Acórdão nº 88/04 de Tribunal Constitucional (Port, 10 de Fevereiro de 2004

Magistrado ResponsávelCons. Gil Galvão
Data da Resolução10 de Fevereiro de 2004
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 88/04 Proc. n.º 411/03 3ª Secção Relator: Cons. Gil Galvão

Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:

I ? Relatório.

  1. A., ora recorrente, intentou contra a Caixa Geral de Aposentações, ora recorrida, acção declarativa com processo ordinário, no âmbito da qual pedia, designadamente, que fosse declarado que a Autora ?é herdeira hábil do falecido[...] para efeito de atribuição de pensão de sobrevivência, nos termos do artigo 2020º do CC e do artigo 41º n.º 2 do Estatuto das pensões de Sobrevivência [...].? Por decisão da 11ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, de 8 de Outubro de 2001, foi a acção julgada improcedente, uma vez que o tribunal entendeu que, sendo a acção proposta contra a Caixa Geral de Aposentações, a Autora tem de provar, além do direito a alimentos, nos termos do artigo 2020º do CC, a inexistência ou insuficiência dos bens da herança do falecido para satisfação do referido direito, pelo que, ?[...]pese embora a prova do direito a alimentos, não logrou a Autora provar, por um lado a incapacidade financeira das pessoas referidas na al. d) do art.º 2009º do CC, por outro a insuficiência ou inexistência dos bens da herança do falecido subscritor da Ré para satisfação do direito a alimentos[...]?.

  2. Inconformada com esta decisão a ora recorrente apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa. Este negou provimento ao recurso, não só por entender que, recaindo sobre a candidata a pensionista o ónus da prova da impossibilidade de obter alimentos dos obrigados mencionados nas alíneas a) a d) do artigo 2009º do Código Civil, esta não fez prova de tal impossibilidade, mas também porque, ?ainda que assim não fosse, a acção teria de naufragar pelo outro fundamento considerado na sentença ? o da omissão da alegação e prova da inexistência ou insuficiência dos bens da herança para atribuição da pensão de alimentos. Existindo património bastante, ao invés do que sucede nas relações matrimoniais legalmente constituídas, não haverá ?de jure constituto?, lugar à atribuição da pensão de sobrevivência.?

  3. Novamente inconformada, recorreu então para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo formulado, nomeadamente, as seguintes conclusões:

    ?1. Mercê do estatuído no Art° 718° do Cod. Proc. Civil, na medida em que manda aplicar o fixado no Artº 668° do mesmo Diploma, aos acórdãos proferidos na Segunda Instância, em recurso de apelação, ficarão estes afectados do vício da nulidade, sempre que se não pronunciem sobre questão posta e, assim, a apreciar;

  4. Deste modo, encontra-se ferido de nulidade o douto acórdão recorrido, por não ter conhecido de questão posta pela Autora, também na sua alegação de recurso, quando tal devia ter sido feito;

  5. Na verdade, invocou a Autora que a pensão de sobrevivência, a cargo da Ré e em benefício da Autora, na situação de união de facto existente com o seu falecido companheiro, filia-se no aforro que foi efectuado, por este, ao longo de toda a vida, do desempenho de funcionário público e, através dos descontos mensais e respectivos depósitos a favor da Caixa Nacional de Aposentações;

  6. Ora, segundo também alegou, esta pensão nada tem a ver com a de alimentos, baseada nas relações para-familiares nem na fundamentada nas, relações familiares, ambos previstas nos Arts. 2020° e 2009° do Cod. Civil;

  7. Efectivamente, estas e aquelas são diferentes, autónomas e independentes e, mais, cumuláveis;

  8. Daí, como no douto acórdão não se teve em conta esta questão levantada, verifica-se a sua nulidade;

  9. Mas, mesmo que se venha a entender inexistir esta nulidade, sempre a presente acção devia ser julgada procedente;

  10. Assim, tem direito à pensão de sobrevivência, a pagar pela C.G.A. a Autora companheira, como sua herdeira hábil, de companheiro falecido, que exerceu a sua actividade como funcionário público, durante toda a sua vida;

  11. E, tal, por preencher as condições previstas no Art. 2020º do Cód. Civil, que consistem na vida em comum, como marido e mulher, durante pelo menos dois anos, uma vez que o falecido era viúvo, de longa data, não sendo, portanto casado;

  12. Este direito à pensão de sobrevivência, provenientes de autêntica União de Facto alicerça-se no aforro que foi realizado pelo falecido companheiro, ao longo de toda a sua vida de desempenho das funções de serviço público, através dos descontos, por mês, que, à ordem de respectiva Instituição da Caixa Geral de Aposentações, foram sendo depositadas;

  13. O direito aos alimentos da companheira sobrevivente, no tocante à herança, baseia-se nas relações parafamiliares da União de Facto a onerar os bens daquela;

  14. O direito a alimentos dos próprios familiares da companheira sobrevivente filia-se nas relações familiares que os unem;

  15. O direito à pensão de sobrevivência é, por isso, completamente autónomo e independente do direito a alimentos à custa da herança do companheiro falecido, bem como do direito a alimentos dos próprios herdeiros da companheira sobreviva;

