Acórdão nº 602/05 de Tribunal Constitucional (Port, 02 de Novembro de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Bravo Serra
Data da Resolução02 de Novembro de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 602/2005

Processo n.º 514/2005

  1. Secção

    Relator: Conselheiro Bravo Serra

    1. A 1ª Direcção de Finanças de Lisboa da Direcção-Geral dos Impostos solicitou, em 19 de Março de 2002, pelo 1º Juízo Cível de Lisboa e ao abrigo dos números 2 e 5 do artº 63º da Lei Geral Tributária aprovada pelo Decreto-Lei nº 398/98, de 17 de Dezembro, e do nº 3 do artº 34º do Decreto-Lei nº 262/78, de 28 de Novembro, autorização judicial para derrogação do sigilo bancário relativamente a A., e B., relativamente aos quais se encontravam a decorrer acções de fiscalização.

    Tendo-se, por decisão de 8 de Abril de 2002, declarado incompetente aquele Juízo, agravou o Representante do Ministério Público para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 23 de Janeiro de 2003, concedeu provimento ao recurso.

    Desse aresto agravaram os requeridos para o Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão de 3 de Julho de 2003, negou provimento aos agravos.

    Do acórdão de 3 de Julho de 2003 arguiram a respectiva nulidade a A., pretensão que foi indeferida por acórdão de 13 de Novembro de 2003.

    Remetidos os autos à 1ª instância, foi, em 27 de Janeiro de 2004, proferida sentença que, em suprimento do consentimento dos requeridos, autorizou o acesso e obtenção de elementos referentes às contas bancárias de que eram titulares.

    Dessa sentença apelaram os requeridos para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 2 de Novembro de 2004, negou provimento à apelação.

    De tal aresto pediram revista os requeridos.

    Na alegação adrede produzida, o requerido B. formulou, por entre outras, a seguinte «conclusão»:-

    “1ª O art. 63º/5 da LGT, ao abrigo do qual foi proferida a decisão recorrida, integral uma norma claramente inconstitucional (v. arts. 26º, 103º/2, 112º e 168/1/i) da CRP), sendo manifestamente inaplicável in casu (v. art. 204º da CRP) - cfr. texto n.ºs 1 a 3;

    ( ... )”.

    O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 3 de Maio de 2005, negou a revista.

    Pode ler-se nesse aresto, para o que ora releva:-

    “( ... )

  2. Questão

    Inconstitucionalidade do Art 63º nº 5 da L.G.T.

    *

    Na sua revista alega o requerido B. que o Art 63º nº 5 da L.G.T., ao abrigo da qual autorizou a requerente a consultar as suas contas bancárias (e as dos restantes requeridos), suprindo a sua autorização (que foi negada), sofre de inconstitucionalidade orgânica, porquanto terá desrespeitado a autorização legislativa da Assembleia da República concedida pelo Art 1º da Lei 41/98 de 14 de Agosto, com base na qual foi elaborado pelo Governo o D.L. 398/98 de 17/12, no qual se integra.

    *

    Vejamos melhor

    *

    Nos termos do citado Art 63, os órgãos da inspecção tributária podem desenvolver todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária do contribuinte. Porém, o acesso à informação protegida pelo sigilo profissional, bancário ou qualquer outro legalmente regulado, depende de autorização judicial, nos termos da legislação aplicável ... sendo certo que, estando em causa a consulta de elementos abrangidos pelos ditos segredos é legítima a falta de cooperação na realização da diligência que se mostra necessária à inspecção.

    Mas, como se refere no nº 5, em caso de oposição do contribuinte com fundamento no segredo bancário, a diligência só poderá ser realizada mediante autorização concedida pelo tribunal da comarca competente, com base em pedido fundamentado da administração tributária.

    Mas será tal preceito (Art 63 nº 5) inconstitucional organicamente, como quer o requerido?

    É verdade que a matéria de sigilo bancário e seu levantamento se relaciona directamente com as garantias dos contribuintes e, por isso mesmo, se integra na reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República, como resulta do disposto nos Arts 103º nº 2 e 165 nº 1 i) da C. R. P.

    Certo é, porém, que a Assembleia da República, nestes casos (de reserva relativa de competência) pode autorizar o Governo a legislar sobre essa matéria através de lei de autorização legislativa, que deve definir o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização (Art 165 nº 1 e 2 da C.R.P.).

    Ora, foi exactamente isso que fez a A. da República no caso concreto através da lei de autorização legislativa nº 41/98 de 4 de Agosto.

