Acórdão nº 691/06 de Tribunal Constitucional (Port, 19 de Dezembro de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Gil Galvão
Data da Resolução19 de Dezembro de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 691/2006

Processo n.º 937/06

  1. Secção

Relator: Conselheiro Gil Galvão

Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório

    1. Nos presentes autos, em que figuram como recorrente o A., S.A. e como recorrido B., o ora recorrente instaurou acção com processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias e, “em complemento do já referido na petição inicial”, veio juntar aos autos um requerimento em que pretende

      “[...] ainda deixar expresso que, a Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril, na parte e na medida em que altera a redacção do artigo 110º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, é inconstitucional, e consequentemente, a referida alínea a) do n.º 1 do dito artigo 110º, com a mencionada redacção, é inconstitucional — logo inaplicável pelos Tribunais “ex-vi” o disposto no artigo 204° da Constituição da República Portuguesa — na interpretação que permita a aplicação do disposto no referido artigo 110º, n.º 1, alínea a), a contratos celebrados anteriormente à publicação da referida Lei em que as partes tenham optado, nos termos do artigo 100º, n.ºs 1, 2, 3 e 4 do Código de Processo Civil, por um foro convencional no que respeita à competência dos Tribunais em razão do território, por violação dos princípios da adequação, da exigibilidade e da proporcionalidade, e da não retroactividade consignado nos artigos 18°, n.ºs 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa e, também ainda, por violação dos princípios da segurança jurídica e da confiança corolários ambos do Estado de Direito Democrático consagrado no artigo 2° da Constituição da República Portuguesa, donde o Tribunal de Lisboa ser o competente para conhecer da presente acção.”

    2. Por decisão de 20 de Julho de 2006, foi julgada “verificada a excepção dilatória de incompetência relativa do Tribunal e, consequentemente, determina[da] a remessa dos presentes autos para o Tribunal territorialmente competente”. O Tribunal fundamentou assim a decisão:

      “[...] Atenta a entrada em vigor da Lei n.° 14/2006, de 26-04 [que, além do mais, procedeu à alteração do Código de Processo Civil, introduzindo a regra da competência do tribunal da comarca do réu para as acções relativas ao cumprimento de obrigações], já vigente à data da apresentação da presente acção (sendo por isso aplicável in casu, por força do disposto no artigo 6.° do referido diploma legal), importa ter em consideração o disposto no artigo 74.°, n.° 1, do Código de Processo Civil [na redacção dada pelo mencionado diploma], nos termos do qual “A acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução do contrato por falta de cumprimento é proposta no tribunal do domicílio do réu [...]”.

      Nestes termos, subsumindo-se a presente acção à primeira parte do citado preceito (dado que está em causa o cumprimento de obrigações, sendo o réu uma pessoa singular), necessário se torna concluir que o tribunal competente para a apreciação da mesma é o tribunal do domicílio do réu, sendo certo por outro lado que por força do disposto no artigo 110.º, n.° 1, alínea a), do Código de Processo Civil [na citada redacção], tal incompetência é de conhecimento oficioso.

      Sustenta o A. que o supra mencionado preceito não é aplicável ao caso em apreço, alegando por um lado que as partes estipularam validamente como foro convencional o da Comarca de Lisboa (cfr. artigo 24.° da PI) e, por outro, que a citada Lei n.º 14/2006 é inconstitucional na medida em que permita a aplicação do disposto no artigo 110°, n.º, alínea a), do Código de Processo Civil a contratos celebrados antes da sua entrada em vigor (cfr. requerimento que faz fls. 20 dos autos).

      Afigura-se-nos, porém, salvo o devido respeito e melhor apreciação, que os argumentos aduzidos pelo A. se mostra[m] improcedentes.

      No que respeita à invocada estipulação convencional do foro [da Comarca de Lisboa] para dirimir o presente litígio, importa ter em atenção desde logo que a lei apenas permite às partes afastarem - mediante convenção expressa nesse sentido - as regras da competência em razão do território em determinados casos, estando expressamente excluídos desse âmbito os casos em que a incompetência é do conhecimento oficioso do tribunal - cfr. artigos 100., n.º 1, in fine, e 110.º do Código de Processo Civil. Assim sendo, e considerando ainda que [] a incompetência em apreço é [agora] de conhecimento oficioso, imperioso se torna concluir que tal estipulação de foro convencional, ainda que porventura fosse válida à data da celebração do contrato, já não é, presentemente, válida, sendo por isso insusceptível de afastar a regra - que assume agora natureza imperativa - prevista na primeira parte do n.º 1 do artigo 74.° do Código de Processo Civil, sendo certo ainda que o legislador não fez qualquer ressalva relativamente à aplicação de tal preceito aos casos em que as partes tivesse previamente estipulado um foro convencional, adoptando como único critério para a aplicação da lei o momento da instauração da acção.

      Por outro lado, ao contrário do que sustenta o A., afigura-se-nos que a aplicação da actual redacção dos artigos 74.°, n.º 1 e 110.°, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, à presente acção [subjacente à qual está um contrato celebrado antes da sua entrada em vigor, no qual havia sido incluída a estipulação de um foro convencional] não consubstancia qualquer violação dos invocados princípios constitucionais, uma vez que sendo tal redacção apenas aplicável aos processos instaurados após a entrada em vigor da mencionada lei, não poderá em bom rigor falar-se em aplicação retroactiva da lei, na medida em que à data da instauração da acção o A. estava já ciente do carácter imperativo da [nova] regra e, consequentemente, da ineficácia da estipulação contratual em contrário. A este respeito, acrescente-se ainda que - ao contrário do que parece resultar da posição expressa pelo A. no requerimento por si apresentado a fls. 18 - da eventual validade (pelo menos em abstracto) da estipulação do foro aquando da celebração do contrato não resulta para as partes um qualquer direito ou uma qualquer legítima expectativa de que tal cláusula permaneça válida indefinidamente no tempo, uma vez que os interesses particulares (inerentes à celebração do contrato em apreço) estarão sempre subordinados aos interesses públicos inerentes às regras da administração da justiça e - no caso...

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