Acórdão nº 38/12.5ZRSTB.E2 de Tribunal da Relação de Évora, 20 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelBERGUETE COELHO
Data da Resolução20 de Outubro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora* 1.

RELATÓRIO Nos autos em referência, correndo termos no Juízo Local Criminal de Setúbal do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, proferiu-se, em 24.01.2020, o seguinte despacho: «Foi proferido despacho determinando a notificação do condenado para proceder ao pagamento da multa em dívida, sob pena de, não o fazendo e não demonstrando que a falta de pagamento da multa não lhe é imputável, ser a pena de multa aplicada convertida em 267 dias de prisão subsidiária.

***Devidamente notificado o arguido e o ilustre mandatário, dentro do prazo concedido, nada disserem ou requereram, designadamente nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 49.º n.º 3 do Código Penal.

***Por despacho de 12 de Novembro de 2019, foi determinada a conversão da multa em 266 dias de prisão subsidiária.

***Devidamente notificados, quer o condenado quer o ilustre mandatário, foi apresentado o requerimento de fls. 302-303, ali se considerando poder ser concedida a possibilidade de substituição da multa por trabalho a favor da comunidade a desenvolver numa instituição localizada em São Tomé e Príncipe ou o pagamento da multa em prestações.

***O Ministério Público promoveu seja a prisão subsidiária suspensa, pelo período de 1 ano, subordinada ao dever de não cometer crimes de idêntica natureza.

***Cumpre decidir, Como é sabido, quer o pagamento da multa em prestações quer a substituição da mesma por trabalho em favor da comunidade dever ser requerida dentro do prazo de pagamento voluntário da multa (art. 47.º e 48.º do Código Penal e 489.º e 490.º do Código de Processo Penal).

Compulsados os autos, verifica-se, com facilidade que tal requerimento não foi apresentado em juízo, motivo pelo qual, ainda que não pudesse ser deferido, porquanto o já foi proferido despacho de conversão da pena de multa em prisão subsidiária, sempre seria o mesmo de indeferir por manifesta extemporaneidade.

Já no que concerne à suspensão da execução da pena de prisão subsidiária, a mesma sempre seria de ponderar com a notificação do arguido para demonstrar nos autos que a falta de pagamento da multa não lhe é imputável, sendo, então, consideradas as razões a demonstrar, ser determinada a conversão da pena de multa em prisão subsidiária, sendo logo determinada a respectiva suspensão.

No caso dos autos, porém, o arguido nada demonstrou.

Para além do mais, no que concerne ao dever que subordinaria a suspensão, sempre se dirá que o não cometimento de crimes impende sobre qualquer cidadão, não devendo constituir condição da suspensão de execução de pena de prisão (ainda que subsidiária).

Em face do exposto, indefiro o requerido.

Notifique.».

Inconformado com tal despacho, o arguido, (…), interpôs recurso, formulando as conclusões: a) O arguido não se encontra a residir na morada em que prestou termo de identidade e residência; b) Pelo que nunca foi notificado de qualquer decisão que proferida nos presentes autos; c) Mesmo remetidas pelo Tribunal, o arguido nunca recebeu qualquer notificação relativamente ao presente processo na sua morada; d) Atendendo a que o arguido nunca foi notificado de tal decisão, não se pode considerar que a razão pelo não pagamento de multa lhe seja imputável; e) Existe abundante jurisprudência que vai no sentido de que o despacho que converte a pena de multa em pena de prisão deve ser notificado pessoalmente ao arguido; f) Tal nunca aconteceu; g) Face ao exposto, ou seja, à ausência de notificação pessoal do despacho que converte a pena de multa em pena de prisão, bem como às dificuldades de comunicação entre o arguido e o mandatário no presente processo, verifica-se que a falta de pagamento da multa não lhe é imputável; h) Pelo que se encontram reunidas as condições para que seja aplicado o mecanismo previsto no n.º 3 do artigo 49.º do Código Penal, ou seja, “pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de 1 a 3 anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro”; i) Objetivamente, é impossível ao arguido proceder ao pagamento de uma multa no valor de €2.400,00 (dois mil e quatrocentos euros), quando tal corresponde a quase 75% do seu rendimento anual; j) Não dispondo o arguido de meios que lhe permitam proceder ao pagamento da pena de multa; k) Nestas situações, é pacífico que o arguido pode beneficiar da suspensão da pena de prisão subsidiária; l) Os Tribunais, não raras vezes, suspendem a execução das penas de prisão por entenderem que a mera censura do facto e a ameaça de prisão bastarão para arredar o agente da criminalidade e satisfazer, simultaneamente, as necessidades punitivas e a respetiva ressocialização, uma vez que é dada ao condenado a oportunidade de se reabilitar em liberdade, sem com isso desconsiderar as exigências preventivas; m) A jurisprudência tem vindo a entender que o prazo para a apresentação de requerimento da substituição da pena de multa por dias de trabalho não tem natureza peremptória, pelo que pode ser apresentado em momento posterior, atenta a que se pretende evitar a conversão de uma pena de multa numa pena de prisão; n) O Tribunal “a quo” ao indeferir o requerimento, pois a jurisprudência maioritária entende que o requerimento em que se solicita a substituição da pena de multa por dias de trabalho pode ser apresentado em momento posterior ao do prazo fixado nos artigos 490.º, n.º 1 e 489.º, n.º 2, do Código de Processo Penal; o) O arguido encontra-se socialmente inserido, a viver e a trabalhar em São Tomé e Príncipe, não representando qualquer perigo; p) O cumprimento de uma pena de prisão teria como consequência que o arguido perdesse a sua única fonte de rendimento, o seu trabalho, bem como que deixasse de prover o sustento dos seus dois filhos menores; q) Do ponto de vista da reintegração social, também não se afigura qualquer vantagem no cumprimento de uma pena efetiva de prisão, uma vez que o arguido, conforme já se referiu, encontra-se socialmente inserido; r) O arguido não tem quaisquer antecedentes criminais (ou processo em curso para além do presente), já decorreram mais de seis anos sobre a data dos factos, sem que o arguido tenha tido qualquer processo judicial ou problema de natureza judicial; s) Encontra-se inserido na sociedade, a trabalhar, tendo uma família constituída, composta por si, pela sua esposa e por dois filhos menores, não reside em Portugal, pelo que ao nível da prevenção especial não constitui qualquer tipo de ameaça.

