Acórdão nº 522/06 de Tribunal Constitucional (Port, 26 de Setembro de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Moura Ramos
Data da Resolução26 de Setembro de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 522/2006

Processo nº 110/06

  1. Secção

Relator: Conselheiro Rui Moura Ramos

Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional

I- A causa

1. A Caixa Geral de Aposentações recorre a fls. 167 – sendo recorrida A. – para este Tribunal, nos termos do artigo 70º, nº 1, alínea a) da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (LTC), do Acórdão, constante de fls. 155/163vº, do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), indicando como norma recusada nesta decisão o artigo 41º, nº 2 do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, aprovado pelo Decreto-Lei nº 142/73, de 31 de Março, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 191-B/79, de 25 de Junho (o diploma será doravante designado EPS).

Para uma exacta compreensão do que está em causa no presente recurso de constitucionalidade, importa relatar sucintamente o percurso processual que conduziu o processo à presente fase decisória.

1.1. Interpôs a ora recorrida (fls. 2/4), no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – e assim se iniciou o presente processo –, uma acção ordinária, contra a Caixa Geral de Aposentações, pedindo o reconhecimento por esta entidade da sua (da aqui recorrida) situação de carência de alimentos e da qualidade de herdeira hábil da pensão de sobrevivência, decorrente do falecimento do seu “cônjuge de facto”, subscritor da referida Caixa.

Foi tal acção julgada procedente (cfr. Fls. 82/87), consignando-se na Sentença ser “[a] pensão […] devida desde o início do mês seguinte ao do falecimento do beneficiário ( artigo 36º, nº 3 [do] Decreto-Lei nº 322/90) […]” (transcrição de fls. 87).

1.1.1. Inconformada, apelou a Caixa Geral de Aposentações, delimitando o recurso ao trecho da decisão antes transcrito (data do início do pagamento da pensão).

Decidindo o recurso, consignou o Tribunal da Relação de Coimbra (Acórdão de fls. 124/126), fundamentando a confirmação da Sentença de 1ª instância:

“[…]

A base do direito à pensão de sobrevivência não é o requerimento do respectivo pagamento, mas a habilitação demonstrativa das condições.

É com a habilitação que se adquire o reconhecimento do direito e quando o beneficiário se apresenta, munido da sentença proferida na habilitação judicial, a requerer o seu pagamento, vai executar esse direito.

Dito de outro modo, é com a habilitação que se requer a pensão, funcionando aquela como condição ou causa de pedir desta.

Concluímos: o pronome «a» do inciso do texto «em que a requeira» da norma do artigo 41º, nº 2 do [EPS] refere-se à habilitação judicial e não ao requerimento do pagamento da pensão a apresentar na CGA.

Assim sendo, quanto ao pagamento da pensão, por analogia, secundada pelo princípio da igualdade num ponto em que as situações díspares são legalmente identificadas, deve aplicar-se o disposto no artigo 30º [do EPS] para a habilitação administrativa:

- Se a habilitação judicial for requerida no prazo de seis meses contados da data em que se verificar o óbito do contribuinte, presumindo-se que a necessidade de alimentos já existe no momento do óbito, a pensão de sobrevivência é devida desde o dia 1 do mês seguinte àquele em que ocorreu o óbito do contribuinte;

- Só é devida desde o dia 1 do mês seguinte àquele em que foi requerida a habilitação judicial, se esta, por inércia do sobrevivente ou por ocorrência superveniente das condições da habilitação, for requerida depois de esgotado o prazo de seis meses a contar do óbito do contribuinte.

[…] Ora, no caso, tendo o óbito do subscritor da CGA [,,,] ocorrido em 10/08/2002 e tendo sido instaurada a presente acção de habilitação judicial em 28/10/2002, isto é, dentro do prazo de seis meses a contar daquele óbito, a pensão de sobrevivência da autora é devida desde o dia 1 de Setembro de 2002, mês seguinte àquele em que se verificou o óbito do contribuinte.

[…]”

[transcrição de fls. 125vº/126]

1.1.2. Recorreu de novo a Caixa Geral de Aposentações, desta feita de revista para o STJ (interposição a fls. 131, alegações a fls. 137/141), originando tal recurso a prolação do mencionado Acórdão de fls. 155/163v, a decisão ora recorrida, da qual apresentam interesse para o presente recurso de constitucionalidade as seguintes passagens:

“[…] a única questão colocada na revista é a de saber se, no caso concreto, o direito à pensão de sobrevivência se conta a partir do 1º dia do mês seguinte àquele em que se requeira tal prestação social, como pretende a recorrente, ou a partir do mês seguinte ao do falecimento do beneficiário, como se decidiu na sentença de 1ª instância e foi confirmado pelo acórdão recorrido.

