Acórdão nº 05A2890 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 15 de Março de 2005 (caso None)

Magistrado ResponsávelPONCE DE LEÃO
Data da Resolução15 de Março de 2005
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça "A", sua mulher B e Outros, intentaram acção ordinária contra o Estado Português, pedindo: a) A título principal: a condenação do réu a pagar aos autores, por acto ilícito inconstitucional legislativo, a indemnização que vier a ser liquidada em execução de sentença, por danos materiais resultantes da privação do direito de propriedade; do valor da dívida paga à banca pelos autores após a nacionalização do prédio; da alienação indevida de produtos e bens da herdade; da não restituição de gado, alfaias e máquinas que aos autores pertenciam; da perda da herdade pela sua alienação forçada; e ainda pelos danos morais, tendo em conta sempre a actualização do valor da indemnização na data do pagamento; b) A título subsidiário: se for considerada lícita a actuação do Estado, a condenação deste a pagar a indemnização correspondente ao valor dos danos referidos, de acordo com os critérios legais, mas sempre com a devida correcção monetária, de harmonia com o princípio da justiça comutativa (artigo 562º do Código Civil).

Para tanto, alegaram, em síntese, que: · Pelo Decreto-Lei nº 407-A/75, de 30 de Julho, o Réu nacionalizou todos os prédios rústicos situados em certas regiões, incluindo os do Vale do Sado, por os considerar beneficiados, no todo ou em parte, por aproveitamentos hidroagrícolas e, como tal, por entender que se tratavam de áreas que se haviam transformado em regadio por via de investimentos públicos. Nessas áreas estava incluída a Herdade de São Bento, prédio misto, rústico e urbano, com a área de 2.405,6 hectares, que pertencia aos Autores. Por isso, a referida herdade foi nacionalizada e transferida para a posse do Estado, por força da lei.

· Em 8 de Abril de 1989, por despacho do Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação, o Estado reconheceu que afinal a herdade de São Bento não devia estar abrangida nas medidas de nacionalização do DL n° 407-A/75, visto que as obras hidrográficas ou de regadio que haviam beneficiado aquelas terras não provinham de investimentos públicos, mas eram de natureza privada e, em 24 de Abril de 1989, na sequência desse despacho, foi lavrado o auto de devolução da herdade.

· Os autores classificam este acto de nacionalização como um acto ilícito legislativo do qual resultaram para os proprietários da herdade elevados prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais.

Por assim ser, responsabilizam o Estado pelos danos resultantes do exercício da função legislativa.

Devidamente citado, veio o Estado deduzir contestação.

Por excepção, invoca a incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria e ainda a excepção peremptória da prescrição do invocado direito de indemnização; Por impugnação, nega que a nacionalização da herdade de São Bento tenha constituído um acto ilícito, antes o considerando um acto lícito e inteiramente válido porque conforme ao ordenamento constitucional vigente em 1975.

Para tanto, alega: Pretende-se nesta acção apurar a indemnização devida aos Autores, pelo sacrifício patrimonial que lhes foi imposto com a nacionalização da herdade de São Bento.

Ora, se o Tribunal comum fosse competente para fixar tal indemnização, teria de socorrer-se dos critérios especiais constantes da Lei nº 80/77 e Decreto-Lei nº 199/88, quer no tocante ao quantum indemnizatório, quer no que respeita à modalidade e prazos de pagamento, não podendo, como pretendem os Autores, aplicar as regras gerais em matéria de responsabilidade civil.

Termina pedindo que o Estado seja absolvido de ambos os pedidos, ou, subsidiariamente, deveria atribuir-se aos Autores uma indemnização correspondente apenas à perda do capital de exploração ainda não devolvido pelo Estado e à privação temporária do uso e fruição da herdade, a calcular de harmonia com as regras da Lei nº 80/77 e Decreto-Lei nº 199/88.

Foi apresentada réplica, onde os autores pugnam pela manutenção do pedido formulado na petição inicial.

Por decisões transitadas em julgado, mostra-se já assente que o tribunal é materialmente competente e foi julgada improcedente a excepção da prescrição do direito dos autores, nos termos decididos pelo acórdão deste STJ de 22 de Abril de 1999, proferido a fls. 659 e segs. dos autos.

Foi proferido despacho saneador, objecto de reclamação parcialmente atendida.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância do formalismo legal, conforme resulta da respectiva acta, findo o que foi proferida decisão sobre a matéria de facto controvertida.

Foram dados como provados os factos seguintes: 1. Pelo Decreto Lei nº 407-A/75, de 30 de Julho, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido, o R. nacionalizou todos os prédios rústicos situados em certas regiões, incluindo os do Vale do Sado, por os considerar beneficiados, no todo ou em parte, por aproveitamentos hidroagrícolas - artº 1º do citado diploma.

  1. Nessas áreas estava incluída a herdade de São Bento, prédio misto (rústico e urbano) correspondente ao artigo nº 1 - Secção EE a EE3 da matriz da freguesia de Torrão, Concelho de Alcácer do Sal, com a área de 2.405,6 hectares.

  2. A herdade de São Bento foi nacionalizada e transferida para a posse do Estado por força da Lei (citado diploma).

  3. Com ela passaram para a posse do Estado todo o gado, alfaias e máquinas agrícolas, produtos armazenados e pendentes, que naquela data existiam e faziam parte integrante da herdade.

