Acórdão nº 383/05 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Julho de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução13 de Julho de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 383/2005 Processo n.º 9/05 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1. Relatório

A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional – ao abrigo do disposto nas alíneas b) e i) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC) – do acórdão da 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo (STA), de 18 de Março de 2003, que negou provimento a recurso jurisdicional interposto do acórdão da 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo (TCA), de 20 de Junho de 2002, que rejeitara, por extemporaneidade, recurso contencioso de anulação do despacho do Secretário Regional dos Assuntos Sociais do Governo Regional da Madeira, de 2 de Agosto de 1999, que homologou a lista de classificação final do concurso interno condicionado de acesso a Chefe de Serviço de Pediatria do Centro Hospitalar d- ---------.

Nessas decisões judiciais considerou-se que a data relevante para o início da contagem do prazo de interposição de recurso contencioso era a data da afixação da lista de classificação final, de acordo com o disposto no n.º 66.1 do Regulamento dos Concursos de Habilitação ao Grau de Consultor e de Provimento na Categoria de Chefe de Serviço da Carreira Médica Hospitalar, aprovado pela Portaria n.º 177/97, de 11 de Março, ou seja, no caso, a data de 13 de Agosto de 1999, pelo que quando o recurso contencioso foi interposto, em 4 de Janeiro de 2000, já fora ultrapassado o prazo de dois meses fixado para o efeito no artigo 28.º, n.º 1, alínea a), da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (LPTA – Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho), do seguinte teor: “1. Os recursos contenciosos de actos anuláveis são interpostos nos seguintes prazos: a) 2 meses, se o recorrente residir no continente ou nas regiões autónomas”. A recorrente, na alegação de recurso para o STA havia suscitado a questão da inconstitucionalidade dessa norma, por violação do artigo 268.º, n.ºs 3 e 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP), e invocado, em apoio da posição por ela sustentada, o Acórdão n.º 489/97 do Tribunal Constitucional, que julgou inconstitucional, por violação do artigo 268.º, n.º 4, da CRP, em conjugação com o seu n.º 3, a norma do artigo 29.º, n.º 1, da LPTA (“O prazo para a interposição de recurso de acto expresso conta-se da respectiva notificação ou publicação, quando esta seja imposta por lei”), interpretada no sentido de mandar contar o prazo para o recurso contencioso de actos administrativos sujeitos a publicação obrigatória da data dessa publicação.

No Tribunal Constitucional, o relator, no despacho que determinou a apresentação de alegações, esclareceu que o recurso se considerava interposto apenas ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, e não também ao abrigo da alínea i) do mesmo preceito, “uma vez que não existe identidade entre a norma julgada inconstitucional pelo Acórdão n.º 489/97 do Tribunal Constitucional e a norma aplicada no acórdão ora recorrido” e que o objecto do presente recurso consiste na apreciação da constitucionalidade da norma constante do n.º 66.1 do Regulamento dos Concursos de Habilitação ao Grau de Consultor e de Provimento na Categoria de Chefe de Serviço da Carreira Médica Hospitalar, aprovado pela Portaria n.º 177/97, de 11 de Março (do seguinte teor: “66.1 – No caso de concursos internos condicionados, a lista [de classificação final do concurso, após homologação] é afixada em local público do respectivo serviço, com publicitação prévia em ordem de serviço, e comunicada por ofício registado, na data da afixação, àqueles que por motivo justificado se encontrem ausentes”), “interpretada no sentido de que o prazo de interposição de recurso contencioso de anulação do acto de homologação da lista de classificação final de concurso interno condicionado se conta, para os funcionários que se encontrem presentes no serviço, da data da sua afixação em local público do mesmo serviço, afixação previamente publicitada em ordem de serviço”.

A recorrente apresentou alegações, no termo das quais formulou as seguintes conclusões:

“1. O artigo 268.°, n.° 3, da Constituição (após a revisão de 1989) impõe à Administração «um dever de dar conhecimento aos interessados, mediante comunicação oficial e formal», dos actos administrativos que lhes respeitem (Vital Moreira e Gomes Canotilho).

2. O artigo 268.°, n.° 3, da Constituição (após a revisão de 1989) constitui para os administrados um direito fundamental análogo aos direitos, liberdades e garantias.

3. A notificação é um acto comunicativo que pressupõe uma actividade especialmente dirigida a comunicar um acto administrativo, por meio do qual ele é introduzido na esfera de perceptibilidade normal do destinatário, garantindo, assim, a sua cognoscibilidade.

4. De facto, uma verdadeira e formal notificação é aquela em que se assegura ao interessado um conhecimento «pessoal, oficial e formal» do acto de homologação da lista, e é «nisso que consiste uma notificação» (Mário Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e J. Pacheco de Amorim).

