Acórdão nº 120/22 de Tribunal Constitucional (Port, 03 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução03 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 120/2022

Processo n.º 1134/2021

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é reclamante o Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, E.P.E. e reclamados o Ministério Público, A. e B., o primeiro reclamou, ao abrigo do artigo 76.º, n.º 4, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do despacho de 8 de outubro de 2021, daquele Tribunal, que não admitiu os recursos para o Tribunal Constitucional.

2. O ora reclamante, na qualidade de demandado civil em processo crime, no qual figura como arguido o aqui reclamado A. e assistente e demandante o aqui reclamado B., interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão de 14 de maio de 2020, do Tribunal da Relação de Lisboa que, em recurso, o condenou solidariamente com o arguido a pagar determinada indemnização pecuniária.

Com interesse para a causa, pode ler-se nas conclusões com que encerrou a sua motivação:

«LI - Deste modo, os artigos 2.° da Lei n.° 45/2004, de 19 de agosto, e 159.° do CPP devem ser interpretados no sentido de que, quando o Conselho Médico-Legal do INML tenha sido autor da primeira perícia, o tribunal, havendo necessidade de uma segunda perícia, pode e deve recorrer a entidade ou pessoa que não seja o INML, de forma a assegurar a observância do princípio da imparcialidade, que informa a ratio desses preceitos legais.

LII - Entendimento distinto de tais normativos legais, no sentido de que se manteria a competência obrigatória do INML, que foi o adoptado pelo Tribunal a quo, violaria o princípio da imparcialidade e o direito a um processo equitativo, tal como consagrado no artigo 20.° da Constituição da República Portuguesa, o que se deixa arguido.

LIII - Foi assim acertada a decisão do tribunal de primeira instância, no sentido de confiar a segunda perícia ao Colégio da Especialidade de Obstetrícia da Ordem dos Médicos, o qual, enquanto órgão coletivo, ainda não se tinha pronunciado sobre o caso em presença, sendo certo que o Tribunal de primeira instância teve o cuidado de expressamente impor o afastamento de qualquer intervenção por parte do supra mencionado Dr. Domingos Jardim Pena, ou de qualquer outro médico que já tivesse sido inquirido nestes autos, na qualidade de testemunha ou outra.

LIV - E por isso se imputa à decisão recorrida a violação, por erro de interpretação e aplicação, do artigo 20.° da CRP, do artigo 2.° da Lei n.° 45/2004, de 19 de Agosto, e do artigo 159.° do CPP.

LV - Acresce que, na primeira instância, tal matéria foi objeto de um recurso interlocutório, em cuja subida o Assistente não especificou manter interesse, nos termos do art.º 412.°, n.° 5 do CPP.

LVI - Face ao exposto, não só a decisão do Tribunal de primeira instância de solicitar a realização de uma segunda perícia, mas também a decisão de esta ter sido atribuída ao Colégio da Especialidade de Ginecologia-Obstetrícia da Ordem dos Médicos terão de ser consideradas plenamente legítimas, e conformes à lei, sem que o valor, como prova pericial, do relatório pericial de fls. 1576 a 1579 dos autos possa ser posto em causa.»

3. Por acórdão datado de 26 de maio de 2021, o Supremo Tribunal de Justiça, na parte que aqui interessa considerar, decidiu confirmar o valor da indemnização arbitrada aos demandantes.

Inconformado, o aqui reclamante arguiu a nulidade do aresto em apreço, o que veio a ser indeferido por acórdão de 15 de setembro de 2021.

Na mesma data, mas através de requerimentos diferentes, foram interpostos dois recursos para o Tribunal Constitucional, com o seguinte teor:

«Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, EPE,

demandado e recorrente nos autos à margem referenciados, notificado do acórdão proferido nos autos em 15 de setembro de 2021, pelo qual o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) decidiu indeferir por falta de fundamento legal: a) a nulidade do acórdão proferido em 26 de maio p. p., que o demandado e recorrente arguira pelo seu requerimento de 9 de junho p. p.; b) a inconstitucionalidade deduzida pelo demandado e recorrente, no mesmo requerimento de 9 de junho p. p., vem do referido Acórdão de 15 de setembro de 2021, ao abrigo da alínea b) do n.° 1 do artigo 70.° da Lei n.° 28/82, de 15 de novembro, interpor recurso para o Tribunal Constitucional, o que faz pelo presente requerimento e com os seguintes fundamentos:

1- No requerimento de 9 de junho p. p., o demandado e recorrente arguiu a nulidade do Acórdão proferido nos autos em 26 de maio p. p..

2- Para tanto, alegou que, tendo o STJ, nesse mesmo Acórdão, apreciado e julgado improcedente o recurso que o recorrente interpusera do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, limitando-se a confirmar o valor da indemnização civil arbitrada aos demandantes nos termos fixados no acórdão recorrido, se impunha que o mesmo STJ tivesse conhecido expressa e especificadamente (no Acórdão de 26 de maio p. p.) da nulidade da sentença arguida pelo demandando e recorrente.

