Acórdão nº 509/06 de Tribunal Constitucional (Port, 26 de Setembro de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Moura Ramos
Data da Resolução26 de Setembro de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 509/2006

Processo nº 570/06

  1. Secção

Relator: Conselheiro Rui Moura Ramos

Acordam, em conferência na 1ª Secção do Tribunal Constitucional

  1. Relatório

    1. Nos presentes autos de recurso, vindos do Tribunal da relação do Porto, em que são recorrentes A. e B. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC).

      Do requerimento de interposição foi feito constar o seguinte teor:

      A. e B., Recorridos nos autos à margem identificados, notificados do aliás douto de acórdão de fls. dos autos que confirmou a decisão recorrida e julgou parcialmente procedente o recurso interposto pelo Ministério Público vêm, nos termos e ao abrigo do disposto nos arts. 280, alínea b), da Constituição da República Portuguesa e art.°70°, n.º 1°, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, interpor recurso daquela decisão para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, nos termos seguintes:

      1. Os Recorrentes não se conformam com o douto acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto que considerou conformes com a Constituição da Republica Portuguesa a disposição normativa do art°. 11, n°. 7, do RJIFNA, condicionando a suspensão da pena de prisão aplicada aos Arguidos, ora Recorrentes, ao pagamento ao estado, durante o período da suspensão da prestação tributária e acréscimos legais, pelo que dele interpõem recurso para o Tribunal Constitucional.

      2. Os Recorrentes suscitaram a questão da (in)constitucionalidade da norma em causa nas contra-alegações de recurso que apresentaram no âmbito do recurso interposto pelo Ministério Público, pelo que se encontra preenchido o requisito estabelecido pelo art°. 75°-A, n°. 2, da Lei do Tribunal Constitucional, para a fiscalização concreta da constitucionalidade.

      3. O recurso é tempestivo por ser interposto dentro do prazo estabelecido no art. n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, contando-se o seu início da notificação da decisão recorrida.

      […]

      6. A inconstitucionalidade cuja apreciação se requer consiste em violar aquela disposição legal os princípios fundamentais da igualdade, proporcionalidade, adequação e proibição da “prisão por dívidas” estabelecidos nos arts. 13°, 18° e 27° da Constituição, quando interpretada com o sentido de a pena de prisão cuja suspensão foi decretada dever ser condicionada ao pagamento dos impostos e acréscimos legais, apesar de declarada e demonstrada a insolvência/falência do agente e a sua manifesta insuficiência económica para o pagamento dessas quantias.

      7. Requer-se, igualmente, a apreciação da inconstitucionalidade da norma do art. 11°-7 do RJIFNA no sentido de que a mesma não pode ser interpretada como condicionante da suspensão da pena de prisão quando está em causa a condenação de mais do que um arguido/agente uma vez que não esclarece qual a medida do pagamento que é imputado a cada um, sendo certo que é inconstitucional, por violação do principio da proporcionalidade constante art°. 18° da Constituição, quando interpretada no sentido de que cada um dos agentes/arguidos fica obrigado ao pagamento da totalidade da divida de imposto e acréscimos legais, independentemente do pagamento que o ou os demais arguidos efectue desses mesmos impostos com vista a igual suspensão da execução da pena.

      8. A decisão recorrida é omissa quanto a esta questão, o mesmo sucedendo com a previsão normativa do art. 11-7 do RJFINA; acresce que a sua (in)constitucionalidade não poderia ter sido anteriormente suscitada uma vez que o Tribunal de 1ª Instância não condicionou a suspensão da pena aplicada ao pagamento dos impostos e acréscimos legais.

      9. Assim, impõe-se agora apreciar a interpretação do sentido da norma, designadamente declarando a sua inconstitucionalidade quanto interpretada como dela decorrendo que a obrigação de efectuar o pagamento dos impostos como condicionante da suspensão da pena de prisão não é uma obrigação solidária.

      10. Por último refere-se que não se desconhece existir jurisprudência oriunda do Tribunal Constitucional que é contrária à perfilhada pelos Recorrentes. Não obstante, verdade é que o Tribunal Constitucional, na apreciação que fez da constitucionalidade em concreto da norma em causa não apreciou, porque tais questões lhe não foram submetidas, a circunstância de o agente estar declarado falido/insolvente e o modo como, sendo vários os agentes, como deve interpretar-se o pagamento que condiciona a suspensão da pena de prisão.

      […]

    2. Por se haver entendido que não podia conhecer-se do objecto do recurso, foi proferida a decisão sumária ora reclamada.

      Da fundamentação aí utilizada, são de destacar, com relevo para a decisão a proferir, as seguintes as passagens:

      O presente recurso foi interposto ao abrigo da al.b) do n.º1 do art.70º da LTC, preceito que se refere àqueles que tenham por objecto decisões que apliquem norma cuja constitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.

      Conforme sabido é, tais recursos encontram-se dependentes, quanto à possibilidade da sua admissão, da verificação cumulativa dos requisitos enunciados no n.º2 do art.72º do referido diploma, pressupondo, por consequência, que a questão de inconstitucionalidade pretendida sujeitar aos poderes de controlo cometidos a este Tribunal haja sido suscitada “durante o processo”, “de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer”.

      Ora, invocar a questão de inconstitucionalidade “durante o processo” significa que a mesma deverá ser apresentada, por regra, em momento anterior ao de o tribunal recorrido proferir a decisão final, em termos de o habilitar a sobre ela exercer os respectivos poderes cognoscitivos e, portanto, a incluí-la no âmbito do respectivo pronunciamento.

      [...]

      O accionamento da jurisdição constitucional prende-se, no presente caso, com o artigo art.11º, n.º7, do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras aprovado pelo Decreto-Lei n.° 20-A/90 (RJIFNA), na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º394/93, de 24.11, preceito que, sob a epígrafe “Pena de Prisão. Suspensão”, estabelece, no segmento destacado pelos recorrentes, o seguinte: «A suspensão é sempre condicionada ao pagamento ao Estado, em prazo a fixar pelo juiz nos termos do n.º8, do imposto e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos (…)»

      No âmbito dos presentes autos, mais propriamente através da resposta apresentada ao recurso interposto pelo Ministério Público da sentença proferida em primeira instância, os recorrentes suscitaram a questão da inconstitucionalidade da norma contida no art.11º, n.º7, do RJIFNA, naquilo que consideraram ser a sua «literal interpretação». Para fundamentar a acusação de inconstitucionalidade nestes termos formulada, sustentaram, então, que a referida norma consubstanciaria uma violação do princípio consagrado nos artigos 27º e 28º da Constituição da República Portuguesa que proíbe a prisão por dívidas, para além de uma manifesta violação do respectivo art.13º, já que, ainda na formulação empregue, os aí recorridos seriam prejudicados e privados do seu direito à liberdade única e exclusivamente devido à sua situação económica.

      Confrontado com tal concreta e precisa arguição e na certeza de que não poderia vir a reformar a decisão proferida em primeira instância nos termos preconizados pelo Ministério Público sem afastar as objecções de constitucionalidade colocadas na resposta apresentada pelos arguidos, o Tribunal da Relação do Porto, louvando-se, entre o mais, em jurisprudência deste Tribunal, pronunciou-se no sentido de não ser inconstitucional a «suspensão da execução da pena condicionada ao pagamento ao Estado da prestação tributária indevidamente apropriada».

      Declarando-se inconformados com o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto que considerou conforme com a Constituição da Republica Portuguesa a disposição normativa do art°. 11, n°. 7, do RJIFNA, que condiciona a suspensão da pena de prisão ao pagamento ao Estado, durante o período da suspensão, da prestação tributária e acréscimos legais, os arguidos interpuseram então recurso para este Tribunal, requerendo agora a «declaração de inconstitucionalidade de tal disposição quando interpretada com o sentido de a pena de prisão cuja suspensão foi decretada dever ser condicionada ao pagamento dos impostos e acréscimos legais, apesar de declarada e demonstrada a insolvência/falência do agente e a sua manifesta insuficiência económica para o pagamento dessas quantias», bem como a «apreciação da inconstitucionalidade da norma do art. 11°-7 do RJIFNA no sentido de que a mesma não pode ser interpretada como condicionante da suspensão da pena de prisão quando está em causa a condenação de mais do que um arguido/agente por não esclarecer qual a medida do pagamento que é imputado a cada um».

      [...]