Nestes termos, sempre com o mui Douto suprimento de V. Ex.ªs, deve o presente recurso merecer provimento, revogando-se o despacho recorrido e, em conformidade, possibilitar ao recorrente o pagamento da multa em prestações ou da substituição da pena de multa por prestação de trabalho a favor da comunidade, O recurso foi admitido.

O Ministério Público apresentou resposta, concluindo: 1. O arguido (…), ora recorrente, foi condenado pela prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256º, nº 1 al. a) e nº 3 do Código Penal, na pena de 400 dias de multa, à razão diária de €6,00 (seis euros), o que perfaz o valor total de € 2.400,00 (dois mil e quatrocentos euros).

  1. Após o trânsito da sentença condenatória, regularmente notificado, o arguido (…), não procedeu ao pagamento da supramencionada multa penal, nem requereu o seu pagamento em prestações ou a sua substituição por trabalho a favor da comunidade, no prazo a que aludem os artigos 490º, nº 1 e 489º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Penal.

  2. Notificado ainda o arguido, bem como o seu ilustre mandatário, para proceder ao pagamento da multa em dívida, sob pena de, não o fazendo e não demonstrando que a falta de pagamento da multa não lhe é imputável, ser a pena de multa aplicada convertida em 267 dias de prisão subsidiária, o arguido nada disse ou requereu no prazo concedido para o efeito.

  3. Na sequência e depois de constatada a impossibilidade de cobrança coerciva da multa em causa, foi determinada a sua conversão em 266 dias de prisão subsidiária, conforme despacho proferido em 12-11-2019 e notificado ao arguido, por carta expedida para S. Tomé e Príncipe em 13-11-2019, país onde reside.

  4. Em 13-12-2012, o arguido veio alegar que não tem meios económicos que lhe permitam pagar a multa penal em que foi condenado, e requerer, além do mais, a substituição da multa por trabalho a favor da comunidade, a prestar em São Tomé e Príncipe, concretamente “(…) numa instituição localizada, na ilha de S. Tomé, Distrito de Água Grande (…)”, onde reside, na medida em que “(…) encontra-se a viver em São Tomé e Príncipe, não tendo qualquer intenção de regressar a Portugal. E ainda que tivesse tal intenção, nunca o poderia fazer, pois não tem meios financeiros que lhe permitam custear o bilhete de avião de São Tomé para Portugal”.

  5. O Tribunal recorrido indeferiu o requerido, por extemporâneo, uma vez que já se mostrava ultrapassado o prazo a que aludem os artigos 490º, nº 1 e 489º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Penal.

  6. Pronunciando-se ainda sobre a possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão subsidiária, ao abrigo do disposto no artigo 49º, nº 3 do Código Penal, nos termos promovidos pelo Ministério Público, o Tribunal recorrido entendeu que “(…) a mesma sempre seria de ponderar com a notificação do arguido para demonstrar nos autos que a falta de pagamento da multa não lhe é imputável, sendo, então, consideradas as razões a demonstrar, ser determinada a conversão da pena de multa em prisão subsidiária, sendo logo determinada a respectiva suspensão. No caso dos autos, porém, o arguido nada demonstrou. Para além do mais, no que concerne ao dever que subordinaria a suspensão, sempre se dirá que o não cometimento de crimes impende sobre qualquer cidadão, não devendo constituir condição da suspensão de execução de pena de prisão (ainda que subsidiária).

    ” 8. Inconformado com o teor do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT