Acórdão nº 708/06 de Tribunal Constitucional (Port, 21 de Dezembro de 2006

Data21 Dezembro 2006
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 708/2006

Processo n.º 702/06

  1. Secção

Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório

    AUTONUM 1.A. vem reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei do Tribunal Constitucional), da decisão sumária de 11 de Outubro de 2006, que decidiu não tomar conhecimento do recurso de constitucionalidade por ele interposto e condená-lo em custas, com sete unidades de conta de taxa de justiça. Tal decisão teve o seguinte teor:

    1. Em 18 de Janeiro de 2006, o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu acórdão decidindo, entre o mais, conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido A., alterando a medida das penas parciais que lhe haviam sido aplicadas, “que passam, cada uma delas, a ser de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, e a pena única, que passa a ser de 4 (quatro) anos de prisão, e o valor da indemnização arbitrada, que passa a ser de 25.000 € (vinte e cinco mil euros), mantendo, em tudo o mais, a decisão recorrida.” (fl. 620 dos autos).

    Deste acórdão recorreu A. para o Supremo Tribunal de Justiça.

    O recurso foi admitido por despacho do relator no Tribunal da Relação de Lisboa de fl. 712 dos autos.

    Na sua resposta, a Magistrada do Ministério Público junto da Relação de Lisboa suscitou questão prévia relativa à inadmissibilidade do recurso, nos termos seguintes:

    1. – O arguido foi condenado, em cúmulo jurídico, na pena de 4 (quatro) anos de prisão pela prática de dois crimes de abuso sexual de pessoa internada, nos termos do disposto no art.º 166.º, n.º 1, al. c), e n.º 2, do C. Penal.

    A pena prevista no n.º 2 do citado artigo é de 1 a 8 anos de prisão.

    Nos termos da alínea f) do n.º 1 do art.º 400.º do C.P.Penal, “não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª Instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos, mesmo em caso de concurso de infracções”.

    2. – O Acórdão ora recorrido confirmou a condenação do arguido, em cúmulo jurídico, na pena única de 4 (quatro) anos de prisão.

    3. – Ora,

    “A irrecorribilidade para o STJ, prevista na alínea f) do n.º 1 do art.º 400.º do Código de Processo Penal, no caso de concurso de infracções, deve ser aferida apenas tendo em conta a moldura penal referente a cada um dos crimes que o integram” – vd. Ac. STJ de 07.12.2005, Proc. 3262, in http//www.dgsi.pt/jstj.

    4. – Além disso, no caso concreto, o arguido, único recorrente, nunca poderá ver agravada a pena (de 4 anos) em que foi condenado (art.º 409.º CPP).

    Essa é a pena máxima aplicável, que coincide, por força da proibição da reformatio in pejus, com a pena aplicada, estando presente o limite da al. f) do n.º 1 do art.º 400.º do C.P.Penal – vide entre outros, Ac. S.T.J. de 12.06.2003 – proferido no Processo n.º 2295/03 – 5.ª Secção em http://www.Pgdlisboa.pt/jurel/SEJ.

    4.[5] – Por último será de ter presente que, no caso concreto, o Acórdão recorrido confirmou parcialmente a decisão da 1.ª instância – no que concerne à condenação –, situando-se a divergência apenas no quantum punitivo.

    Neste caso, também há que o ter como abrangido na expressão da al. f) do n.º 1 do art.º 400.º do C.P.Penal – vd. Ac. STJ de 13.02.2003, de 13.02.2003, Processo n.º 4667/02 – 5.ª Secção – in http://www. pgdlisboa/jurel/STJ.

    Por todo o exposto, o Recurso deverá ser rejeitado, por inadmissibilidade do mesmo. (…)

    Remetidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, o Ministério Público junto do tribunal a quo, em vista do processo, pronunciou-se no sentido de que

    “Tendo presente o disposto nos artigos 400.º, n.º 1, alínea f), do C.P.P. e 166.º, n.ºs 1, alínea c), e 2, do C.P., o recurso não é admissível, devendo agora ser rejeitado – artigos 414.º, n.º 2, e 420.º, n.º 1, ambos do C.P.P.”

    Em resposta ao parecer transcrito, A. veio dizer:

    1.º Dispõe, de uma forma absolutamente clara e pacífica, a alínea f) do n.º 1 do art.º 400.º do Cód. de Proc. Penal, na redacção introduzida pela Lei n.º 59/1998, de 25 de Agosto, que não é admissível recurso “de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1.ª instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos, mesmo em caso de concurso de infracções.”

    2.º Assim sendo, perante uma leitura, ainda que meramente desatenta, do referido normativo legal, não se vislumbra qualquer tipo de colhimento na tese defendida pelo Ministério Público, quer junto do Tribunal da Relação de Lisboa quer junto do Supremo Tribunal de Justiça, que ora se quer em crise,

    3.º A qual, aliás, em momento algum foi, sequer, acompanhada pela Assistente.

    4.º Certo é que inexistem nos presentes Autos quaisquer Acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelo Tribunal da Relação, que confirmassem qualquer decisão de 1.ª instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos, mesmo em caso de concurso de infracções.

