Acórdão nº 1254/17.9YRLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelPINTO DE ALMEIDA
Data da Resolução01 de Outubro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]: I.

AA, S.A. e BB vieram intentar contra CC, S.A a presente acção de anulação da sentença arbitral que julgou parcialmente procedente a acção proposta pela Ré CC contra os aqui Autores, tendo estes sido condenados a pagar àquela demandante a totalidade dos danos futuros resultantes do incumprimento do Acordo Parassocial e a entregar à demandante a totalidade das suas acções no capital de DD por aplicação da pena convencional prevista na cláusula 13.ª do Acordo Parassocial.

Concluíram, em síntese, que a sentença arbitral ofendeu de modo grave e manifesto os princípios da proporcionalidade das prestações e das indemnizações, da proibição de indemnizações punitivas em matéria cível, proibição do abuso de direito, proibição das medidas discriminatórias ou espoliadoras, da proibição do locupletamento à custa de outrem, integradores da ordem pública internacional do Estado Português (art.º 46/3, alínea b), os princípios processuais de igualdade e do contraditório com influência na decisão do litígio (art.º 46/3/a da LAV) tendo a sentença condenado em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido (art.º 46/3/a da LAV).

A Ré CC opôs-se ao pedido de anulação.

Em douto acórdão, a Relação de Lisboa julgou a acção improcedente, absolvendo a ré do pedido.

Inconformados com esta decisão, os autores vieram pedir revista, formulando as seguintes conclusões: 1. A acção de anulação da sentença arbitral foi directamente instaurada no Tribunal da Relação, que se pronuncia em primeira instância sobre as questões que fundamentam o pedido de anulação, pelo que o presente recurso é admissível (vd. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-11-2016 (processo 1052/14.1TBBCL.P1.S1, www.dgsi.pt.) 2. Os recorrentes não se conformam com o douto acórdão recorrido que julgou improcedente a acção de anulação da sentença arbitral proferida no processo que a ora recorrida CC, S.A instaurou contra os ora recorrentes no CENTRO DE ARBITRAGEM COMERCIAL da CÂMARA DE COMÉRCIO E INDÚSTRIA PORTUGUESA - vd. pág. 1 e 2 da sentença arbitral junta com a acção de anulação sob o documento nº 4.

  1. A mencionada sentença arbitral condenou os ora recorrentes a pagar à recorrida a totalidade dos danos futuros resultantes do incumprimento do Acordo Parassocial e a entregar a totalidade das suas ações no capital da DD, por aplicação da pena convencional estipulada na cláusula 13ª do Acordo Parassocial - vd. pág. 64 da certidão da sentença arbitral junta sob o documento nº 4.

  2. A sentença arbitral foi proferida com declaração de voto do árbitro Prof. Menezes Cordeiro, por este entender que a dupla condenação conduz a uma situação de desequilíbrio no exercício do direito, oficiosamente judicável e vedada pela ordem pública internacional - vd. da certidão da sentença arbitral junta sob o documento nº 4.

    São as seguintes as questões suscitadas na acção de anulação da decisão arbitral e que constituem o objecto do presente recurso, seguindo a sistematização elaborada a págs. 24/25 do douto acórdão recorrido: I) VIOLAÇÃO DA ORDEM PÚBLICA INTERNACIONAL DO ESTADO PORTUGUÊS (art. 46.°, nº 3, alínea b), ii) da LAV) 5. Nesta sede o douto acórdão recorrido entendeu que a decisão arbitral não excedeu de forma manifesta os limites impostos pela boa-fé e bons costumes, nem o princípio da proporcionalidade ou qualquer outro princípio integrado na ordem pública, o que, com o devido respeito, não é correcto face aos elementos constantes do processo.

  3. No que se refere aos comentários que o acórdão recorrido faz à declaração de voto do árbitro Prof. Dr. Menezes Cordeiro, cumpre esclarecer que Menezes Cordeiro é do entendimento de que por regra as decisões arbitrais devem ser tomadas por unanimidade, de modo a evitar enfraquecer as arbitragens, apenas admitindo o voto de vencido em casos excepcionais - Tratado da Arbitragem Comentário á lei 63/2011 de 14 de dezembro, Almedina, 2015 pág. 403 7. Foi precisamente isso que sucedeu no caso dos autos e que levou o árbitro Prof. Menezes Cordeiro a proferir voto de vencido, por ter havido uma dupla condenação, que conduz a uma situação de desequilíbrio no exercício do direito e que é proibida pela ordem pública internacional - vd. Declaração de voto anexa á sentença arbitral.

  4. Tal como consta do objeto do litígio definido pelo Tribunal Arbitral, estão em causa as seguintes situações de incumprimento do Acordo Parassocial alegadas pela demandante CC (vd. pág. 5 da sentença arbitral junta sob o documento nº 4): a) Incumprimento da declaração contida na Cláusula 5.1, alínea s), do Contrato de Opção de Compra de Ações (custos suportados pelo GRUPO EE) b) Incumprimento da declaração contida na Cláusula 5.1, alíneas m) e o), do Contrato de Opção de Compra de Ações (falta de títulos válidos sobre imóveis necessários ao regular exercício da atividade do GRUPO EE) c) Violação do dever de lealdade subjacente à relação parassocial d) Incumprimento da declaração contida na Cláusula 5.1, alínea g), do Contrato de Opção de Compra de Ações (ocultação à Demandante da existência de uma obrigação decorrente de um acordo de fixação de preço celebrado entre a EE e a FF em 2011) 9. Todos os pedidos formulados pela demandante CC relacionados com as três primeiras questões acima elencadas de alegado incumprimento do Acordo Parassocial foram julgados improcedentes (págs. 41 e 44 da sentença arbitral).