  16. São todos estes direitos complementares entre si;

  17. Não possui a Autora bens alguns nem rendimentos para satisfazer as suas necessidades, por mais primárias e fundamentais que sejam;

  18. Para obter a pensão de sobrevivência é irrelevante haver bens na herança, suficientes ou não, do falecido companheiro;

  19. Sem interesse algum também o é a obtenção dos alimentos à custa dos próprios familiares que, no caso dos autos, os irmãos, dado a Autora não ter pais e ser solteira, e os recursos daqueles serem precaríssimos e só permitirem a satisfação das necessidades elementares deles;

  20. Sendo, assim, como o é, segundo o próprio disposto nas leis atrás citadas, podia a Autora socorrer-se de uma acção para pedir os alimentos à herança do falecido ou lançar mão de uma acção para obter a pensão de sobrevivência, dirigida contra a respectiva Instituição, ou intentar uma única acção contra a herança e a Instituição com vista a obter os alimentos e a pensão de sobrevivência, tudo a correr pelo Tribunal Civil;

  21. Ao ser decidido, como foi, pela confirmação da sentença e pela improcedência da presente acção, operou-se não acatamento dos comandos legais aludidos, nomeadamente, os Arts. 40°, n.º 1 e 41°, n.º [2] do Dec. ? Lei 142/73 de 31 de Março, na redacção do Dec.-Lei 191-B/79 de 25 de Junho e os Arts. 2020 e 2009° do Cód. Civil;

  22. Deve, uma vez que é o desfecho correcto e admissível, ser dada a acção provada e procedente, deferindo-se todos os pedidos deduzidos pela Autora;

  23. Mas, mesmo que se pense de forma diversa, sempre esta acção tem de ser considerada provada e procedente, com a também procedência de todos os pedidos formulados na petição inicial;

  24. E, isto por, quando os Arts. 40° e 41º do Estatuto das Pensões de Sobrevivência no Funcionalismo Público se reportam aos Arts. 2020 e 2009º, apenas destes deve extrair-se o requisito de que depende a união de facto;

  25. Na verdade, quanto ao demais, ou seja, a obtenção da qualidade de hábil, para a atribuição do direito da pensão ao companheiro sobrevivo, não ter relevância alguma a possibilidade de obtenção de alimentos da herança do companheiro sobrevivo, ou dos próprios herdeiros, uma vez que estas condicionantes sempre representariam exigências inconstitucionais, por ferirem o estatuído nos Arts. 13º e 36º da Constituição da República Portuguesa que consagra o direito de igualdade e tratamento não díspar dos casados e dos unidos de facto e convivência como se de casados se tratasse.

  26. Donde resultar dessa inconstitucionalidade a procedência da acção aludida. [...]?.

  27. O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 3 de Abril de 2003, julgou improcedentes, no essencial, as conclusões do recurso, negando a revista. Escudou-se para tanto na seguinte fundamentação:

    ?[...] Como decorre do regime das pensões de sobrevivência (arts. 26° e sgts. do DL 142/73 com as alterações introduzidas pelo DL 191-B/79), de 25/06), o direito à pensão de sobrevivência de quem estiver numa situação de facto nos termos do art. 2020° do CC, depende da obtenção prévia de sentença judicial que lhe fixe o direito a alimentos.

    Por sua vez tal direito a alimentos, nos termos da parte final desta norma, depende da circunstância negativa de o requerente os não poder obter dos respectivos parentes ou cônjuges nos termos das als. a) a d) do art. 2009° do CC.

    Perante a matéria de facto provada, cujo elenco tal como o descreve a Relação aqui se dá por reproduzido, concluíram as instâncias pela improcedência da acção com o fundamento da ausência de prova quanto à falada impossibilidade de os alimentos serem obtidos ao abrigo do referido art. 2009°.

    No acórdão recorrido considerou-se ainda que sempre a acção teria que naufragar por omissão de alegação e prova da inexistência ou insuficiência dos bens da herança do contribuinte da R para a atribuição da pensão de alimentos.

    Concorda-se em parte com a recorrente quando alega a independência e autonomia do direito à pensão de sobrevivência relativamente ao direito a alimentos à custa da herança do companheiro falecido já que, aquele, dependendo embora de lhe ser reconhecido o direito a alimentos pela herança, não depende de esta ter ou não ter bens suficientes.

    Mas dúvidas não há de que o direito à pensão depende, absolutamente, da prova em juízo da existência dos pressupostos que lhe permitiriam reclamar alimentos independentemente de os bens da herança serem ou não suficientes para tal.

    Porém, quanto às pessoas que possam invocar situações de facto análogas às dos cônjuges, reafirma-se que a invocação do direito à pensão de sobrevivência, depende da prova do direito aos alimentos o qual terá de ser invocado e reclamado na herança do companheiro falecido com o prévio reconhecimento da impossibilidade da sua obtenção nos termos das als. a) a d) do art. 2009° do CC.

    Não pode deixar de concordar-se com o decidido nas instâncias pois não foi feita a prova desta impossibilidade, mas sempre se dirá que o reconhecimento do direito a alimentos nos termos do art. 2020° teria que ser obtido em acção em que tivesse sido...

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