional semelhante?. Todavia, divergindo dela, entendeu que a sua incidência se achava definida em ?termos da sua determinabilidade, assegurando aos interessados um suficiente grau de densificação?, como é exigido pelo art. 103º, n.º 2, da Constituição, dado que a definição da incidência real do tributo constante do n.º 3 do art. 72º da referida Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril, «se concretiza no ?volume de vendas? de cada produto e que o seu valor é pago mensalmente com base nas respectivas ?vendas mensais?» e que, sendo «certo que deve ter por referência, ?o preço de venda ao consumidor final? [...] tal aparece apenas de modo subordinado, de um mero ?valor de referência limite?» e que «se se quisesse erigir como factor de incidência real o preço de venda ao consumidor final, a lei não se teria referido ao volume de vendas e às respectivas declarações de venda». Ao invés, a decisão de 1ª instância havia concluído que a base de incidência era o preço de venda ao consumidor final e que este era indeterminável, impossibilitando a liquidação do imposto, tendo as normas regulamentares produzidas pelo INFARMED natureza inovatória. No tocante a estas normas, o acórdão recorrido entendeu que elas ?surgem como mero regulamento executivo e instrumental?, dado que a parte final do n.º 3 do referido art. 72º ?refere-se apenas ao pagamento do tributo, cujos termos e elementos serão definidos pelo Instituto, a entidade credora: nenhum elemento de incidência resta, pois, para o Regulamento?.

3 - Nas suas alegações de recurso, apresentadas no Tribunal Constitucional, a recorrente, retomando a lógica argumentativa desenvolvida desde a petição inicial da impugnação, refuta o juízo de constitucionalidade das normas constitucionalmente impugnadas, concluindo pelo seguinte modo:

A. A denominada ?taxa sobre comercialização de produtos de saúde? corresponde a um verdadeiro imposto, devendo como tal respeitar as exigências do princípio da legalidade em matéria de impostos, decorrentes do artigo 103º, n.º 2, da CRP, designadamente, a respectiva criação, taxa e incidência deverão constar de lei formal.

B. O número 3 do artigo 72º da Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril, que criou a ?taxa sobre comercialização de produtos de saúde?, é materialmente inconstitucional, uma vez que não define a base de incidência objectiva do imposto criado.

C. O conceito geral de preço de venda ao consumidor final dos produtos de saúde, no qual se baseia a incidência objectiva do imposto em causa, não é passível de ser concretizado pelos respectivos sujeitos passivos, no momento de efectuar a autoliquidação do imposto, o que torna a sua base de incidência objectiva indeterminável.

D. A redacção do número 3 do artigo 72º da Lei n.º 3-B/2000 assentou no facto de o legislador, inspirado na taxa de comercialização de medicamentos, ter ?importado? o esquema de funcionamento desta última, sem se aperceber que, ao fazê-lo, estava a criar um imposto cuja base de incidência não é determinável pelos respectivos sujeitos passivos, dado não existir, no que respeita aos produtos de saúde, um regime de preços fixos que permita saber, a priori, o preço de venda ao consumidor final.

E. A expressão ?tendo por referência o preço de venda ao consumidor final? não surge de forma subordinada, como mero limite, no texto do número 3 do artigo 72º da Lei n.º 3-B/2000, mas antes como a própria definição da base de incidência objectiva do imposto, já que o que se afirma é que esta última corresponde à aplicação da taxa estabelecida sobre o volume de vendas dos sujeitos passivos, calculado por referência, não ao preço por estes praticado, mas antes ao preço de venda ao consumidor final.

F. A Circular n.º 1/2000 do INFARMED, bem como o modelo de ?Declaração de Vendas? estabelecido por despacho do Conselho de Administração deste Instituto, são indirectamente ilegais e inconstitucionais, por violação do artigo 72.º, número 3, da Lei n.º 3-B/2000 e do princípio da legalidade em matéria tributária previsto no artigo 103º, número 2, da CRP.

G. Na medida em que o imposto criado pelo artigo 72º da Lei n.º 3-B/2000 implica uma tributação sobre o rendimento de pessoas colectivas, e o número 3 do mesmo artigo sujeita os respectivos sujeitos passivos ao pagamento de um valor calculado por referência a um preço estabelecido e recebido por outras entidades que não aqueles sujeitos passivos, este último preceito é inconstitucional, por violação do imperativo resultante do número 2 do artigo 104º da Constituição da República Portuguesa, que exige que a tributação das empresas incida fundamentalmente sobre o seu rendimento real.

.

4 - Por seu lado, a Fazenda Pública contra-alegou defendendo o julgado, concluindo pelo seguinte modo:

1ª O tributo em questão configura um imposto, sendo que os seus elementos essenciais resultam com suficiente e adequado grau de concreção (sendo, nessa precisa medida, determinados ou, ao menos, determináveis), ou seja, com a densidade ou espessura normativas bastantes, directa e imediatamente da lei;

2ª O mesmo não enferma de qualquer inconstitucionalidade, porque criado pelo órgão originariamente competente;

3ª A circular normativa e o modelo de declaração de vendas elaborados pelo INFARMED dão corpo a uma regulamentação de feição estritamente executiva, não se afastando, em nenhum ponto e qualquer detalhe, da moldura legal, correspondendo, assim, a uma sua concretização absolutamente secundum legem;

4ª O INFARMED não interferiu por qualquer forma no campo de incidência da taxa, que foi exclusivamente definida por lei;

5ª O campo de incidência da taxa é apenas e só o volume de vendas dos produtos por ela abrangidos, por parte dos obrigados ao seu pagamento, para os quais o preço de venda ao consumidor final é o preço a que os mesmos vendem os seus produtos àquele que lhos adquire, seja ele armazenista, distribuidor grossista ou consumidor final;

6ª É que, ao contrário do que a Recorrente, erradamente, entende, se os sujeitos passivos da taxa fossem taxados sempre pelo valor de venda do produto ao consumidor final, estar-se-ia perante uma solução contrária a todo e qualquer dos mais elementares princípios constitucionais e legais de justiça tributária que o INFARMED igualmente tem de observar, visto que, numa tal situação, como os produtos em causa não têm preço fixado por lei, podendo cada agente económico praticar um preço diferente, os sujeitos passivos poderiam ser colocados na situação de pagar uma taxa cujo valor poderia ser bastante superior ao próprio benefício económico decorrente da colocação do produto no mercado, o que contraria tudo o que são princípios de justiça fiscal;

7ª Ao criar por lei da Assembleia da República a presente taxa, o Estado português não violou, de forma alguma, qualquer das suas obrigações, enquanto Estado membro da Comunidade Europeia, isto é, não criou qualquer disposição interna que contrariasse o disposto na legislação legitimamente emanada dos órgãos comunitários competentes;

8ª Acresce que a interpretação e aplicação efectuada pelo INFARMED no que respeita à liquidação da referida taxa está correcta e tem fundamento legal, expressamente reconhecido e reiterado pelo legislador no artigo 58º da Lei nº 30-C/2000, de 29 de Dezembro, no artigo 55º da Lei nº 109-B/2001, de 27 de Dezembro, e nos artigos 1º, nº 3, e 3º, nº 2, do Decreto-Lei nº 312/2002, de...

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