Acórdão nº 148/04 de Tribunal Constitucional (Port, 10 de Março de 2004

Data10 Março 2004
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 148/2004

Proc. nº 88/2000

Plenário

Rel.: Consª Maria Fernanda Palma (Cons. Mota Pinto)

Acordam em Plenário no Tribunal Constitucional

I

Relatório

  1. A. intentou, tc "1. 1ª instância"em 22 de Novembro de 1991, no tribunal cível de Lisboa, acção de condenação com processo ordinário contra o Estado Português, pedindo o pagamento de uma indemnização no valor de 1.098.051.400$00, com fundamento no facto de ter sido titular de acções representativas do capital social de várias empresas que vieram a ser nacionalizadas em 1975. Posteriormente ao acto de nacionalização, foram publicados diplomas legais respeitantes à matéria das indemnizações aos titulares das empresas nacionalizadas ? o Decreto-Lei n.º 528/76, de 7 de Julho, e a Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro. O artigo 14º da mencionada Lei atribui ao Ministro das Finanças ?o poder de fixar o valor das acções ou partes de capital das empresas nacionalizadas?, permitindo o artigo 16º o ?recurso a comissões arbitrais para a solução de quaisquer litígios relativamente à titularidade do direito à indemnização e à sua fixação, liquidação e efectivação, «sem prejuízo do recurso para outras instâncias competentes»?. Alegou, assim, o demandante, que:

    (?)

  2. Os art.ºs 14º, 15º e 16º da Lei das Indemnizações [Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro] são inconstitucionais, na parte em que atribuem ao Governo o poder de fixar os valores devidos aos titulares de direitos afectados pelas nacionalizações. (...)

  3. A razão fundamental que afecta a constitucionalidade daqueles preceitos assenta no princípio constitucional da divisão de poderes: compete em exclusivo aos Tribunais a fixação de indemnizações devidas por expropriações ou nacionalizações. Como escreveu Marcelo Rebelo de Sousa, ?desde há anos ? e na vigência ainda da legislação constitucional anterior à Constituição da República Portuguesa de 1976 ? que a jurisprudência constante do Supremo Tribunal Administrativo vinha considerando inconstitucional a atribuição pela lei ordinária a órgãos da Administração Pública, da faculdade de livremente fixarem unilateralmente a indemnização por actos de expropriação.?

    (...)

  4. Perante a inconstitucionalidade manifesta daqueles preceitos que atribuem ao Governo o poder de fixar os valores indemnizatórios pelas nacionalizações, fica aberto aos lesados o caminho do recurso aos Tribunais comuns, estes, sim, competentes para o efeito. A este propósito, Marcelo Rebelo de Sousa escreveu, no citado estudo, o seguinte:

    Paralelamente à via das comissões arbitrais, uma outra se acha inquestionavelmente aberta aos particulares: a via dos tribunais judiciais ou comuns.

    O art.º 16º admite-o claramente no seu n.º 1 e, em qualquer caso resultaria da natureza da matéria envolvida.

    Como antes tivemos ocasião de sublinhar a propósito de outra faceta do tema analisado, o n.º 1 do art.º 16º, ao utilizar a expressão «sem prejuízo do recurso para outras instâncias competentes» está a referir-se ao que o Acórdão n.º 39/88 do Tribunal Constitucional qualifica de «direito de recorrer aos tribunais para a resolução das questões atinentes ao direito de indemnização».

    Trata-se de uma via paralela à das comissões arbitrais e para cuja cabal compreensão importa relembrar o tipo de litígios que pode justificar que a ela se recorra (...).

  5. Também o Prof. Oliveira Ascensão sustenta que o direito fundamental de indemnização pode ser exercido directamente perante os Tribunais que fixarão a indemnização nos termos gerais, mediante o processo normal de avaliação dos bens nacionalizados, segundo as regras estabelecidas no Código de Processo Civil (Expropriações e Nacionalizações, Imprensa Nacional ? Casa da Moeda).

  6. Assim, o A. vem recorrer aos Tribunais comuns para obter a satisfação do seu direito a uma ?indemnização justa? pela nacionalização das empresas citadas, de que era accionista.

  7. Fá-lo, aliás, com grande confiança na independência dos Tribunais e na perspectiva de que Portugal constitui, na realidade e não apenas in nomine, um verdadeiro Estado-de-Direito.

  8. Ora, um Estado-de-Direito não pode tolerar que se transfiram para o Estado bens pertencentes a particulares, sem a compensação de uma ?justa indemnização?, que o mesmo é dizer sem o pagamento do valor dos bens nacionalizados ou expropriados.

  9. À excepção dos regimes comunistas que agora acabaram por soçobrar, deixando em escombros a economia dos países a eles submetidos, não se conhece um único caso na Europa em que as nacionalizações não tivessem sido compensadas por indemnizações consideradas satisfatórias.

    (...)

  10. Em Portugal, seria intolerável que as nacionalizações selvagens de 1975 pudessem ser seguidas da reprivatização das respectivas empresas, sem que aos accionistas espoliados fosse reconhecido o direito a uma justa indemnização.

