Acórdão nº 487/05 de Tribunal Constitucional (Port, 28 de Setembro de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução28 de Setembro de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 487/2005 Processo n.º 671/05 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I – Relatório

1. A. vem reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), da decisão sumária do relator, de 5 de Setembro de 2005, que decidiu, no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 do mesmo preceito, não conhecer do objecto do presente recurso.

2. Como se referiu nessa decisão sumária, o ora reclamante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de Agosto de 2005, que negou provimento ao recurso por ele deduzido contra o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 28 de Junho de 2005, que autorizou a sua extradição para a República Federativa do Brasil, a fim de aí cumprir o remanescente da pena de prisão em que foi condenado, por acórdão de 15 de Abril de 1996 do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região do Pará, pela prática dos crimes de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelos artigos 12.º e 18.º, I e III, da Lei Brasileira n.º 6368/76 (Lei Anti-Tóxicos) (oito anos) e de fraude de lei sobre estrangeiro, previsto e punido no artigo 309.º do Código Penal brasileiro (um ano).

Segundo o respectivo requerimento de interposição, “o presente recurso visa a fiscalização concreta da constitucionalidade da aplicação das normas dos artigos 715.° e 664.° do Código de Processo Civil, em conjugação com o artigo 3.° da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, bem como da aplicação do artigo 127.° do Código de Processo Penal, e também da inconstitucionalidade interpretativa das normas dos artigos 6.°, alínea c), 23.º, 45.° e 55.° da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto (Lei de Cooperação Judiciária Internacional) e, finalmente, dos artigos 123.°, n.º 2, 283.°, n.º 3, 374.°, n.º 2, e 379.° n.º 1, alíneas a) e c), todos do Código de Processo Penal (ex vi artigos 3.º, n.º 2, e 25.º, n.º 2, da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto)”, questões de inconstitucionalidade que teriam sido suscitadas “aquando da interposição e motivação do seu recurso para o Supremo Tribunal de Justiça”, havendo ainda “inconstitucionalidades que o recorrente pretende ver declaradas que foram originadas pela aplicação de algumas normas no próprio acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, pelo que não foi possível ao extraditando prevenir tal questão, nem lhe é possível suscitá-la perante qualquer outro Tribunal, que não o Tribunal Constitucional”, já que, “efectivamente, o recorrente não possui qualquer outra instância de recurso, pois o direito de recorrer foi-lhe vedado pelo Supremo Tribunal de Justiça que aqui funcionou como tribunal de instância, como infra se explanará”. De seguida, o recorrente enuncia seis questões de inconstitucionalidade, em termos que foram expostos nos n.ºs 4 a 9 da decisão sumária, que serão transcritos infra, no n.º 5 deste acórdão.

3. De seguida, a decisão sumária ora reclamada recordou que no sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge-se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas (ou a interpretações normativas, hipótese em que o recorrente deve indicar, com clareza e precisão, qual o sentido da interpretação que reputa inconstitucional), e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas (como acontece com o recurso de amparo espanhol ou a queixa constitucional alemã), ou a condutas ou omissões processuais. A distinção entre os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é imputada directamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é discernível na decisão recorrida a adopção de um critério normativo (ao qual depois se subsume o caso concreto em apreço), com carácter de generalidade, e, por isso, susceptível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por relevantes às particularidades do caso concreto.

Por outro lado, tratando-se de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada “durante o processo”, “de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer” (n.º 2 do artigo 72.º da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente. Aquele primeiro requisito (suscitação da questão de inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido, antes de proferida a decisão impugnada) só se considera dispensável nas situações especiais em que, por força de uma norma legal específica, o poder jurisdicional se não esgota com a prolação da decisão recorrida, ou naquelas situações, de todo excepcionais ou anómalas, em que o recorrente não dispôs de oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes de proferida a decisão recorrida ou em que, tendo essa oportunidade, não lhe era exigível que suscitasse então a questão de constitucionalidade.

