Acórdão nº 614/06 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Novembro de 2006
Magistrado Responsável | Cons. Maria João Antunes |
Data da Resolução | 14 de Novembro de 2006 |
Emissor | Tribunal Constitucional (Port |
ACÓRDÃO N.º 614/2006
Processo nº 601/06
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
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Relatório
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Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que é recorrente A. e recorrida a Direcção-Geral de Viação, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal, de 23 de Maio de 2006.
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Em 27 de Julho de 2006 foi proferida decisão sumária, pela qual se entendeu não tomar conhecimento do objecto do recurso interposto (artigo 78º-A, nº 1, da LTC), com os seguintes fundamentos:
“1. Para se poder conhecer do objecto do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC necessário é que o recorrente tenha suscitado, durante o processo, a questão de inconstitucionalidade normativa formulada no respectivo requerimento de interposição. E que a tenha suscitado de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (artigo 72º, nº 2, da LTC). Conforme jurisprudência reiterada e uniforme do Tribunal Constitucional «o cumprimento do ónus a que se refere o artigo 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional não se basta (…) com a mera afirmação, perante o tribunal recorrido, de que certa interpretação normativa, não concretizada, é inconstitucional, pois que tal não traduz a invocação de uma verdadeira questão de inconstitucionalidade: o preceito vai mais longe, impondo ao recorrente a delimitação dessa questão, de forma a possibilitar ao tribunal recorrido a sua cabal compreensão e, portanto, a sua efectiva decisão» (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 361/2006, não publicado).
Nos presentes autos verifica-se que, durante o processo, a questão de inconstitucionalidade formulada no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal não foi suscitada de forma adequada, ou seja, dando cumprimento ao ónus a que se refere o nº 2 do artigo 72º da LTC. Com efeito, a recorrente limita-se a remeter para a “interpretação” por si defendida, concluindo que “a adopção de uma dimensão normativa diferente (…) implica concluir que a norma que se retira dos arts. 8º, 288º, nº 3 e 265º, nº 2 do Código de Processo Civil e dos arts. 9º e 10º do Código Civil é inconstitucional” (cf. 17ª conclusão da peça processual indicada pela recorrente); ou, então, a remeter para a “dimensão normativa adoptada pelo Tribunal a quo”:
Os artigos 288.°, n.° 3 e 265.°, n.° 2 do Código de Processo Civil e dos arts. 9.° e 10.º do Código Civil, na dimensão normativa adoptada pelo Tribunal a quo vedam à Recorrente a possibilidade de regularização da instância quando falta a personalidade judiciária, situação que é expressamente admitida no caso análogo previsto no art. 8.° do Código de Processo Civil
;
Por esses motivos, só resta concluir que a norma contida nos artigos 8.°, 288.°, n.° 3 e 265.°, n.° 2 do Código de Processo Civil e nos arts. 9.° e 10.° do Código Civil, na interpretação formulada pelo Tribunal a quo, é materialmente inconstitucional por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição, e do principio da tutela jurisdicional efectiva, consagrado nos artigos 20.° e 268.°, n.° 4 da Constituição da República Portuguesa
;
18ª Os artigos 288.°, n.° 3 e 265.°, n.° 2 do Código de Processo Civil e dos arts. 9.º e 10.º do Código Civil, na dimensão normativa adoptada pelo Tribunal a quo, vedam à Recorrente a possibilidade de regularização da instância quanto à falta de personalidade judiciária, situação que é expressamente admitida no caso análogo previsto no art. 8.° do Código de Processo Civil
;
21ª Assim sendo, a norma contida nos artigos 8.°, 288.°, n.° 3 e 265.°, n.° 2 do Código de Processo Civil e dos arts. 9.° e 10.° do Código Civil, na interpretação formulada pelo Tribunal a quo, é materialmente inconstitucional por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição, e do principio da tutela jurisdicional efectiva consagrado nos artigos 20.° e 268.°, n.° 4 da Constituição da República Portuguesa
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Não se verifica, por conseguinte, um dos requisitos do recurso de constitucionalidade interposto, o que justifica a prolação da presente decisão (artigo 78º-A, nº 1, da LTC).