  11. Mais grave ainda seria admitir que ao Governo fosse permitido fixar unilateralmente as indemnizações, sem que os expropriados tivessem o direito de recorrer aos Tribunais, único órgão de soberania com competência para dirimir os conflitos entre o Estado e os cidadãos.

  12. O A. vem, pois, pedir ao Tribunal a tutela do seu direito a uma justa indemnização, já que o Governo se vem recusando a reconhecer esse direito, em termos minimamente aceitáveis.

    (...)

  13. As pseudo-indemnizações atribuídas ao A. ofendem manifestamente o princípio constitucional da ?justa indemnização?, visto que são irrisórias, se tomarmos em consideração o valor efectivo das participações, os prazos de pagamento estipulados e as taxas de juro fixadas em compensação do diferimento no pagamento das ?indemnizações?.

  14. Com efeito, os valores indemnizatórios atribuídos pelo Governo são muito inferiores aos valores patrimoniais das participações sociais objecto da nacionalização.

  15. As taxas de compensação pelo diferimento do pagamento das indemnizações (taxa média de 3,6%) são muitíssimo inferiores às taxas correntes do mercado e até às taxas de inflação verificadas;

  16. Finalmente, os títulos foram entregues ao A. muito posteriormente aos próprios prazos previstos legalmente.

  17. Como já se disse e adiante melhor se demonstrará, ao valor fixado para as participações sociais nacionalizadas não corresponde uma indemnização equivalente. E isto porque os períodos muito longos de amortização e as taxas de juro muito baixas, acabaram por degradar o valor nominal atribuído aos bens nacionalizados.

    (...)

  18. Os critérios que conduziram aos resultados apontados ofendem manifestamente o princípio da «justa indemnização» consagrado no art.º 62º n.º 2 da Constituição, o qual se aplica à Lei n.º 80/77 e à restante legislação reguladora da fixação das indemnizações por nacionalizações (cfr. Oliveira Ascensão, obra cit., pág. 241). Como diz o Prof. Oliveira Ascensão ?a referência à indemnização, com a sua função de garantia, tem de receber necessariamente um entendimento material. Indemnização não é qualquer vantagem que se atribua ao titular sacrificado, qualquer «agrado» que a lei lhe decida outorgar. Para realizar a sua função, toda a indemnização garantida por lei tem de ser efectiva e não simbólica. Toda a indemnização tem de compensar o valor substancial que foi subtraído ao particular. A indemnização é justa desde que satisfaça esta função de compensação.

  19. Também Freitas do Amaral e Robin de Andrade sustentam, além do mais, que:

    1. «os critérios de determinação do valor definitivo da indemnização, estão formulados pela lei em termos que lesam gravemente o princípio da justa indemnização constitucionalmente acolhido»;

    2. «os termos de pagamento das indemnizações definidas pela Lei n.º 80/77 violam o princípio da justa indemnização... porque o valor actualizado dos títulos de dívida entregues é muito inferior ao seu valor nominal, quer no próprio momento em que foram entregues, quer na data da publicação da Lei n.º 80/77».

  20. O próprio Tribunal Constitucional, ao apreciar alguns preceitos da Lei n.º 80/77, doutrinou no sentido de que os critérios para fixação das indemnizações devem respeitar ?o princípio de justiça que vai implicado na ideia de Estado de Direito?. E continuou:

    ora, isso exige que esses critérios não sejam susceptíveis de conduzir ao pagamento de indemnizações irrisórias ou manifestamente desproporcionadas à perda dos bens nacionalizados, nem a pagamentos tão diferidos no tempo que equivalham a indemnizações irrisórias ou absolutamente desproporcionadas. E questão é ainda que as distinções que se estabeleceram não sejam manifestamente arbitrárias ou carecidas de todo o fundamento material. Respeitados os parâmetros que se apontaram (ou seja: respeitados princípios que são essenciais num Estado de Direito, como são o da igualdade e o da proporcionalidade, como exigências que são do princípio de justiça), o legislador goza de certa liberdade na definição dos aludidos critérios. [Acórdão n.º 39/88, de 9 de Fevereiro]

  21. Aceitando a tese do Tribunal Constitucional, é evidente que os critérios que levaram à fixação das indemnizações, em valores que não atingem, em geral, os 5% da compensação devida aos titulares de participações nacionalizadas, têm necessariamente de julgar-se como contrários ao ?princípio de justiça?, visto que conduziram à fixação de indemnizações ?irrisórias?, ou manifestamente desproporcionadas à perda dos bens nacionalizados.

  22. Não podem, pois, deixar de considerar-se inconstitucionais os preceitos que estabelecem os critérios responsáveis pelos resultados apontados.?

    Notificado para contestar, o Estado português veio defender a sua absolvição da instância, invocando a excepção da incompetência absoluta em razão da matéria, nos seguintes termos:

    dispõe o art. 51º n.º1 al. h) do ETAF (DL n.º 129/84, de 27-4) que os tribunais administrativos de círculo são os competentes para conhecer das acções sobre responsabilidade civil do Estado por danos decorrentes de actos de gestão pública (...) donde resulta, à evidência, que o tribunal cível é materialmente incompetente para conhecer desta demanda.

    Em 21 de Dezembro de 1992, foi...

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