Acórdão nº 422/05 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Agosto de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução17 de Agosto de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 422/2005

Processo n.º 572/05

  1. Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1. Relatório

A. foi condenado, por acórdão de 16 de Outubro de 2003 da 7.ª Vara Criminal do Círculo de Lisboa, pela prática, em co-autoria, de um crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203.º do Código Penal, na pena de 12 meses de prisão, com suspensão da sua execução pelo período de um ano, suspensão subordinada a regime de prova, tendo em conta os artigos 50.º, n.º 1, e 53.º do mesmo Código.

Por despacho de 9 de Dezembro de 2004, a suspensão da execução da pena de prisão foi revogada, com a seguinte fundamentação:

“Resulta dos autos que o arguido não cumpriu o regime de prova a que ficou condicionada a suspensão de execução da pena.

Assim, logo em 22 de Dezembro de 2003, veio o IRS informar que o arguido não compareceu à primeira entrevista marcada por aqueles Serviços com vista à elaboração do Plano Individual de Recuperação (fls. 782).

O que voltou a acontecer mesmo após diligência dos Serviços de contacto pessoal com o arguido e ter o mesmo sido alertado das obrigações a que se encontra sujeito (fls. 785).

Há conhecimento de ter o arguido comparecido nos Serviços de Reinserção Social em Fevereiro de 2004, tendo então sido marcada nova entrevista para 1 de Março de 2004, para elaboração de PIR – tendo o mesmo sido encaminhado para o Centro de Emprego da área da sua residência (fls. 787).

Há conhecimento de que o arguido, novamente, não compareceu em 1 de Março de 2004, tendo comparecido em 27 de Abril de 2004, mediante mandados de detenção para o efeito, e não tendo voltado a comparecer naqueles Serviços, mantendo, assim, uma postura reiterada de não colaboração (fls. 804).

Posteriormente, notificado para comparecer neste Tribunal a fim de se avaliar directamente da situação e fazê-lo sentir as consequências da sua não colaboração, o mesmo não compareceu (fls. 823), quer através da notificação que lhe foi feita, quer através dos mandados de detenção emitidos para o efeito (fls. 827 e 830 v.º).

De acordo com o relatório recebido do IRS (fls. 839 e seguintes), o arguido não voltou a comparecer naqueles Serviços desde 27 de Abril de 2004 (c/ mandados de detenção), apesar das convocatórias para o efeito, sem qualquer colaboração para o Plano Individual de Reabilitação a realizar, e demonstrando constantemente uma atitude de recusa quanto a uma intervenção no sentido da mudança dos seus comportamentos.

Assim sendo, como se demonstra, é evidente que o arguido não cumpriu, minimamente, o regime de prova a que ficou sujeita a suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi imposta – inviabilizando, inclusivamente, a elaboração de Plano Individual de Readaptação Social – e as tentativas do Tribunal com vista à sua comparência e esclarecimento dos motivos do seu incumprimento – sendo que se tentou, novamente, a sua comparência com mandado de detenção, para o passado dia 29 de Novembro de 2004 – o que novamente resultou infrutífero (fls. 855 e 857 verso).

O Ministério Público teve vista nos autos, sendo de parecer que deve ser revogada a suspensão da execução da pena.

Efectivamente, o acórdão de 16 de Outubro de 2003 transitou em julgado em 31 de Outubro de 2003, o que significa que o período de suspensão de execução da pena se esgotou, sem que o arguido tenha cumprido a condição respectiva (regime de prova com vista à sua readaptação social).

Assim, nos termos do artigo 56.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, impõe-se revogar a suspensão da execução da pena – até porque não se vê qualquer utilidade em impor-lhe deveres ou regras de conduta, ou mesmo em prorrogar o período de suspensão (face ao que tem sido ao longo de todo o tempo o comportamento do arguido).

Pelo que, nos termos da citada disposição legal, se decide revogar a suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi oportunamente aplicada, com as legais consequências, previstas no n.º 2 do artigo 56.º (cumprimento da pena de prisão fixada).”

Este despacho foi notificado, em 13 de Dezembro de 2004, ao defensor do arguido “por via postal registada” e ao próprio arguido “por via postal simples com prova de depósito”, endereçada à residência de sua irmã, no Feijó (indicada como sua actual morada na entrevista de 12 de Fevereiro de 2004). Em 4 de Fevereiro de 2005, foi expedida nova “notificação por via postal simples com prova de depósito”, desta vez para a morada indicada pelo arguido na audiência de julgamento e que era também a que constava do termo de identidade e residência por ele prestado.

Por despacho judicial de 9 de Março de 2005 foi determinada a emissão de mandados de detenção para o arguido cumprir a pena de prisão que lhe foi aplicada. Esses mandados foram executados em 24 de Março de 2005, tendo no acto o arguido sido pessoalmente notificado do despacho de 9 de Dezembro de 2004, que revogou a suspensão da execução da pena de prisão.