“Quando se pretenda questionar a constitucionalidade de uma dada interpretação normativa, é indispensável que a parte identifique expressamente essa interpretação ou dimensão normativa, em termos de o Tribunal, no caso de a vir a julgar inconstitucional, a poder enunciar na decisão, de modo a que os respectivos destinatários e os operadores do direito em geral fiquem a saber que essa norma não pode ser aplicada com tal sentido (…). Não é, deste modo, como vem reiteradamente decidindo o Tribunal Constitucional, forma idónea e adequada de suscitar uma questão de inconstitucionalidade normativa a simples invocação de que seria inconstitucional (…) certa ou certas normas legais na interpretação que a decisão das instâncias lhes conferiu, não suficientemente definida ou precisada pelo recorrente (…), cabendo sempre à parte que pretende suscitar adequadamente uma questão de inconstitucionalidade normativa o ónus de especificar qual é, no seu entendimento, o concreto sentido com que tal norma ou normas foram realmente tomadas no caso concreto pela decisão que se pretende impugnar perante o Tribunal Constitucional (Lopes do Rego “O objecto idóneo dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade: as interpretações normativas sindicáveis pelo Tribunal Constitucional”, Jurisprudência Constitucional, 3, 2004, p. 8).
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Ainda que a recorrente tivesse suscitado de forma adequada a questão agora formulada no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, independentemente da questão de saber se a reportou às disposições legais efectivamente aplicadas pela decisão recorrida, subsistiria sempre uma outra razão para não conhecer o objecto do recurso interposto – a não aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade é questionada.
Com efeito, resulta do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que este não aplicou norma segundo a qual “não é possível a regularização da instância quando falte o pressuposto processual personalidade judiciária”, decorrendo antes que tal é possível “nos casos expressamente previstos na lei”.
Face à não verificação deste requisito do recurso previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, justificar-se-ia sempre, também por esta razão, a prolação da presente decisão”.
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Desta decisão vem agora a recorrente reclamar para a conferência, nos termos do artigo 78º-A, nº 3, da LTC, com os fundamentos seguintes:
«I – DO OBJECTO E SENTIDO DA DECISÃO SUMÁRIA
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Por decisão sumária datada de 27 de Julho de 2006, foi decidido não se tomar conhecimento do recurso entendendo-se que:
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A Recorrente não suscitou de modo adequado a questão da inconstitucionalidade por, alegadamente, não ter efectuada uma “invocação” da norma “suficientemente definida ou precisada” (cfr. p. 11 da decisão sumária);
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A norma cuja inconstitucionalidade a Recorrente suscitou não foi aplicada pelo Tribunal a quo (cfr. p. 12 da decisão sumária).
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Salvo o devido respeito, a Recorrente entende que:
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não foi feita uma correcta interpretação do texto das alegações e conclusões do recurso de agravo apresentado pela Recorrente;
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não foi feita uma correcta interpretação do texto do Acórdão da Relação de Coimbra de 23 de Maio de 2006.
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Na verdade, a Recorrente entende que a decisão sumária expressou “dúvidas” sobre a norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada pela Recorrente e aplicada pelo Tribunal a quo, as quais não tem razão de ser ou “um mínimo de correspondência” no texto das alegações e conclusões de recurso e no texto do Acórdão da Relação de Coimbra de 23 de Maio de 2006 (cfr. art. 238.° do Código Civil).
Analisemos em concreto tais documentos.
II - DA ALEGADA FALTA DE SUFICIÊNCIA E DE PRECISÃO NA IDENTIFICAÇÃO DA NORMA
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A decisão sub judice concluiu que a Recorrente não suscitou “durante o processo” de “forma adequada” porque invocou a inconstitucionalidade da norma de forma “não suficientemente definida ou precisada” (cfr. p. 10 e 11 da decisão sumária de fls... .
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Salvo o devido respeito, a Recorrente não concorda com tal afirmação porquanto considerando:
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o texto das alegações e conclusões de recurso para o Tribunal Relação de Lisboa;
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o âmbito e alcance da pronúncia levada a cabo pelo acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra;
não é possível defender uma interpretação de tal documento no sentido de que existam quaisquer dúvidas quanto ao âmbito da norma cuja inconstitucionalidade é suscitada;
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A Recorrente invocou a inconstitucionalidade normativa nas sua alegações e conclusões de recurso de agravo para Tribunal da Relação de Coimbra nos seguintes termos dos quais se destacam em sublinhado e negrito as seguintes expressões:
«
I
OBJECTO DO RECURSO
O presente recurso tem por objecto a Sentença de fls. 171 e segs. a qual veio a considerar procedente a excepção dilatória de falta de personalidade judiciária da Ré, ora Recorrida, ao mesmo tempo que conclui que tal excepção seria insuprível pela intervenção nos presentes autos do Estado Português.
A Sentença recorrida (...) acabou por concluir que a Direcção-Geral de Viação não é dotada de personalidade judiciária e que, verificando-se tal excepção dilatória, não será de suprir ou regularizar a instância com a intervenção nos presentes autos do Estado Português nos termos que foram requeridos em sede de resposta à Contestação.
Salvo o devido respeito, a Recorrente entende que (...), tais premissas ou conclusões de direito, quanto à falta de personalidade judiciária da Recorrida e quanto à natureza insuprível da excepção...
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