Acórdão nº 137/05 de Tribunal Constitucional (Port, 15 de Março de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução15 de Março de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 137/2005 Processo n.º 450/04 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1. Relatório

A A., impugnou judicialmente, no Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto, a liquidação adicional da “Contribuição Especial” a que se refere o Regulamento da Contribuição Especial (RCE) anexo ao Decreto-Lei n.º 43/98, de 3 de Março, efectuada no processo n.º 88/99, no montante de € 59 939,97 (12 016 886$00), pelo 1.º Serviço de Finanças de Matosinhos, em 23 de Julho de 2001, aduzindo, além do mais, a inconstitucionalidade e a ilegalidade da liquidação efectuada, com fundamento em aplicação retroactiva da Contribuição Especial, por dizer respeito a aumento de valor de prédio em relação ao qual foi requerida a emissão de licença de construção em 17 de Novembro de 1997, anteriormente à data da entrada em vigor daquele diploma legal, e formulando, a final, as seguintes conclusões:

“1.ª – Ficou inequivocamente demonstrado nos presentes autos que a liquidação impugnada é inconstitucional e ilegal, desde logo, porque a tributação em sede de Contribuição Especial resulta, no caso em apreço, de uma aplicação retroactiva do RCE;

2.ª – A aplicação retroactiva decorre de o facto tributário se verificar integralmente em momento anterior à entrada em vigor do RCE;

3.ª – Aquela liquidação é, ainda, ilegal e inconstitucional, uma vez que mesmo que a aplicação do RCE ao caso sub judice não fosse retroactiva, a tributação em sede de Contribuição Especial violaria os princípios constitucionais da tributação do rendimento real, da unicidade do imposto sobre o rendimento e da proporcionalidade;

4.ª – A violação daqueles princípios é uma consequência, não só, do facto de se estar, em concreto, a fazer incidir a tributação sobre quem suportou, por via da aquisição do prédio, o encargo da sua valorização – a ora impugnante – e não quem dela beneficiou – a vendedora –, mas também, admitindo por dever de patrocínio que a impugnante beneficiou, de algum modo, da valorização do aludido prédio e atento o facto de este ter sido posteriormente objecto de venda, da dupla tributação – manifestamente excessiva – do mesmo rendimento em sede de Contribuição Especial e em sede de IRC;

5.ª – Pelo que devem ser anulados os actos de liquidação de contribuição especial sob impugnação.”

Por sentença de 25 de Março de 2003, o juiz do 3.º Juízo do Tribunal Tributário de 1.ª Instância do Porto julgou inconstitucionais as normas conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, e 2.º do Regulamento da Contribuição Especial (RCE), anexo ao Decreto-Lei n.º 43/98, de 3 de Março, por violação da norma do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP), e, em consequência, decidiu anular a liquidação impugnada, desenvolvendo, para tanto, a seguinte fundamentação:

“2.2. O direito aplicável.

A primeira questão que importa decidir é de saber se ocorreu aplicação retroactiva do RCE anexo ao Decreto-Lei n.º 43/98, de 3 de Março.

Vejamos.

Estabelece o artigo 1.º do RCE:

«1 – A contribuição especial incide sobre o aumento de valor dos prédios rústicos, resultante da possibilidade da sua utilização como terrenos para construção urbana, situados nas áreas das seguintes freguesias:

(...)

2 – A contribuição especial incide ainda sobre o aumento de valor dos terrenos para construção e das áreas resultantes da demolição de prédios urbanos já existentes situados nas áreas referidas no número anterior.»

No caso vertente está em causa o aumento de valor de áreas resultantes da demolição de prédios urbanos.

Por sua vez, preceitua o artigo 2.° do mesmo RCE:

«1 – Constitui valor sujeito a contribuição a diferença entre o valor do prédio à data em que for requerido o licenciamento de construção ou de obra e o seu valor à data de 1 de Janeiro de 1994, corrigido por aplicação dos coeficientes de desvalorização da moeda constantes da portaria a que refere o artigo 43.° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, correspondendo, para o efeito, à data de aquisição a data de 1 de Janeiro de 1994 e à de realização a data da emissão do alvará de licença de construção ou de obra.»

A contribuição é devida pelos titulares do direito de construir em cujo nome seja emitido o alvará de licença de construção ou de obra – cfr. artigo 3.° do RCE.

Como resulta das normas que acabámos de transcrever, a contribuição especial prevista no Decreto-Lei n.º 43/98, de 3 de Março, enquadra-se nas chamadas «contribuições de melhoria», que são aquelas em que é devida uma prestação, em virtude de uma vantagem económica particular resultante do exercício de uma actividade administrativa, por parte de todos aqueles que tal actividade indistintamente beneficia – nestes termos, José Casalta Nabais, Direito Fiscal, pág. 40.

Tais contribuições especiais são considerados impostos – cfr. artigo 4.°, n.° 3, da LGT.

Nos termos da própria lei, a contribuição especial criada pelo Decreto-Lei n.º 43/98, de 3 de Março, incide sobre a valorização dos terrenos ocorrida entre 1 de Janeiro de 1994 e a data do requerimento da respectiva licença de construção.

Ou seja, prevê-se nas normas conjugadas dos artigos 1.º, n.° 2, e 2.° do RCE, a tributação de um facto que ocorreu antes da entrada em vigor da lei que a determinou.

Trata-se, portanto, de normas fiscais retroactivas. Com efeito, uma norma é retroactiva quando ela se refere na sua previsão a factos ocorridos anteriormente à sua entrada em vigor, tenham tais factos o valor de factos tributários ou de factos impeditivos (cfr. Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, I, págs. 196-197).

Ora, nos termos do preceito constitucional contido no artigo 103.°, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, «ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei».

Também a norma do artigo 12.°, n.º 1, da Lei Geral Tributária reafirma, ao nível da legislação ordinária, esse princípio constitucional da proibição da retroactividade da lei fiscal:

«As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
7 temas prácticos
7 sentencias
  • Acórdão nº 01156/06 de Tribunal Central Administrativo Sul, 23 de Maio de 2006
    • Portugal
    • 23 Maggio 2006
    ...ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei". Como se expendeu nos Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 81/2005, 137/2005 e 138/2005, o princípio da não rectroactividade dos impostos consagrados nesta disposição com a quarta revisão constitucional operada pela Lei Consti......
  • Acórdão nº 02041/07 de Tribunal Central Administrativo Sul, 27 de Novembro de 2007
    • Portugal
    • 27 Novembre 2007
    ...ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei". Como se expendeu nos Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 81/2005, 137/2005 e 138/2005, o princípio da não rectroactividade dos impostos consagrados nesta disposição com a quarta revisão constitucional operada pela Lei Consti......
  • Acórdão nº 01908/07 de Tribunal Central Administrativo Sul, 25 de Setembro de 2007
    • Portugal
    • 25 Settembre 2007
    ...ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei". Como se expendeu nos Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 81/2005, 137/2005 e 138/2005, o princípio da não rectroactividade dos impostos consagrados nesta disposição com a quarta revisão constitucional operada pela Lei Consti......
  • Acórdão nº 01687/06.6BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 18 de Dezembro de 2014
    • Portugal
    • 18 Dicembre 2014
    ...ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei”. Como se expendeu nos Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 81/2005, 137/2005 e 138/2005, o princípio da não rectroactividade dos impostos consagrados nesta disposição com a quarta revisão constitucional operada pela Lei Consti......
  • Peça sua avaliação para resultados completos

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT