Acórdão nº 371/05 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Julho de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Mota Pinto
Data da Resolução07 de Julho de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 371/05 Processo n.º 607/04 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório

    1. Em 1 de Julho de 2002, o juiz do 2.º Juízo Criminal da Comarca de Lisboa proferiu despacho declarando não prescrito o procedimento criminal contra A., que tivera início em queixa crime apresentada em 10 de Novembro de 1992 pela emissão de cheque sem provisão, com data de 18 de Maio de 1992. De tal despacho apresentou o arguido recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, mas, apesar da resposta do Ministério Público defender a confirmação, na íntegra, do despacho recorrido, na 1.ª instância decidiu-se reparar a decisão, por se ter considerado inconstitucionais “os artigos 335.º e 337.º do CPP/1987, conjugados com o artigo 120.º, n.º 1, al. d), do CP/1982, na interpretação segundo a qual a declaração de contumácia pode ser equiparada à causa aí prevista”, e “os artigos 335.º e 337.º do CPP/1987, conjugado com o artigo 119.º, n.º 1, do CP/1982, na interpretação dada pelo STJ no assento n.º 10/2000”.

      Foi a vez de o Ministério Público apresentar recurso, desta vez para o Tribunal Constitucional, onde foi proferido despacho de aperfeiçoamento, que mereceu resposta nos seguintes termos:

      “O recurso, fundado na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, é reportado à recusa de aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade (violação dos n.ºs 1 e 3 do artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa), das normas constantes dos artigos 335.º e 337.º do Código de Processo Penal de 1987, em conjugação, respectivamente, com as dos artigos 120.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal de 1982, na interpretação segundo a qual a declaração de contumácia pode ser equiparada à causa de interrupção da prescrição aí prevista; e 119.º, n.º 1, do Código Penal de 1982, na interpretação fixada pelo “assento” n.º 10/2000 (enquanto causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal).”

      Nas suas alegações, concluiu assim o Ministério Público:

      1 - Por força do preceituado no n.º 5 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, tem precedência sobre o recurso de fiscalização concreta, interposto para o Tribunal Constitucional, o “recurso ordinário obrigatório, previsto no artigo 446.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, a interpor pelo Ministério Público (nos termos do artigo 80.º, n.º 4, da Lei n.º 28/82) e a dirimir previamente na ordem dos tribunais judiciais, no que se refere à recusa de aplicação da interpretação normativa realizada pelo Supremo Tribunal de Justiça no “assento” n.º 10/2000.

      2 - É inconstitucional, por violação do artigo 29.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa, a interpretação normativa do artigo 120.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal de 1982 – conjugado com as normas que regulam a declaração de contumácia e respectivos efeitos – enquanto faz equiparar, em termos substancialmente inovatórios, para efeitos da interrupção da prescrição do procedimento criminal, o acto de marcação do dia para julgamento em processo de ausentes (nos termos do Código de Processo Penal de 1929) à declaração de contumácia que – nos termos do Código de Processo Penal de 1987 – obsta ao prosseguimento do processo, à revelia do arguido, para a fase de julgamento.

      3 - Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade constante da decisão recorrida.

      O recorrido não apresentou resposta às alegações do Ministério Público, apesar de nestas se defender, como referido, o não conhecimento parcial do recurso.

      Pelo acórdão n.º 412/2003, proferido nos presentes autos, foram julgados “inconstitucionais, por violação do artigo 29.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição, as normas dos artigos 335.º e 337.º do Código de Processo Penal de 1987, conjugados com o artigo 120.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal de 1982 (redacção originária), na interpretação segundo a qual a declaração de contumácia pode ser equiparada, como causa de interrupção do procedimento criminal, à marcação de dia para julgamento em processo de ausentes, aí prevista, assim confirmando, nesta parte, a decisão recorrida”, mas não se tomou conhecimento do recurso “na parte relativa à recusa de aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade, das normas dos artigos 335.º e 337.º do Código de Processo Penal de 1987, conjugados com o artigo 119.º, n.º 1, do Código Penal de 1982 (redacção originária), na interpretação, dada pelo Supremo Tribunal de Justiça no “assento” n.º 10/2000, segundo a qual a declaração de contumácia constitui causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal”.

    2. Transitada em julgado essa decisão, e devolvido o processo à 1.ª instância, foi, pelo Ministério Público, apresentado o recurso que o Tribunal Constitucional considerara prejudicial, em parte, para o Tribunal da Relação de Lisboa. Notificado da motivação do recurso - na qual se defendia a não inconstitucionalidade da dimensão normativa então em causa –, arguido não respondeu.