3- Refira-se que, sob os números 5 a 67 da sua alegação do recurso interposto para o STJ do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, e sob os números I a XXII das conclusões da mesma peça processual, e para o caso de se entender que a segunda perícia ordenada nos autos, e realizada pelo Colégio da Especialidade de Ginecologia-Obstetrícia da Ordem dos Médicos, não era válida, arguira o ora requerente, subsidiariamente, a nulidade do acórdão recorrido, por violação da norma da alínea a) do número 1 do artigo 379.° do Código de Processo Penal (CPP), atento o disposto no número 2 do artigo 374.°, igualmente do CPP, aplicáveis in casu por força do número 4 do artigo 425.° do mesmo Código.

4- No seu requerimento de 9 de junho p. p., alegou o demandado e recorrente que, não tendo conhecido, expressa e especificadamente, no Acórdão de 26 de maio p. p., da nulidade da sentença arguida pelo demandando e recorrente, incorrera o STJ em omissão de pronúncia, geradora, nos termos da alínea c) do n.° 1 do artigo 379.° do CPP, aplicável ex vi n.° 4 do artigo 425.° do mesmo Código, de nulidade do Acórdão.

5- Alegou ainda o demandando e recorrente que ainda que se entendesse que a invocação, pelo STJ, da impossibilidade de conhecimento das nulidades invocadas pelos recorrentes - que o demandando e recorrente considerou «genérica e vaguíssima» - houvesse de valer como uma efetiva pronúncia sobre tais questões, haveria então que se dizer não ter o STJ procedido a uma exposição tanto quanto possível completa dos motivos de direito que fundamentavam a sua decisão, face ao regime que expressamente resulta do disposto no número 2 do artigo 379.° do CPP, cuja aplicação resultava assim liminarmente postergada por essa mesma decisão, o que estaria longe de ser inócuo, dada a essencial diferença de natureza jurídica que se verifica existir entre o recurso e a nulidade decisória, figuras bem diversas nos seus pressupostos e nas suas consequências.

6- E faltando essa fundamentação estaríamos ainda perante uma nulidade do acórdão de 26 de maio de 2021, mas desta feita nos termos da alínea a) do número 1 do artigo 379.°, por violação do disposto no n.° 2 do artigo 374.°, ambos do CPP, aplicável ex vi n.° 4 do artigo 425.° do mesmo Código.

7- Mais alegou o demandado e recorrente que o n.° 2 do artigo 379.° do Código de Processo Penal, interpretado com o sentido de que a arguição ou conhecimento das nulidades da sentença que nele se consagra em via de recurso (no caso, para o STJ) só será admissível se for também admissível o recurso da sentença (ou acórdão) quanto à matéria penal (tendo, in casu, sido admitido o recurso quanto à indemnização civil), é inconstitucional por violação do disposto nos números 1 e 4 do artigo 20.° da Constituição da República Portuguesa (CRP).

8- E alegou também que entendimento diverso equivalerá a deixar sem qualquer possibilidade de sindicância uma nulidade decisória, por mais deletéria ou clamorosa que a mesma se venha a revelar, em clara violação do princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva, e com diminuição das garantias das partes civis no processo penal por comparação com o regime de arguição da nulidade da sentença que resulta do Código de Processo Civil (CPC).

9- O STJ, no Acórdão proferido em 15 de setembro de 2021, conheceu esta questão, suscitada pelo demandado e recorrente - e também, nos mesmos termos, pelo arguido, e também demandado cível, A. -, indeferindo a deduzida inconstitucionalidade, por falta de fundamento legal, quanto ao entendimento normativo em apreço, entendimento esse que o mesmo STJ assim adoptou e aplicou no caso dos autos.

10- Tratando-se de matéria que não poderia sequer ter sido prevista pelo demandado e recorrente, importa reiterar a invocada inconstitucionalidade, nos termos que acima se enunciaram.

11- Se está em causa uma nulidade que atinge os pressupostos a partir dos quais se constrói a obrigação de indemnizar, não é aceitável que o STJ não possa e não deva apreciar tal nulidade, não se vislumbrando qualquer motivo atendível, nem qualquer critério razoável, para que se assista, neste particular aspecto, a uma diminuição das garantias das partes em processo penal em comparação com o regime aplicável em processo civil.

12- Pretende-se, assim, nos termos dos números 1 e 2 do artigo 75.°-A da Lei n.° 28/82, de 15 de novembro, que o Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade da norma do artigo 379.º, n.° 2, do CPP, interpretada com o sentido de que o conhecimento das nulidades da decisão - a suscitar em sede de recurso para o STJ - só é admissível quando também for admitido o recurso da...

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