  4. Os 1ºs. 2º, 3ºs, 4ºs, 5º (então ainda no estado de casado e em comunhão com sua mulher C, entretanto falecida), a 6ª (então ainda no estado de casada e em comunhão com seu marido D, entretanto falecido) e os 21ºs Autores, então casados, eram naquela data - 30 de Julho de 1975 - juntamente com E, F, G e H (entretanto falecidos) os únicos possuidores e titulares de todos os direitos sobre a referida herdade, em compropriedade e nas seguintes proporções: a) Aos 1ºs AA. - pertenciam 85/1400 avos; b) À 2ª Autora - 145/1400 avos; c) Aos 3ºs. AA. - 138/1400 avos; d) Aos 4ºs. AA. - 58/1400 avos; e) Ao casal do 5º Autor - 58/1400 avos; f) Ao casal da 6ª Autora - 58/1400 avos; g) Aos 21ºs Autores, então casados - 138/1400 avos.

  5. Estes Autores eram então titulares do direito de propriedade em comum correspondente a 680/1400 avos, ou seja, de cerca de metade do prédio identificado supra.

  6. Por sua vez, E, F, G e H, por serem, juntamente com os Autores atrás identificados, os únicos e universais herdeiros de K, de quem haviam adquirido os direitos sobre a herdade, eram, na data da nacionalização, comproprietários de 290/1400, 290/1400, 80/1400 e 60/1400 avos, ou seja dos restantes 720/1400 avos do dito prédio.

  7. O Réu reconheceu sempre, tanto na data da nacionalização, como desde então até ao presente, os direitos dos herdeiros de K, identificados atrás, bem como, a partir de 1989, os direitos dos sucessores dos comproprietários falecidos após a nacionalização de 30.7.1975, também aqui Autores.

  8. Em 10.12.75 faleceu F, que deixou sua irmã E como única herdeira.

  9. Em 22.1.1976 faleceu E que era titular à data da sua morte de 580/1400 avos da herdade de São Bento e deixou como herdeiros legítimos, além dos Autores referidos em 1ºs, 2º, 3ºs, 6º, 7ºs, e 21ºs., (então casados) ainda, com interesse para esta acção, C (casada então com o 5º A. e entretanto falecida), I (que é casada com o 4º A.), J (a quem por sua morte sucederam em 25 de Novembro de 1985 os 22ºs. e os 23ºs. Autores) e M.

  10. Por via da sucessão referida no artigo anterior, em Janeiro de 1976, abstraindo da nacionalização, os 1ºs AA. passaram a ser titulares de 157,5/1400 avos da herdade de São Bento, a 2ª A. de 217,5/1400, os 3ºs AA. de 167/1400, os 4ºs AA. de 87/1400, o casal do 5º A. de 87/1400, o casal da 6ª A. de 87/1400 e os 21ºs AA. (então casados) de 167/1400, o que representa 970/1400, tendo o 7º A. adquirido então cerca de 48/1400 e J (pai do 22º A. marido e do 23º A.) também 145/1400 do referido prédio.

  11. Em Março de 1976 o Estado notificou os herdeiros de K para o exercício do direito de reserva no prazo de 20 dias e nos termos da lei (Decreto-Lei nº 407-A/75).

  12. Por terem demonstrado que exploravam directamente a terra e dela retiravam os meios de subsistência e os das suas famílias, requereram reservas: H, K (6ª A.), L (2ª A), A (1º A), M, N (7ºA.), J, C (cônjuge do 5ºA), O (21ºA ), além de I P (cônjuge do 4º A) e Q (3ºA.).

  13. Na sequência dos pedidos de reservas dos ex-titulares do prédio nacionalizado, o Estado - ora Réu -, através da Direcção Regional de Agricultura do Alentejo, decorridos mais de dois anos e meio, em 2 de Novembro de 1978, atribuiu aos requerentes as seguintes áreas de reserva na herdade de São Bento: I) uma área de 238,3319 hectares, em conjunto, a K, L, A, O, N, C, H, J e M; II) uma área de 279,06310 hectares a I P; III) uma área de 233,4750 hectares a Q.

  14. Estas áreas de reserva foram acrescidas em Maio de 1980, respectivamente: - à reserva I) - de 82,9034 hectares; - à reserva II) - de 98,8600 hectares; - à reserva III) - de 68,0290 hectares.

  15. O conjunto dos nove reservatórios da reserva I), embora tivesse no prédio direitos correspondentes a cerca de 2060 hectares (6/7 da herdade), ficou a explorar 321 hectares.

  16. Dos nove reservatórios da reserva I), os 1ºs 2º e 21ºs Autores, só por si, eram titulares de direitos correspondentes a áreas respectivamente de cerca de 267 hectares (1/9 da herdade), 370 ha. (1/6,5 ) e 3 00 hectares (1 /8); 18. Os contitulares da reserva I) - H, J, M, K (aqui 6ª Autora) e N (aqui 7ºAutor) eram titulares no prédio de direitos correspondentes a áreas de cerca de 104, 253, 82, 150 e 82 hectares.

  17. A reserva II) com cerca de 380 hectares foi atribuída a uma comproprietária com direitos correspondentes a cerca de 150 hectares.

  18. Com as reservas foram entregues alfaias, máquinas e cabeças de gado manifestamente insuficientes para viabilizar a exploração.

  19. O Réu Estado conservou na sua posse e exploração a maior área e aquela que implicava menores custos de exploração, isto é, 1.405 hectares, mantendo essa posse e...

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