Acórdão nº 304/05 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Junho de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Vitor Gomes
Data da Resolução08 de Junho de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 304/05

Processo n.º 413/04

  1. Secção

Relator: Conselheiro Vítor Gomes

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

  1. A. recorreu da sentença proferida pelo Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Gaia (na parte em) que julgou improcedente a acção emergente de contrato de trabalho que propôs contra B.. Por acórdão de 3 de Julho de 2003, o Tribunal da Relação do Porto (Secção Social) negou provimento ao recurso (fls. 926/972). O recorrente pediu a aclaração e a reforma desse acórdão, tendo a Relação, por acórdão de 10/10/2003, esclarecido o acórdão anterior e indeferido o pedido de reforma (fls. 1006/1008). Seguidamente, arguiu nulidades do primeiro acórdão, o que foi indeferido por acórdão de 10 de Dezembro de 2003 (fls. 1031).

    Finalmente, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, de 18 de Novembro (LTC), nele pretendendo ver apreciada [Omitidas já outras questões excluídas pelo relator, no despacho preliminar]:

    “a) a inconstitucionalidade da norma do artigo 77º do Código de Processo do Trabalho na interpretação com que foi aplicada na decisão recorrida, por violação dos artigos 2º, 20º, 202º e 204º da Constituição da República;

    [ ... ]

    As inconstitucionalidades supra referidas foram suscitadas nos autos pelo ora recorrente, nomeadamente no seu pedido de esclarecimento e reforma sobre o acórdão de 03.07.03, na arguição de nulidades sobre o mesmo acórdão e nas suas alegações em sede de apelação (I, Ponto 1, págs. 14, 15 e 16, Conclusões 11 e 12, e IV, págs. 31 e 32, Conclusões 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46 e 47).”

  2. Nas alegações o recorrente pede que seja julgada inconstitucional, por violação dos artigos 2.º, 20.º, 202.º e 204.º da Constituição da República Portuguesa, “a norma constante do artigo 77.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 09 de Novembro, na interpretação segundo a qual, em requerimento endereçado ou dirigido ao juiz de 1ª instância, arguindo-se nulidades da sentença de forma autónoma, expressa e separada, sob um título que aparece em destaque designado “DA ARGUIÇÃO DE NULIDADES DA SENTENÇA”, parte esta que se plasma logo na primeira página do requerimento de interposição de recurso e imediatamente seguintes, a que se segue, por fim e já depois da arguição daquelas nulidades, ainda de forma autónoma e separada, um outro título em destaque designado “DAS ALEGAÇÕES”, que se plasma com início na última página da parte referente àquela arguição de nulidades e até final do mesmo requerimento, as nulidades especificadas não podem ser conhecidas pelo tribunal superior caso sejam antecedidas da expressão “Venerandos Juízes do Tribunal ad quem”, por esta menção significar peça diferente da do requerimento de interposição de recurso”.

    Justifica esta pretensão nos termos seguintes:

    “A VIOLAÇÂO DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA

  3. Como se viu, os arestos recorridos do Tribunal da Relação do Porto incorrem numa ficção jurídica que não tem e não merece o melhor acolhimento ou enquadramento nas normas legais aplicáveis e atrás citadas.

  4. Sempre salvo o devido respeito, constitui convicção do recorrente que, sob o ponto de vista técnico, os acórdãos recorridos, ao não conhecerem das nulidades arguidas pelo recorrente, resolveram deficientemente tal questão de direito.

  5. E mais: fizeram-no com uma leitura enviezada da lei processual, através de uma interpretação nova, inédita e conducente a um formalismo exponenciado para lá dos limites da razoabilidade e do bom senso.

  6. De facto, trata-se de uma nova, redutora, hiper-formal e inaceitável tese sobre a matéria em questão e de uma nova interpretação e fundamentação legais que não podem deixar de padecer de inconstitucionalidade várias.

  7. Sem que, reitera-se, se confunda com o debate do já citado Acórdão n.º 403/2000, de 27.09.2000 (ao contrário do que refere o último acórdão recorrido de fls. 1006/1008), justamente porque ali a arguição de nulidades foi inserida na parte das alegações e não detacada, separada e fora delas.