5. A notificação de actos que afectem direitos e interesses legalmente protegidos é uma garantia fundamental e a divulgação em jornal oficial ou em edital da notícia de um acto não é (jurídico-publicamente) uma notificação, mas sim uma publicação (Mário Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e J. Pacheco de Amorim).

6. O Código do Procedimento Administrativo (CPA), concretizando o imperativo constitucional, no seu artigo 70.º, alínea d), estatui que as notificações podem ser feitas por edital a afixar nos locais de estilo se os interessados forem desconhecidos ou em tal número que torne inconveniente outra forma de notificação.

7. A notificação edital ou por anúncio apenas é permitida nos casos de desconhecimento dos interessados ou quando estes sejam em grande número.

8. Os Professores Vital Moreira e Gomes Canotilho defendem que os artigos 268.°, n.º 3, da Constituição e 66.° do CPA conferem aos interessados «um direito à notificação» e que esta não pode considerar-se realizada «por qualquer outra via legal sucedânea que não assegure o conhecimento pessoal, oficial e formal dos actos pelos interessados».

9. O Acórdão do Tribunal Constitucional proferido no âmbito do Processo n.º 856/97 vem consagrar doutrina idêntica: «A notificação visa dar conhecimento pessoal aos interessados dos actos administrativos susceptíveis de afectar a sua esfera jurídica».

10. A norma 66.1 do Regulamento dos Concursos de Habilitação ao Grau de Consultor e de Provimento na Categoria de Chefe de Serviço da Carreira Médica Hospitalar, aprovada pela Portaria n.º 177/97, de 11 de Março, interpretada no sentido de que o prazo de impugnação contenciosa de um acto de homologação da lista de classificação final de concurso interno condicionado se conta, para os funcionários que se encontrem presentes no serviço, da data de afixação da lista em local público do mesmo serviço, afixação previamente publicitada em ordem de serviço, atribui à referida afixação um dos efeitos «receptícios» que estão constitucionalmente confiados à notificação.

11. A afixação num átrio do Hospital da referida lista, onde passam milhares de pessoas, e onde são colocadas centenas, senão mesmo milhares de circulares, informações, papéis, entre outras coisas, não cumpre a necessária notificação como garantia constitucionalmente assegurada.

12. A notificação edital, por não garantir a certeza da cognoscibilidade pelos interessados, descaracteriza o conceito de notificação como direito fundamental dos administrados e só excepcionalmente deve ser admitida, com necessidade de ser fundamentada.

13. Nada disto se verifica nos pressupostos da referida norma da Portaria n.º 177/97, de 11 de Março.

14. E um acto normativo de valor inferior não pode suplantar um outro de valor superior, e em especial numa interpretação do sentido de notificação que resulta do artigo constitucional referido.

15. A 27 de Outubro de 1999, a recorrente recebeu o ofício n.º 9713, de 25 de Outubro de 1999, onde o Presidente do Júri entendia que já não havia lugar à audiência de interessados, por parte da candidata, não fazendo qualquer sentido o requerimento referido no artigo supra dando a conhecer que a lista de classificação final tinha sido homologada, a 13 de Agosto de 1999, e afixada.

16. A recorrente nunca teve conhecimento dessa homologação, nem foi dela notificada.

17. Admitir que a afixação da lista no átrio assegura os efeitos constitucionais da notificação, em detrimento da garantia de conhecimento efectivo que a notificação proporciona, constituiria violação do conteúdo essencial de um direito fundamental.

18. A publicação por edital prevista na norma 66.1 do Regulamento dos Concursos de Habilitação ao Grau de Consultor e de Provimento na Categoria de Chefe de Serviço da Carreira Médica Hospitalar, aprovada pela Portaria n.º 177/97, de 11 de Março, não garante a notificação segura aos interessados, pelo que se conclui que interpretada no sentido de que o prazo de interposição de recurso contencioso de anulação do acto de homologação da lista de classificação final de concurso interno condicionado se conta, para os funcionários que se encontrem presentes no serviço, da data de afixação da lista em local público do mesmo serviço é inconstitucional, por violação do artigo 268.º, n.º 3.

19. Assim, só se pode considerar a recorrente notificada a 27 de Outubro de 1999, por ofício n.º 9713, de 25 de Outubro, só sendo a partir daqui que começa a correr o prazo para o recurso contencioso de anulação.”

A recorrida Secretária Regional dos Assuntos Sociais do Governo Regional da Madeira contra-alegou, concluindo:

1. A CRP estabelece, no seu artigo 268.º, n.º 3, a obrigatoriedade da notificação dos actos administrativos e relega a forma que deve...

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