    Senão vejamos:

    5.º Conforme consta de fls. dos Autos, o ora Recorrente foi, oportunamente, acusado pelo Ministério Público da prática de 3 (três) crimes de abuso de pessoa incapaz de resistência, p.p. pelos n.ºs 1 e 2 do art.º 165.° do Cód. Penal em concurso aparente com 3 (três) crimes de abuso sexual de pessoa internada, p.p. pelos n.ºs 1 e 2 do art.º 166.º do Cód. Penal,

    6.º Sendo certo que para cada crime de abuso de pessoa incapaz de resistência a pena aplicável seria de 2 a 10 anos,

    7.º E para cada crime de abuso sexual de pessoa internada a pena aplicável seria de 1 a 8 anos.

    8.º Assim sendo, e em face de todo o retro exposto, dúvidas não remanescem sobre a eventual aplicabilidade de uma pena de prisão superior a 8 anos, mesmo em caso de concurso de infracções.

    9.º Ora, realizado o respectivo julgamento (em sede de Tribunal Colectivo) foi, ao ora recorrente, efectivamente determinada pelo Douto Tribunal a sua condenação pela prática de 2 (dois) crimes de abuso sexual de pessoa internada, p.p. pela alínea c) do n.º 1 e pelo n.º 2, ambos do art.º 166.º do Cód. Penal, numa pena de 5 anos de prisão para cada crime.

    10.º Uma vez mais, conclui-se, com uma pena aplicável e não aplicada superior a 8 anos,

    11.º Sendo, efectivamente, condenado no cúmulo jurídico numa pena única de 6 anos de prisão.

    12.º Certo é que, o ora exponente, não concordando com tal decisão, interpôs o competente recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa.

    13.º Julgado o respectivo recurso foi, por este Tribunal, concedido provimento parcial ao recurso, alterando a medida das penas parciais para 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, numa pena única de 4 (quatro) anos de prisão efectiva.

    14.º Analisado o respectivo conteúdo de tal acórdão, e não se conformando, igualmente, com o respectivo teor, interpôs, o ora exponente, nos termos e para os efeitos da alínea h) do n.º 1 do art.º 61.º, da alínea b) do n.º 1 do art.º 401.º, dos n.ºs 1 e 3 do art.º 411.º e do art.º 432.º, todos do Cód. de Proc. Penal, o presente Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça,

    15.º Sendo tal petitório, conforme fls. dos Autos, em 15 de Fevereiro de 2006, admitido pelo ilustre Juiz Desembargador, com subida imediata e com efeitos suspensivos.

    16.° Em face do exposto, é inquestionável inexistir qualquer base de sustentação para uma eventual rejeição do presente recurso, conforme o requerido pelo ilustre magistrado do Ministério Público.

    Mas mais:

    17.º Conforme refere Maia Gonçalves in “Cód de Proc. Penal anotado. 2005”, a alínea f), do supra citado art.º 400.º, n.º 1, do Cód. de Proc. Penal, referindo-se a pena aplicável e não a pena aplicada, manifestamente não alude à pena que foi efectivamente aplicada, mas à moldura geral abstracta.

    18.º Ora tal moldura, no caso vertente, é manifestamente superior a 8 anos de prisão,

    19.º Legitimando, também por aí, o presente recurso.

    20.º Certo é que, sobre esta matéria, também a jurisprudência tem sido pacífica, vide, a título meramente exemplificativo, Ac. do STJ de 14 de Fevereiro de 2002 produzida no Proc. 380/02-5.ª: SASTJ n.º 58,68, Ac. do STJ de 8 de Janeiro de 2003, lavrada no Proc. 4221/02-3.ª SASTJ n.º 67,65 e Ac. do STJ de 22/9/99, in CJ, Ano VII-199-Tomo III, p. 154.

    21.º Em conclusão, não assiste qualquer razão, factual ou jurídico, que assista ao Parecer do ilustre Magistrado do Ministério Público, devendo ser mantida a (boa) decisão proferida pelo Juiz Desembargador que admitiu o recurso interposto pelo ora exponente.

    Por acórdão de 18 de Maio de 2006, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu, em conferência, rejeitar o recurso, pelos seguintes fundamentos:

    II. Está em causa a questão da inadmissibilidade do recurso interposto do acórdão da Relação de Lisboa com fundamento no disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal.

    Nos termos deste preceito, não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão da primeira instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a 8 anos, mesmo em caso de concurso de infracções.

    O recorrente foi acusado pelo Ministério Público da prática de três crimes de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, previstos e punidos pelo artigo 165.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, com prisão de 2 a 10 anos, em concurso aparente com três crimes de abuso sexual de pessoa internada, previstos e punidos pelo artigo 166.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo diploma.

    Na 1.ª instância, com base na factualidade provada, considerou-se que faltou o elemento objectivo do crime de abuso sexual de pessoa incapaz de oferecer resistência, consistente na incapacidade da vítima em exprimir a sua vontade, bem como o elemento subjectivo, traduzido no aproveitamento por parte do arguido da situação de incapacidade do ofendido de opor...

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