  8. Negar, na situação dos autos, o conhecimento das nulidades arguidas com o pretexto de que elas foram especificadas ou concretizadas na peça dirigida aos Venerandos Juízes-Desembargadores:

    - quando a peça é una e única (no caso), em devido cumprimento no n.º 1 do artigo 81.º do CPT;

    - quando tal peça foi somente endereçada e entregue no tribunal de 1ª instância;

    - quando a inserção das expressões “Venerandos Juízes Desembargadores” o foi, por ser este, face à lei (art.º 77.º n.º 3 do CPT), o tribunal com competência para decidir da arguição de nulidades;

    - quando estamos perante um texto seguido, que destaca, expressa e separadamente, uma parte a que designa “Arguição de nulidades” e outra parte que designa “Das Alegações”;

    - quando estamos perante um texto dirigido e entregue ao juiz do tribunal recorrido, que claramente separa a arguição de nulidades das alegações, permitindo a este suprir as nulidades se o entender, sem ter que ler uma linha que fosse de alegações;

    - quando é logo na 1ª página (fls. 726) que surge a parte das nulidades da sentença sob o título “DA ARGUIÇÃO DE NULIDADES DA SENTENÇA” – de modo destacado e separado (estendendo-se até fls. 729), prolongando-se até final do requerimento de interposição de recurso – por isso concedendo ao juiz da 1ª instância a imediata percepção da existência de arguição de nulidades no mesmo requerimento.

    constitui óbvia e manifesta inconstitucionalidade material, quanto mais não seja porque revelada e concretizada no sentido de uma interpretação feita no artigo 77.º n. º 1do Código de Processo do Trabalho, que, além de desfazada das restantes normas do mesmo artigo, não podia receber entendimento mais redutor e deturpado.

  9. É interpretação sui generis, que elimina de modo injustificado e particularmente oneroso o direito ao recurso reconhecido pelo Código de Processo do Trabalho e que o artigo 20.º n.º 1 da Constituição da república Portuguesa impede que seja arbitrariamente disciplinado.

  10. Tal argumento e entendimento constitui uma compressão e uma perversão intoleráveis do sentido, do espírito e da letra da norma contida no n.º 1 do artigo 77.º do Código de Processo do Trabalho, desligando-o das restantes normas do mesmo artigo (n.º 2 e n.º 3, que no seu todo deve ser lido e interpretado) e Código, e violando de modo inaceitável a Constituição da República Portuguesa, nomeada e concretamente, os direitos e liberdades fundamentais (artigo 2º da CRP), o princípio pro actione, corolário do direito de acesso ao direito, à justiça e aos tribunais e do princípio da proporcionalidade (art.º 20.º da CRP).

  11. Especialmente atendendo à situação concreta dos autos, o entendimento sufragado pelos acórdãos recorridos do artigo 77.º do Código de Processo do Trabalho não tem como justificar a compreensão e negação do direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais.

  12. No caso sub-judice, aquela interpretação violou esse direito fundamental e princípio constitucionalmente consagrado (art.º 20.º da CRP), como ainda, ofendeu frontalmente a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos do recorrente (art.º 202.º n.º 2 da CRP) e o princípio constante do art.º 204.º da CRP.

  13. De tal modo que, incorporando a arguição de nulidades da sentença no caso concreto, razões de direito de tal modo fortes que, no modesto entender do autor recorrente, por si só justificariam a procedência da acção a final e sendo certo que, ao contrário do que era sua profunda e sincera convicção, as suas alegações de recurso não mereceram o provimento desejado, o seu não conhecimento pelo Tribunal da Relação do Porto com suporte na já referida interpretação, não pode deixar de constituir uma efectiva denegação dos já referidos direitos e princípios constitucionais e, sem o seu respeito, uma verdadeira negação de justiça ao recorrente.

  14. E, apesar de o recorrente não ter enunciado a violação de outros preceitos constitucionais no seu requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, poderão ainda V. Ex.cias – com recurso à norma do artigo 79.º-C da LTC – fundamentar a inconstitucionalidade da norma do n.º 1 do artigo 77.º do Código de Processo do Trabalho, na interpretação acolhida pelos acórdãos recorridos, com fundamento na violação de normas ou princípios constitucionais diversos dos invocados pelo recorrente.

  15. É que, na situação material dos autos impugnação judicial de despedimento deliberado na sequência de processo disciplinar a arguição de nulidades visa justamente e além do mais, demonstrar que da sentença de 1ª instância consta factualidade dada por provada que, nunca por nunca, directa ou indirectamente, alguma vez constou dos autos disciplinares, concretamente da nota de culpa ou da decisão disciplinar...

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