  5. Quanto à quarta questão (ocultação à Demandante da existência de uma obrigação decorrente de um acordo de fixação de preço celebrado entre a EE e a FF em 2011), o tribunal arbitral entendeu que o acordo de fixação de cobre de 2011 devia estar mencionado nas demonstrações financeiras da EE (pág. 36 da sentença arbitral) e que tal desconformidade não se deve a culpa dos demandados - pág. 39 da sentença arbitral junta com a acção de anulação sob o documento nº 4.

  6. Com vista a esclarecer as circunstâncias em que o Tribunal arbitral decidiu esta matéria, importa indicar previamente a seguinte matéria constante dos factos provados: - A Cláusula 13.ª, nº 1, alínea b) do Acordo Parassocial prevê que se verifica uma "Situação de Incumprimento" se os recorrentes AA e/ou BB violarem ou incumprirem qualquer das obrigações, assim como das declarações e garantias prestadas em benefício do FUNDO DE REESTRUTURAÇÃO EMPRESARIAL, constantes da Cláusula 5.1 a 5.3 do Contrato de Opção – nº 12.2 dos factos provados a pág. 13 da sentença arbitral junta com a acção de anulação sob o documento nº 4.

    - A cláusula 13.ª, nº 2 do Acordo Parassocial prevê que no caso de uma situação de incumprimento, a parte não faltosa terá o direito de exercer uma opção de compra sobre todas as ações que a parte faltosa detenha – nº 12.3 dos factos provados a pág. 13/14 da sentença arbitral junta com a acção de anulação sob o documento nº 4.

    - A cláusula 13.ª, nº 5 do Acordo Parassocial, prevê que o incumprimento por qualquer das partes de obrigações por estas assumidas confere às demais partes o direito a receber da parte incumpridora uma indemnização pelos danos sofridos – nº 12.5 dos factos provados a pág. 15 da sentença arbitral junta com a acção de anulação sob o documento nº 4.

    O ACORDO DE FIXAÇÃO DE PREÇO DE COBRE CELEBRADO ENTRE A EE E A FF EM 2011 12. Como consta do nº 19 e nº 22 dos factos provados, em 10.02.2011 a EE e a FF celebraram um acordo de fixação de preço, relativo a 450 toneladas de cobre - pág. 16 e 17 da sentença arbitral junta com a acção de anulação sob o documento nº 4.

  7. As 450 toneladas de cobre representavam cerca de 3% do volume de cobre que a EE comprava anualmente – nº 29 dos factos provados a pág. 18 da sentença arbitral junta com a acção de anulação sob o documento nº 4.

  8. E como está consignado no nº 20 dos factos provados, a EE celebrou o referido acordo a fim de obter o cobre necessário para fabricar cabos encomendados por um cliente situado na ..., cabos esses que seriam fornecidos ao cliente final GG (GG) - pág. 17 da sentença arbitral junta com a acção de anulação sob o documento nº 4.

  9. Sucedeu que, como consta do nº 25 dos factos provados, a inopinada guerra civil da ..., que eclodiu em meados de fevereiro de 2011, afetou as relações comerciais da EE com os seus clientes ..., entre os quais a GG, e fez com que a GG suspendesse a encomenda - pág. 17 da sentença arbitral junta com a acção de anulação sob o documento nº 4.

  10. Por força de tal facto as 450 toneladas de cobre do acordo de 2011 não foram entregues pela FF nem foram pagas pela EE nas datas acordadas – nº 32 dos factos provados a pág. 18 da sentença arbitral junta com a acção de anulação sob o documento nº 4.

  11. Desde Junho de 2011 até Novembro de 2013 a FF não reclamou o pagamento das 450 toneladas de cobre á EE – nº 34 dos factos provados a pág. 19 da sentença arbitral junta com a acção de anulação sob o documento nº 4.

  12. A recorrida CC, por carta de 11.06.2014 (vd. documento A19 junto com a petição inicial do processo arbitral constante da certidão integral do processo arbitral junta com a acção de anulação sob o documento nº 5), interpelou os ora recorrentes para sanarem alegados incumprimentos do Contrato de Opção e do Acordo Parassocial, reclamando uma indemnização no valor global de 3.014.096,37 Euros (nº 60 dos factos provados a pág. 23 da sentença arbitral).

  13. Por carta de 09.07.2014 os recorrentes responderam às interpelações da recorrida, rejeitando a existência de qualquer incumprimento contratual (nº 62 dos factos provados a pág. 24 da sentença arbitral).

  14. Por carta de 14.07.2014 (vd. documento A114 junto com a petição inicial do processo arbitral constante da certidão integral do processo arbitral junta com a acção de anulação sob o documento nº 5), a recorrida CC considerou definitivamente incumprido o Contrato de Opção e o Acordo Parassocial e exerceu a pena contratual de aquisição da totalidade das acções da recorrente, alegando que os recorrentes não sanaram os alegados incumprimentos nem procederam ao pagamento da...

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