Acórdão nº 325/06 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Maio de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Bravo Serra
Data da Resolução17 de Maio de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 325/2006

Processo nº 236/2006.

  1. Secção.

    Relator: Conselheiro Bravo Serra.

    1. Não se conformando com o despacho proferido em 7 de Maio de 2001 pela Juíza do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa – despacho esse por via do qual foi indeferido o pedido formulado pelo denunciante Licº A. no sentido de se constituir assistente no processo, já que, muito embora estivesse inscrito na Ordem dos Advogados, não constituiu mandatário forense – recorreu aquele denunciante para o Tribunal da Relação de Lisboa.

    Na alegação adrede produzida, o impugnante disse, em dados passos: –

    “(…)

    II – SOBRE O DIREITO DE O ASSISTENTE, SENDO ADVOGADO, SER PATROCINADO POR SI PRÓPRIO.

    1. Da plenitude do exercício da advocacia pelo Advogado inscrito

      O direito do Advogado exercer o patrocínio reveste, em primeiro lugar, a natureza de direito ao trabalho que ao Estado incumbe assegurar (cf. artº 58º, nº 1, da CRP).

      Trata-se, pois, de uma garantia constitucional fundamental.

      A essa garantia corresponde o direito subjectivo ou faculdade de o Advogado obter no trabalho a sua realização pessoal (cf. artº 59°, nº 1, al. b), da CRP).

      O trabalho do Advogado realiza-se no exercício do patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça (cf. artº 208° da CRP), nos termos regulados pela lei; esta é, em primeiro lugar, a que aprovou os Estatutos da respectiva Ordem. Neles não se encontra qualquer disposição que impeça o Advogado ofendido por ilícito criminal de exercer o seu próprio patrocínio enquanto colaborador do Ministério Público, ou perante os tribunais.

      Os direitos do Advogado enquanto trabalhador e enquanto elemento essencial à administração da justiça, constituem direitos fundamentais a que se aplica o regime dos artºs 17° e 18° da CRP.

      Assim, os preceitos constitucionais respeitantes àqueles direitos são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.

      A lei só pode restringir tais direitos nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

      Nenhum direito ou interesse constitucionalmente protegido, impõe que seja restringido o direito do ofendido-assistente-advogado de colaborar com o Ministério Público, na investigação criminal para que a lei lhe confira legitimidade; não o impõem, designadamente, as normas constantes dos preceitos legais invocados no despacho impugnado.

      A interpretação do artº 70°, nº 1, 1ª parte, do CPP, no sentido de que o assistente, sendo advogado, não pode assegurar o seu próprio patrocínio, é ofensiva dos princípios e normas constitucionais supra invocados, e do princípio do Estado de direito e do seu subprincípio da tutela da confiança, plasmados no artº 2° da CRP.

      Do mesmo vício padeceriam as normas extraídas dos restantes preceitos legais invocados no despacho recorrido, quando aplicadas para restringirem os direitos do ofendido-assistente-advogado de assegurar o seu próprio patrocínio.

      A pretensa norma de criação jurisprudencial invocada no despacho recorrido, agora imposta, constituiu violação da tutela da confiança pois nenhuma jurisprudência válida se conhece que haja restringido o direito do advogado-ofendido de assegurar o seu próprio patrocínio como Assistente.

      (…)

    2. Da inexistência de quaisquer normas ou princípios jurídicos que restrinjam a capacidade de o Advogado assegurar a sua representação como Assistente em processo penal.

      Já acima se referiu o quadro constitucional a que se encontra sujeita qualquer restrição a um direito fundamental.

      Se a lei entendesse ser materialmente justificável qualquer limitação a tal direito, seguramente que a teria expressamente consagrado e justificado a sua imposição. Mesmo assim, se o tivesse feito, tal norma não deixaria de passar pelo crivo de malha apertada do artº 3º, nº 3, e 18º, nº 2, da Constituição.

      Mas tal norma de natureza exc[e]pcional, não existe.

      E as garantias constitucionais dos artºs 165º, nº 1, al. b), 203º e 204º, não permitem que os juízes criem normas restritivas dos direitos sujeitos ao regime dos artºs 17º e 18º da Lei Fundamental.

      III – CONCLUSÕES

      (…)

  2. – Não é lícita qualquer restrição ao direito fundamental de os Advogados assegurarem a sua representação como Assistentes em processo penal;

  3. – Qualquer norma legal ou jurisprudencial que fosse invocada para restringir o direito de os Advogados assegurarem a sua representação como assistentes em processo penal, colidiria com as garantias dos artºs 2º, 17º, 18º, 165º, nº 1, al. b), e 204º da Constituição.

  4. – O despacho recorrido violou as normas dos artºs 68, nº 1, al. a), e 70º, nº 1, 1ª parte, do CPP, e 202º, nº 2, 203º e 204º da Constituição.