Constitui jurisprudência consolidada deste Tribunal Constitucional que o apontado requisito só se pode considerar preenchido se a questão de constitucionalidade tiver sido suscitada antes de o tribunal recorrido ter proferido a decisão final, pois com a prolação desta decisão se esgota, em princípio, o seu poder jurisdicional. Por isso, tem sido uniformemente entendido que, proferida a decisão final, a arguição da sua nulidade ou o pedido da sua aclaração, rectificação ou reforma não constituem já meio adequado de suscitar a questão de constitucionalidade, pois a eventual aplicação de uma norma inconstitucional não constitui erro material, não é causa de nulidade da decisão judicial, não a torna obscura ou ambígua, nem envolve “lapso manifesto” do juiz quer na determinação da norma aplicável, quer na qualificação jurídica dos factos, nem desconsideração de elementos constantes do processo que implicassem necessariamente, só por si, decisão diversa da proferida. E também, por maioria de razão, não constitui meio adequado de suscitar a questão de constitucionalidade a sua invocação, pela primeira vez, no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade ou nas respectivas alegações.

Acresce que, quando o recorrente questiona a conformidade constitucional de uma interpretação acolhida, deve identificar essa interpretação com o mínimo de precisão, não sendo idóneo, para esse efeito, o uso de fórmulas como “na interpretação dada pela decisão recorrida” ou similares. Com efeito, constitui orientação pacífica deste Tribunal que, para usar a formulação do Acórdão n.º 367/94: “Ao suscitar-se a questão de inconstitucionalidade, pode questionar-se todo um preceito legal, apenas parte dele ou tão-só uma interpretação que do mesmo se faça. (...) esse sentido (essa dimensão normativa) do preceito há-de ser enunciado de forma que, no caso de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão em termos de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, deste modo, violar a Constituição.”

4. Recordados estes critérios e antes de entrar na apreciação da admissibilidade do recurso quanto a cada uma das seis questões de constitucionalidade suscitadas, entendeu-se na decisão sumária ora reclamada que era útil reproduzir – pese embora a sua extensão – a fundamentação integral do acórdão recorrido, dada a conexão que aproxima aquelas questões e para assim se dispor de uma visão global do caso, que facilitaria a aferição da efectiva aplicação, ou não, como rationes decidendi desse acórdão, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais.

É a seguinte a fundamentação do acórdão recorrido:

“2. Decidindo.

2.1. O Tribunal da Relação de Évora proferiu a seguinte decisão sobre a matéria de facto:

«2.1. A matéria de facto provada com interesse para a decisão é a seguinte:

1.º – Ao abrigo do Tratado de Extradição entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da República Federativa do Brasil (aprovado para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.° 5/94, de 3 de Fevereiro, e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.° 3/94, de 3 de Fevereiro – cf. ainda Aviso n.° 330/94, de 24 de Novembro), as autoridades brasileiras solicitaram ao Estado Português a extradição do cidadão A., acima identificado, para efeitos de cumprimento do remanescente da pena.

2.º – O requerido foi condenado no âmbito do processo n.° 94.3896-8 – Acção Criminal – Classe VI, pela 4.ª Vara Federal da Secção Judiciária do Pará (Justiça Federal de 1.ª Instância) na pena de 13 (treze) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado previsto e punido pelos artigos 12.° e 18.º, I e III, da Lei Brasileira n° 6368/76 (Lei Anti-Tóxicos) e na pena de dois anos de prisão em regime semi-aberto e em 185 (cento e oitenta e cinco) dias de multa à metade do salário mínimo, pela prática de um crime de fraude de lei sobre estrangeiro previsto e punido no artigo 309.° do Código Penal Brasileiro.

3.º – Em cúmulo jurídico das referidas penas, foi o requerido condenado na pena única de 15 (quinze) anos e 6 (seis) meses de prisão.

4.º O requerido...

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