Em 1 de Abril de 2005, o arguido interpôs recurso desse despacho para o Tribunal da Relação de Lisboa, recurso que não foi admitido, por despacho de 6 de Abril de 2005, por extemporaneidade, por se entender que o despacho recorrido lhe fora devidamente notificado em 4 de Fevereiro de 2005, pelo que era manifesto o decurso do prazo de 15 dias para interposição de recurso.

Veio então o arguido reclamar para o Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa contra o despacho de 6 de Abril de 2005 do juiz da 7.ª Vara Criminal do Círculo de Lisboa, que não admitiu, por extemporaneidade, recurso por ele interposto contra decisão de revogação de suspensão de execução de pena de prisão. Nessa reclamação aduziu o reclamante:

“O recorrente, ora reclamante, foi condenado na pena de 12 meses de prisão, que ficou suspensa por um ano, por acórdão de 16 de Outubro de 2003.

A suspensão dessa mesma pena ficou subordinada a regime de prova.

Em 9 de Dezembro de 2004, a suspensão foi revogada por douta sentença, fixando-se na mesma o cumprimento da pena de prisão.

Nessa data o reclamante não foi ouvido nem notificado da dita revogação, que implica o cumprimento de uma pena efectiva, conforme se retira da conjugação dos artigos 333.°, n.º 5, in fine, e 113.º, n.º 8, ambos do CPP.

A sentença que revogou a suspensão da pena só foi notificada ao reclamante no dia 24 de Março de 2005, dia da sua detenção.

Ora, na verdade, entendemos que o despacho que revoga a suspensão da pena faz parte integrante da sentença que, por via da revogação, foi modificada, e colide com os direitos, liberdades e garantias.

Ora, salvo o devido respeito por opinião contrária, o douto despacho reclamado interpretou que a decisão que revoga a suspensão da pena de prisão basta-se com uma «simples notificação», não sendo necessário a notificação pessoal.

Por isso entende que o despacho de fls. 859 e segs., de que se interpôs recurso já transitou com as notificações expedidas para as moradas constantes de fls. ...

Mas entendemos sem razão.

Na verdade, interpretar-se que a decisão que, ao modificar uma sentença, obriga o arguido/condenado a cumprir pena de prisão terá de ser pessoalmente notificado, talqualmente o é a própria sentença.

Esta é a melhor interpretação dos princípios constitucionais e do conhecimento pessoal das decisões que afectam a liberdade de qualquer cidadão.

Assim, o despacho recorrido fez uma interpretação inconstitucional dos artigos 411.º, n.º 1, e 333.°, n.º 5, do CPP, conjugados com o artigo 56.°, n.º 1, alínea b), do Código Penal, ao interpretar tacitamente que as decisões que revogam as suspensões das penas não precisam ser notificadas pessoalmente aos arguidos, por violação, pelo menos, do artigo 32.°, n.º 1, da CRP, o que desde já se alega para os devidos efeitos legais.

Não nos podemos esquecer que, nos termos dos artigos 492.º e 495.º do CPP, o arguido deve ser ouvido, até por analogia do artigo 333.°, n.º 5, do CPP, e, ao não sê-lo, e havendo decisão sobre o «mérito da revogação», deve o arguido ser notificado pessoalmente do despacho/sentença, logo que seja detido ou se apresente voluntariamente.

Por outro lado, seria uma incongruência legislativa ou interpretativa dos citados artigos se se permitisse que uma decisão que revoga uma sentença na parte da suspensão da pena, não fosse necessária a notificação pessoal do arguido, afinal como o é a sentença que inicialmente decretou essa mesma suspensão.

Nestes termos e nos mais de direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Ex.a, deve a presente reclamação ser considerada procedente por provada e revogar-se o despacho reclamado por outro que admita o recurso interposto do despacho de fls. 859 e seguintes.”

A reclamação foi indeferida por despacho do Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, de 25 de Maio de 2005, com a seguinte fundamentação:

“2. A questão essencial para a decisão desta reclamação consiste em saber se o arguido e aqui reclamante tinha que ser notificado pessoalmente da decisão que revogou a suspensão da execução da pena.

E, salvo o devido respeito por opinião contrária, consideramos que estamos perante uma decisão em que a notificação pessoal ao arguido não é exigível, tal como resulta do disposto no artigo 113.º, n.º 9, do Código de Processo Penal.

E não se vê que exista com esta forma de notificação qualquer violação do direito constitucional, designadamente os direitos consagrados no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa. Ao arguido são garantidos todos esses direitos com a sua notificação e do seu defensor mesmo com a notificação por via postal, desde que esteja demonstrado que essa notificação se realizou nos termos previstos na lei. E é o que, em nosso entender, se verificou no caso dos autos.

O reclamante, enquanto arguido, estava sujeito ao termo de identidade e residência. E ele expressamente indicou o local onde todas as notificações lhe deviam ser efectuadas, nos termos do disposto no artigo 196.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal...

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