  5. – Os preceitos legais invocados no despacho recorrido foram interpretados e aplicados no sentido de restringirem os direitos fundamentais do ofendido como Assistente e como Advogado, em arrepio do que neles se consagra quando interpretados em conformidade com a Constituição.

  6. – As normas que foram extraídas de tais preceitos para integrarem a pretensa norma de criação jurisprudencial são inconstitucionais por violarem os princípios e normas constitucionais supra referidos.

    (…)”

    O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 2 de Outubro de 2002, negou provimento ao recurso, carreando, para tanto, a seguinte fundamentação: –

    “(…)

    A questão em análise nos presentes Autos é a questão de saber se poderá um/a Advogado/a representar-se a si próprio/a para efeitos de constituição de assistente, no âmbito de um processo criminal, e se a verificar-se tal impossibilidade esta constituirá uma restrição de direitos fundamentais.

    Sendo certo que nenhuma disposição legal existe que explicitamente permita ou impeça que uma pessoa com a profissão de advogado/a se represente a si própria para os efeitos em apreço nos presentes Autos, para dilucidar a questão em análise há que recorrer aos critérios gerais de interpretação das normas que regem o instituto da representação e da constituição de assistente em processo penal, bem como aos preceitos atinentes contidos no Estatuto da Ordem dos Advogados. É a prática jurisprudencial sobre esta matéria.

    Da análise daqueles normativos – artigos 258º a 269º do C.C., 68º a 70º do CPP e DL nº 84/84 de 16 de Março – retira-se que a representação é um instituto que, por regra impõe uma dissociação entre representante e representado/a, e que se traduz na possibilidade que os actos jurídicos praticados pelo primeiro/a terem efeitos jurídicos na esfera do/a segundo/a. Que a posição processual do assistente, subordinada [à] do Ministério Público, não é afectada de forma positiva ou negativa pela circunstância em causa, sendo que o contrário violaria o princípio geral do artigo 13º da CRP, e ainda que no mencionado Estatuto nenhuma regra existe no qual se possa alicerçar a pretensão do recorrente.

    A Jurisprudência tem, por seu turno, examinado a questão em apreço, pronunciando-se de modo quase unânime no sentido do Despacho recorrido.

    De entre todos veja-se o Acórdão desta Relação e Secção, publicado na CJ.

    Ano XXIII, Tomo III, a páginas 147, no qual explicitamente se indica que ‘o queixoso, advogado, quando pretenda intervir como assistente tem de estar representado por advogado’, fundando tal entendimento não apenas nas normas atrás indicadas, como também na análise que aí se faz, da necessidade de manter a equidade das relações intra-processuais e propiciar a boa administração da justiça.

    Assim, e do mesmo modo que no Acórdão atrás citado, entende-se que o queixoso advogado se deverá fazer representar por advogado/a a fim de se poder constituir assistente nos presentes Autos.

    Alega, porém, o recorrente que este entendimento é cerceador de direitos fundamentais, constitucionalmente consagrados.

    Considera-se, contudo que tal entendimento carece em absoluto de fundamento legal, pois inexiste um ‘direito’ a assegurar a própria representação seja a quem for, advogado/a ou não, sendo que, e como já se referiu, tal entendimento seria, esse sim, contrário ao dispositivo contido no artigo 13° da CRP.

    (…)”

    Do acórdão cuja fundamentação acima se encontra extractada recorreu o impugnante para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo este Alto Tribunal, por acórdão de 12 de Março de 2003, rejeitado o recurso, por inadmissibilidade, nos termos do disposto na alínea c) do nº 1 do artº 400º do Código de Processo Penal.

    O impugnante, então, veio juntar aos autos requerimento por intermédio do qual manifestou a sua vontade de, do acórdão de 12 de Março de 2003, lavrado pelo Supremo Tribunal de Justiça, e do acórdão de 2 de Outubro de 2002, proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, recorrer para o Tribunal Constitucional.

    Tendo o Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, por despacho de 30 de Abril de 2003, admitido o recurso, mas tão só com referência ao acórdão de 12 de Março de 2003, o impugnante veio requerer que fosse determinada a remessa dos autos ao Tribunal da Relação de Lisboa, “a fim de aí ser proferida decisão sobre o respectivo acórdão, e de, subsequentemente, ser por este feita remessa dos mesmos autos ao Tribunal Constitucional”.

    Essa pretensão foi indeferida por despacho exarado em 27 de Maio de 2003 pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, despacho esse sobre o qual recaiu pedido de aclaração formulado pelo impugnante, pedido que, por sua vez, foi desatendido por despacho de 2 de Julho de 2003.

    Deste último despacho arguiu o impugnante nulidade, vindo o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 28 de Janeiro de 2004, considerar extemporânea a arguição.

    Notificado deste último aresto, veio o...

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