[…]

Segundo o disposto no artigo 41º, nº 2 do [EPS], [transcrição da norma].

Por sua vez, o Decreto Regulamentar nº 1/94, que define as condições de atribuição da pensão de sobrevivência aos casos de união de facto (na sequência do Decreto-Lei nº 322/90, de 18 de Outubro, que consagrara a extensão do regime jurídico da protecção da segurança social na eventualidade da morte aos referidos casos de união de facto) estabelece no seu artigo 6º [transcrição da norma].

Por conseguinte temos em vigor dois regimes de segurança social, ambos garantindo às pessoas que se encontrem nas condições previstas no artigo 2020º do Código Civil a pensão de sobrevivência que ambos os regimes consagram.

O regime do [EPS] aplica-se aos funcionários e agentes da Administração Pública, enquanto o regime do Decreto-Lei nº 322/90, regulamentado pelo Decreto Regulamentar nº 1/94, de 18 de Janeiro, estabelece o regime geral da Segurança Social.

Ora, no que agora nos interessa, isto é, a partir de que momento é devida a pensão de sobrevivência, há diferenças nos ditos 2 regimes, pois, enquanto no regime geral a pensão é devida a partir do início do mês seguinte ao do falecimento do beneficiário, quando a pensão for requerida nos 6 meses posteriores ao trânsito em julgado da sentença que reconheça o direito a alimentos, ou a partir do início do mês seguinte ao da apresentação do requerimento, se ele foi entregue depois dos referidos 6 meses, no regime do [EPS], a pensão é devida, sempre a partir do dia 1 do mês seguinte àquele em que for requerida.

É certo que o artigo 30º, nº 1 do [EPS] contém regra semelhante à do artigo 6º do Decreto Regulamentar nº 1/94, visto que, determina que a pensão “é devida desde o dia 1 do mês seguinte àquele em que se verificar o óbito do contribuinte quando pedida no prazo de 6 meses contados a partir da mesma data, ou desde o dia 1 do mês seguinte ao da apresentação do requerimento no Montepio quando solicitado, a todo o tempo, depois de esgotado aquele prazo”.

Porém, para que não surjam confusões, convém notar que este preceito não tem aplicação aos casos de união de facto, para os quais existe o preceito específico do artigo 41º, nº 2 [do EPS].

O referido artigo 30º, nº 1 aplica-se a todos os casos em que a qualidade de herdeiro hábil não está dependente de qualquer sentença judicial que reconheça o direito a alimentos, isto é, aos casos em que essa qualidade resulta directamente da lei, como é o caso do cônjuge sobrevivo, dos filhos, descendentes e ascendentes (cfr. Artigo 40º).

O artigo 41º […] aplica-se aos casos em que a qualidade de herdeiro hábil, para efeitos de pensão de sobrevivência, só se adquire após sentença judicial que reconheça o direito a alimentos, como é o caso do ex-cônjuge e das pessoas em situação de união de facto.

Assim, sendo o âmbito de aplicação do artigo 30º, nº1 e 41º, nº 2 completamente distinto, não nos parece viável a interpretação sistemática levada a efeito pelo acórdão recorrido.

Além disso, a sentença judicial não se requer. É o resultado lógico e final da instauração de uma acção, no caso, de simples apreciação.

O que se requer, perante a Caixa Geral de Aposentações, depois de obtida a sentença a reconhecer o direito a alimentos, é a pensão de sobrevivência, daí que o pronome «a» contido na parte final do artigo 41º, nº 2 do EPS «… e a pensão de sobrevivência será devida a partir do dia 1 do mês seguinte àquele em que a requeira…», refere-se ao requerimento para a atribuição da pensão que terá de ser entregue à entidade competente para o seu pagamento só depois de obtida a referida sentença judicial a reconhecer o direito a alimentos de quem se arroga o direito à pensão.

[…]

Não se refere, pois, na nossa opinião o pronome «a» a qualquer habilitação judicial que, aliás, não é exigida.

[…]

Posto isto podemos concluir que, segundo o disposto no artigo 41º, nº 2 do [EPS], diploma aplicável ao caso concreto, a pensão de sobrevivência […] só seria devida a partir de 1 do mês seguinte àquele em que for requerida.

A situação é, por isso, mais desfavorável do que no caso de o beneficiário e companheiro falecido da A. Estivesse vinculado ao regime geral da Segurança Social, caso em que a pensão seria devida a partir do...

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