      Ora, confrontando o vício de inconstitucionalidade invocado perante o Tribunal da Relação do Porto com as acusações de desconformidade constitucional pretendidas sujeitar à apreciação deste Tribunal, incontornável parece ser a ausência da relação de identidade ou equivalência normativa pressuposta pela exigência da suscitação atempada colocada pelo art.72º, n.º2, da LTC.

      Com efeito, se, conforme então expressamente declarado, a acusação de inconstitucionalidade formulada perante o tribunal a quo se dirigia directamente à norma do art.11º, n.º7, do RJIFNA, quando literalmente interpretada, e, de acordo com a enunciação constante do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, a desconformidade à Lei Fundamental é imputada agora ao resultado da sua aplicação em função do contexto situacional em que se alega ter ocorrido, a conclusão que obviamente se segue é a de que as questões de inconstitucionalidade em um e outro momento delineadas são tão dissemelhantes entre si...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
6 temas prácticos
  • Acórdão nº 614/06 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Novembro de 2006
    • Portugal
    • [object Object],Tribunal Constitucional (Port
    • 14. November 2006
    ...na indicação da única interpretação tida por constitucionalmente possível, para assim excluir todas as demais” (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 509/06, não publicado); por outro, quando “se suscita a inconstitucionalidade de uma determinada interpretação de certa (ou de certas) normas......
  • Acórdão nº 495/22 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Julho de 2022
    • Portugal
    • [object Object],Tribunal Constitucional (Port
    • 14. Juli 2022
    ...na indicação da única interpretação tida por constitucionalmente possível, para assim excluir todas as demais» (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 509/06). Ademais, quando «se suscita a inconstitucionalidade de uma determinada interpretação de certa (ou de certas) normas jurídicas, nece......
  • Acórdão nº 120/22 de Tribunal Constitucional (Port, 03 de Fevereiro de 2022
    • Portugal
    • [object Object],Tribunal Constitucional (Port
    • 3. Februar 2022
    ...na indicação da única interpretação tida por constitucionalmente possível, para assim excluir todas as demais» (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 509/06). Acresce que, quando «se suscita a inconstitucionalidade de uma determinada interpretação de certa (ou de certas) normas jurídicas, ......
  • Acórdão nº 41/20 de Tribunal Constitucional (Port, 16 de Janeiro de 2020
    • Portugal
    • [object Object],Tribunal Constitucional (Port
    • 16. Januar 2020
    ...da única interpretação tida por constitucionalmente possível, para assim excluir todas as demais» (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 509/06). É certo que o recorrente também sindica a constitucionalidade da «norma travão na decisão reclamada (art. 400.º, n.º 1, alín......
  • Peça sua avaliação para resultados completos
6 sentencias
  • Acórdão nº 614/06 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Novembro de 2006
    • Portugal
    • [object Object],Tribunal Constitucional (Port
    • 14. November 2006
    ...na indicação da única interpretação tida por constitucionalmente possível, para assim excluir todas as demais” (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 509/06, não publicado); por outro, quando “se suscita a inconstitucionalidade de uma determinada interpretação de certa (ou de certas) normas......
  • Acórdão nº 495/22 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Julho de 2022
    • Portugal
    • [object Object],Tribunal Constitucional (Port
    • 14. Juli 2022
    ...na indicação da única interpretação tida por constitucionalmente possível, para assim excluir todas as demais» (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 509/06). Ademais, quando «se suscita a inconstitucionalidade de uma determinada interpretação de certa (ou de certas) normas jurídicas, nece......
  • Acórdão nº 120/22 de Tribunal Constitucional (Port, 03 de Fevereiro de 2022
    • Portugal
    • [object Object],Tribunal Constitucional (Port
    • 3. Februar 2022
    ...na indicação da única interpretação tida por constitucionalmente possível, para assim excluir todas as demais» (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 509/06). Acresce que, quando «se suscita a inconstitucionalidade de uma determinada interpretação de certa (ou de certas) normas jurídicas, ......
  • Acórdão nº 41/20 de Tribunal Constitucional (Port, 16 de Janeiro de 2020
    • Portugal
    • [object Object],Tribunal Constitucional (Port
    • 16. Januar 2020
    ...da única interpretação tida por constitucionalmente possível, para assim excluir todas as demais» (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 509/06). É certo que o recorrente também sindica a constitucionalidade da «norma travão na decisão reclamada (art. 400.º, n.º 1, alín......
  • Peça sua avaliação para resultados completos

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT