Acórdão nº 398/05 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Julho de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Helena Brito
Data da Resolução14 de Julho de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 398/05 Processo n.º 914/04 .ª Secção

Relatora: Conselheira Maria Helena Brito

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I

  1. Nuns autos de expropriação por utilidade pública de parcela necessária à construção da obra VICEG – Via de Cintura Externa da Guarda, em que era expropriante o ICOR – Instituto para a Construção Rodoviária e expropriados A. e mulher, B., interpuseram estes, junto do Tribunal Judicial da Comarca da Guarda, recurso da decisão arbitral que, classificando a parcela expropriada como “solo apto para outros fins” – por ser qualificada, “segundo o PDM, como área de salvaguarda estrita RAN/REN” –, lhes fixara a indemnização em 4.826.000$00. No recurso pediram que lhes fosse atribuída uma indemnização de € 579.120,00, actualizada nos termos do artigo 24º do Código das Expropriações (fls. 60 e seguintes).

    Na resposta ao recurso (fls. 140 e seguintes), o ICOR – Instituto para a Construção Rodoviária concluiu do seguinte modo:

    “[...]

    1. - A parcela expropriada, embora constituída por solo considerado apto para a construção, nos ternos do art. 25° do CE/99, não pode ser efectivamente utilizado para esse fim em face dos regimes jurídicos da RAN e da REN, em que se inclui, devendo pois isso ser avaliada pelo respectivo valor venal, numa situação normal de mercado (art. 23°, n.° 5, do CE), valor esse que inevitavelmente reflectirá a impossibilidade da sua utilização para a construção, ou seja, deverá corresponder ao que resultar da sua capacidade agrícola;

    2. - Só assim não sucederia, nos termos do n.° 12 do art. 26° do CE, quando, cumulativamente, se verificasse que:

      1. A impossibilidade edificativa resultava da sua classificação em plano municipal de ordenamento do território como zona verde ou de lazer ou da sua destinação para a instalação de infraestruturas e equipamentos públicos;

      2. A última aquisição da parcela tivesse ocorrido antes da entrada em vigor desse plano.

    3. - No caso, não ocorre a «condição» prevista na alínea a) da conclusão anterior, visto que o PDM classifica a parcela como RAN e REN;

    4. - Pelo que na avaliação da parcela dos autos não pode considerar-se qualquer edificabilidade própria, visto estar excluída pela lei e pelo Regulamento do PDM, nem a edificabilidade na faixa envolvente, porque inaplicável.

      [...].”

  2. Efectuou-se a avaliação legalmente exigida, tendo o laudo dos peritos designados pelo tribunal e pelo expropriante classificado os solos da parcela como “aptos para outros fins, já que não se enquadram em qualquer das alíneas do n.º 2 do artigo 25º do CE99, enquadrando-se, portanto, no n.º 3 do mesmo artigo” e fixado o montante indemnizatório em € 30.162,50 (os peritos designados pelo tribunal) e € 24.130,00 (o perito designado pelo expropriante) (fls. 202 a 207), enquanto o laudo do perito designado pelos expropriados classificou o solo como “apto para a construção de acordo com o que dispõe o n.º 2 do art. 25º do C. E. aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro” e propôs a indemnização de € 1.083.632,00 (fls. 183 a 192).

    A. e mulher deduziram reclamação contra o laudo de peritagem apresentado pelos peritos designados pelo tribunal e pelo expropriante (fls. 221 e seguintes).

    Na sequência de tal reclamação, foi ordenada a notificação dos peritos designados pelo tribunal e pelo expropriante “para esclarecerem e fundamentarem as suas respostas nos termos requeridos pelos expropriados” (fls. 231 e 231 v.º).

    Os peritos prestaram esclarecimentos e juntaram, entre outros documentos, cópia do “Regulamento do Plano Director Municipal da Guarda”, publicado no Diário da República, I Série-B, n.º 166, de 20 de Julho de 1994 (fls. 241 e seguintes).

    Foram ainda produzidas alegações: os expropriados concluíram que a parcela expropriada deve ser avaliada como “solo apto para construção” e, procedendo à ampliação do pedido, requereram que o valor do terreno fosse fixado nos termos propostos no laudo do perito por eles designado, ou seja, em € 1.083.632,00 (fls. 286 e seguintes); o IEP – Instituto das Estradas de Portugal (que sucedeu ao ICOR – Instituto para a Construção Rodoviária) sustentou que a justa indemnização a atribuir aos expropriados deve ser fixada nos termos propostos pelos peritos designados pelo tribunal, ou seja, em € 30.162,50 (fls. 352).

  3. Por sentença de 24 de Outubro de 2003, o juiz do Tribunal Judicial da Comarca da Guarda julgou parcialmente procedente o recurso interposto pelos expropriados, fixando a indemnização a atribuir aos expropriados em € 30.162,50, actualizado nos termos do artigo 24º do Código das Expropriações (fls. 354 e seguintes).

    Lê-se na sentença do Tribunal da Guarda, para o que aqui importa considerar:

    “[...]

    [...] os expropriados (recorrentes) discordam da decisão arbitral, que classificou a parcela em causa como «solo para outros fins» e fixou a justa indemnização em 4.826.000$00 (Quatro milhões, oitocentos e vinte e seis mil escudos).

    Recorreram para este tribunal, defendendo, no essencial, que o solo da parcela em causa deve ser classificado como solo «apto para construção» nos termos do n.º 2 do artigo 25° do CE e indemnizado de acordo com os critérios estabelecidos no n.º 12 do artigo 26° do mesmo diploma legal.

    A expropriante sustenta a classificação do terreno expropriado como solo «apto para outros fins», alegando tratar-se de terreno integrado em Reserva Agrícola Nacional e Reserva Ecológica Nacional, pelo que não podia, por lei e regulamento (Dec-Lei n.° 196/89, de 14 de Junho, Dec-Lei n.° 93/90, de 19 de Março, e PDM – Regulamento, D.R., 1ª n.º 166, de 1994-07-20) nele construir-se, concluindo, pois, tratar-se de solo para outros fins, nos termos do n.° 3 do art. 25° do Código das Expropriações, pelo que a sua avaliação obedeceu aos critérios fixados no n.º 1 e 3 do artigo 27°.

    Independentemente da injustiça que representa ou pode representar para os interessados a inclusão dum terreno em zona de reserva, com a consequente desvalorização em expropriação para construção de vias de comunicação (fim diferente do que presidiu àquela inclusão), cremos que não assiste razão aos recorrentes, que nas suas alegações finais, e para suportar a sua tese, «lançaram mão» do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 267/97, 2ª Secção, publicado no DR II Série, de 21 de Maio de 1997.

    Com efeito, este acórdão julgou inconstitucional a norma do n.° 5 do artigo 24º do Código das Expropriações de 1991, «enquanto interpretada por forma a excluir da classificação de ‘solo apto para a construção’ os solos integrados na RAN, expropriados justamente com a finalidade de neles se edificar para fins diferentes de utilidade pública agrícola».

    Na situação então discutida e decidida, estava em causa uma parcela de terreno, que fazia parte da RAN, mas que dela fora desafectada para o efeito de ser expropriada, tendo-se entendido que não poderia ser avaliada como terreno apto para construção, ainda que dotada de todas as infra-estruturas, sendo a expropriação exactamente destinada à construção de um quartel de bombeiros.

    No julgamento de inconstitucionalidade, então efectuado, teve-se em conta a importantíssima circunstância de a parcela em questão ter sido desafectada da RAN, para o mencionado fim, de tal modo que o direito de edificar não podia deixar de ser considerado no cômputo de indemnização de expropriação.

    Acresce que, por esse motivo, nesse processo, o Tribunal detectou um comportamento da Administração que implicitamente considerou estar próximo da figura do «abuso de direito», isto porque se reconhece ter havido alguma tentativa «de manipulação das regras urbanísticas por parte da Administração», traduzidas na «classificação dolosa» de um terreno como zona verde (ou reservada a uso agrícola), «desvalorizando-o, para mais tarde o adquirir, por expropriação, pagando por ele um valor correspondente ao de solo não apto para construção», quando o que se ia fazer era exactamente construir.

    Ora, esta situação é completamente distinta daquela que estamos a tratar nestes autos, ou também daquela que tratou o acórdão n.º 20/2000 [...], sendo que este último concluiu não ser inconstitucional a norma constante do n.º 5 do artigo 24° do Código das Expropriações de 1991, «interpretada por forma a excluir da classificação de ‘solo apto para a construção’ solos integrados na Reserva Agrícola Nacional expropriados para implantação de vias de comunicação».

    [...]

    Em suma, existe uma grande diferença entre os casos que estiveram na origem dos citados acórdãos nos 267/97 e 20/2000, como também existe essa distinção entre a situação descrita no acórdão 267/97, que é invocado pelos expropria[dos], e aquela que está em causa nestes autos, isto porque a declaração de inconstitucionalidade constante do acórdão n.º 267/97 tem um sentido muito preciso e delimitado, que é o de impedir que a Administração, depois de ter integrado um determinado terreno na RAN – integração essa de que resulta uma proibição de construção, mas que não é acompanhada de indemnização, já que tal proibição é uma mera consequência da vinculação situacional da propriedade que incide sobre os solos integrados na RAN, isto é, um simples produto da situação factual destes, da sua inserção na natureza e na paisagem e das suas características intrínsecas –, venha, posteriormente, a desafectá-lo, com o fim de nele construir um equipamento público, pagando pela expropriação um valor correspondente ao de solo não apto para a construção.

    Podemos, por isso, concluir que o que fundou o juízo de inconstitucionalidade da não qualificação do terreno como «solo apto para a construção» para efeitos indemnizatórios não foi a circunstância de o terreno deixar de ter utilização agrícola ou florestal, nem a circunstância de nele se vir a construir uma via de comunicação ou um acesso a um equipamento público, ou, mesmo, de tal acesso dever ser considerado ainda funcionalmente integrado neste equipamento.

    Foi, antes, como, aliás, também se referiu no Acórdão n.º 20/2000, a circunstância...

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