      Por acórdão tirado em conferência, de 23 de Março de 2004, foi concedido provimento a esse recurso e consequentemente, foi revogada a decisão recorrida e determinado que fosse esta substituída por outra a ordenar o prosseguimento dos autos. Pode ler-se no referido aresto:

      (...)

      A questão a decidir no recurso que agora nos ocupa - interposto após tal decisão do Tribunal Constitucional -, reduz-se, pois, aos efeitos da declaração de contumácia, no que se refere à suspensão da prescrição do procedimento criminal, no domínio da vigência do Código Penal de 1982 e do Código de Processo Penal de 1987.

      Perante as divergências jurisprudenciais surgidas a propósito do tema, o Supremo Tribunal de Justiça fixou, no Acórdão do Pleno das Secções Criminais, de 19 de Outubro de 2000, jurisprudência nos seguintes termos:

      No domínio da vigência do Código Penal de 1982 e do Código de Processo Penal de 1987, a declaração de contumácia constituía causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal.

      O despacho impugnado, como se viu, recusou seguir a orientação da jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

      A questão da constitucionalidade suscitada no despacho recorrido, na parte que agora interessa, não foi ignorada pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de fixação de jurisprudência, constatando-se que a argumentação expendida no despacho impugnado é coincidente com as razões que alicerçaram os votos de vencido de quatro Venerandos Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, apostos no referido “Assento”.

      Tais argumentos não deixaram de ser ponderados, não tendo logrado convencer a larga maioria do Pleno das Secções Criminais,

      E foram já contrariados pelo Acórdão do Tribunal Constitucional de 20 de Outubro de 2002, que decidiu:

      (...) não julgar inconstitucional a norma do artigo 119.º, n.º 1, do Código Penal de 1982, quando interpretada no sentido de abranger, como causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal, a declaração de contumácia (...)

      A fundamentação das divergências relativas à jurisprudência fixada, a que se alude o artigo 445.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, há-de conter argumentos novos, não anteriormente considerados, com virtualidade para colocar em causa a jurisprudência firmada e levar à sua modificação.

      Dado que tal não sucede no presente caso, tem de acatar-se a doutrina do referido “Assento”.

      Assim, na solução do caso que nos ocupa, há-de ter-se presente o seguinte:

      Os factos ocorreram no domínio da vigência do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro, 313.º, n.º 1, e 314.º, alínea c), do Código Penal (versão originária) e do Código de Processo Penal de 1987, sendo, então, puníveis com prisão de 1 a 10 anos, moldura penal que veio a ser alterada para 2 a 8 anos de prisão, nos termos do artigo 218.º, n.º 2, alínea a), com referência à alínea b) do artigo 202.º do Código Penal (na versão de 1995), e, posteriormente, por força da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 316/97, de 19 de Novembro, que alterou o artigo 11.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro, para prisão até 5 anos ou multa até 600 dias.

      Em qualquer caso, o prazo de prescrição do procedimento criminal é de 10 anos, contando-se desde a data da consumação do facto.

      A infracção consumou-se em 18 de Maio de 1992, de harmonia com a acusação deduzida em 26 de Novembro de 1996.

      Por efeito da declaração de contumácia, proferida em 28 de Janeiro de 1998, a prescrição suspendeu-se, nessa data, e só voltou a correr a partir de 1 de Outubro de 2002, data em que foi declarada cessada a situação de contumácia.

      Restavam, então, 4 anos, 3 meses e 20 dias para se completar prazo de prescrição.

      Desde então, decorreram:

      - até à data do despacho recorrido - 29 de Outubro de 2002 - 28 dias, faltando, para se completar a prescrição, 4 anos, 2 meses e 22 dias;

      - até este momento, 1 ano, 4 meses e 22 dias, faltando, agora, para se completar a prescrição, 2 anos, 10 meses e 28 dias,

      Impõe-se, assim, acolher os fundamentos e a pretensão do recurso.

      III. Em face do exposto, decide-se conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a decisão impugnada e determinar que seja substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos.

    3. É desta decisão que vem interposto, pelo arguido, o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo das alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei do Tribunal Constitucional), nos seguintes termos:

      “O recorrente entende que a interpretação dada no douto Acórdão recorrido aos artigos 335.º e 337.º do Cód. Proc. Penal de 1987, conjugado com o artigo 119.º, n.º 1, do Cód. Penal de 1982, na interpretação dada pelo Assento n.º 10/2000, segundo a qual a declaração de contumácia constitui causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal, é inconstitucional, por violação do princípio constitucional consagrado no n.º 1 do artigo 32.º da...

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