    Nos termos do Art 1º dessa lei, determina-se:

    nº 1 ‘Fica o Governo autorizado a publicar uma lei geral tributária donde constem os grandes princípios substantivos que regem o direito fiscal português e a articulação dos poderes da Administração e das garantias dos contribuinte’

    nº 2 ‘A lei geral tributária visará aprofundar as normas constitucionais tributárias e com relevância em direito tributário, nomeadamente no que se refere à relação tributária, ao procedimento e ao processo, com reforço das garantias dos contribuintes, da participação destes no procedimento, da igualdade das partes no processo e da luta contra a evasão fiscal, definindo os princípios fundamentais em sede de crimes e de contra-ordenações tributárias’

    E o Art 2º (onde se estabelece o sentido e a extensão da autorização) refere no seu nº 22:

    ‘Para a prossecução dos fins indicados nos artigos anteriores, o Governo fica autorizado a consagrar expressamente e a aprofundar em sede de procedimento, os princípios de prossecução do interesse público e da protecção do direitos e interesses dos cidadãos, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade, da decisão e do inquisitório, da colaboração da boa fé e da tutela da confiança, da eficácia dos actos, da audiência dos cidadãos, do dever de fundamentação, da confidencialidade, da iniciativa da Administração e da cooperação dos particulares’

    *

    Ora, na nossa opinião, o objectivos de luta contra a evasão fiscal e a prossecução do interesse público, o desenvolvimento dos princípios da igualdade, da imparcialidade, da eficácia dos actos, da iniciativa da Administração e da cooperação dos contribuintes implica necessariamente a eventual quebra do segredo bancário (nomeadamente para a averiguação dos crimes tributários), quando a descoberta da verdade material das situações tributárias dos contribuintes inspeccionados imponha a consulta de elementos bancários e essas consultas não são autorizadas pelos contribuintes.

    Só assim é possível começar a controlar (e consequentemente evitar na medida do possível) a evasão fiscal, que, como é sabido, é realidade bem conhecida, que em muito prejudica o interesse da comunidade, e portanto, da generalidade dos cidadãos contribuintes em proveito de alguns.

    Só assim se dará eficácia à almejada justiça e igualdade dos cidadãos perante a Administração Fiscal.

    Trata-se, de resto, de uma questão processual, cuja solução garante o equilíbrio entre os poderes da Administração (que têm de ser eficazes) e as garantias dos contribuintes (que em casos como o sigilo bancário estão longe de ser absolutas, antes se têm de subordinar ao interesse geral), na medida em que faz intervir o tribunal comum na resolução do diferendo.

    Cremos, por isso, que a lei de autorização legislativa contempla no âmbito do seu sentido e extensão a medida processual prevista no nº 5 do Art 63 da L.G.T., aprovada pelo D.L.398/98 de 17/12, não se verificando a alegada inconstitucionalidade orgânica.

    *

    Mas, por outro caminho se chegará à mesma conclusão.

    *

    A Lei Geral Tributária aprovada pelo D.L. 398/98, ao abrigo da Lei de autorização legislativa nº 41/98, veio a ser revista pela Lei 15/2001 de 5 de Junho, esta, evidentemente, da autoria da Assembleia da República, no uso da sua competência própria (Art 161 c) da C.R.P.).

    Ora, a referida Lei (15/2001), além de aprovar o Regime Geral das Infracções Tributárias e de alterar diversas disposições de outros diplomas, revogou todo o Título V da L.G.T. e alterou os seus artigos 45, 46 e 53, republicando-o em anexo.

    De facto, dispõe no seu Art 13 ‘são republicados em anexo à presente lei, dela fazendo parte integrante, a lei geral tributária aprovada pelo Decreto-Lei nº 398/98 de 17 de Dezembro ...’

    Por conseguinte, na medida em que a Lei G.T. passou a fazer parte integrante da Lei 15/2001, depois de revista e alterada pela Assembleia da República, é óbvio que, na parte não alterada, (cujo conteúdo o legislador não podia ignorar) foi ‘adoptada’ por aquele órgão de soberania, de modo que, se alguma inconstitucionalidade orgânica existia em relação a qualquer dos seus preceitos, designadamente em relação ao Art 63 nº 5, tal inconstitucionalidade desapareceu com a confirmação do texto legal pelo órgão constitucionalmente competente para a elaboração de leis que digam respeito às garantias dos cidadãos contribuintes.

    De contrário, podia chegar-se à situação absurda de se ter por inconstitucional, por falta de autorização legislativa da Assembleia da República, determinado preceito de um diploma que faz parte integrante de uma lei emanada da mesma Assembleia da República

    *

    Não se verifica, pois, a alegada inconstitucionalidade.

    ( ... )”

    É do acórdão de que parte se encontra extractada que, pelo requerido B., vem, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, interposto recurso para o Tribunal Constitucional, por seu intermédio visando a apreciação da “inconstitucionalidade do art. 63º/5 da Lei Geral Tributária, aprovada pelo DL 398/97, de 17 de Dezembro, face às normas e princípios constitucionais consagrados nos arts. 26º, 103º/2, 112º e 168º/1/b), i), p) e s) e 212º da CRP”.

    No requerimento de interposição de recurso o requerido sustentou que o mesmo tinha “subida imediata nos próprios autos e com efeito suspensivo”.

    Por despacho proferido em 19 de Maio de 2005 pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, foi admitido o recurso, sendo tal despacho silente quanto aos respectivos efeitos.

    No Tribunal Constitucional o relator, no uso do poder conferido pelo nº 1 do artº 78º-B da Lei nº 28/82, ponderando que o recurso de revista foi admitido “com efeito meramente devolutivo”, nos termos do artº 723º do Código de Processo Civil...

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