Acórdão nº 281/06 de Tribunal Constitucional (Port, 02 de Maio de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Mota Pinto
Data da Resolução02 de Maio de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 281/2006

Processo n.º 322/05

  1. Secção

Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório

    AUTONUM 1.O representante do Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Comarca de Montemor-o-Novo interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora, ao abrigo do disposto nos artigos 399.º, 406.º, n.º 1, 407.º, n.º 1, alínea a), e 408.º a contrario sensu, todos do Código de Processo Penal, da decisão daquele tribunal, de 17 de Dezembro de 2004, que recusou, com fundamento em inconstitucionalidade orgânica, a aplicação da norma constante da Base XVIII, anexa ao Decreto-Lei n.º 294/97, de 24 de Outubro, e, consequentemente, recusou o recebimento da acusação dirigida contra A., indiciado pela prática da contravenção prevista e punida por aquele dispositivo legal. Encerrou as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:

    1 – A infracção prevista e punida pelos n.ºs 1 e 5 da Base XVIII, anexa ao Decreto-Lei n.º 214/97, de 24/10 (a falta de pagamento de qualquer taxa de portagem é punida com multa cujo montante será igual a 10 vezes o valor da respectiva taxa de portagem, mas nunca inferior a 5.000$00 e o máximo o quíntuplo do mínimo), tem natureza contravencional, uma vez que é punível com uma pena de multa (e não com uma coima) e não previne factos que constituem lesão ou perigo de lesão de bens jurídicos respeitantes à ordem constitucional dos direitos, liberdades e garantias – cfr. Figueiredo Dias in “Para uma dogmática do direito penal secundário”, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 117.°, pág. 12 – mas, sim, factos que violam, simplesmente, interesses/meios administrativos ou financeiros do Estado.

    2 – O art.º 168.°, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (actual 165.°, n.º 1), atribuindo à competência legislativa exclusiva da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, a definição dos crimes, penas e medidas de segurança e respectivos pressupostos, bem como processo criminal (al. c)) e o regime geral de punição das infracções disciplinares, bem como dos actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo (al. d)), omite toda e qualquer referência a “contravenções”.

    3 – Particularmente sensibilizado para o programa de descriminalização encetado pelo legislador ordinário (que reduzindo formalmente a competência do sistema penal em relação a determinadas condutas, reduz, também, aos crimes e às contra-ordenações, os tipos delituais a intervir no combate às condutas socialmente intoleráveis, remetendo as contravenções à condição de espécie em vias de extinção), o legislador constituinte da 2.ª Revisão, reconhecendo o ilícito contra-ordenacional a par do criminal (stricto sensu) e evitando qualquer referência expressa ao contravencional, quis, efectivamente, sancionar aquele modelo descriminalizador e, consequentemente, a extinção a prazo das contravenções.

    4 – Todavia, nos termos em que se traduz, o referido sancionamento tem, também ele, um sentido eminentemente programático, não comportando, assim, o de ilegitimar constitucionalmente a criação de novas contravenções.

    5 – Nesta ordem, entendemos como acertado afirmar que tudo postula a interpretação de a alínea c) do n.º 1 do art.º 168.° do CRP (actual 165.º) respeitar tão só a “crimes e penas” em sentido estrito, e, bem assim, a interpretação de que em vista do estreito parentesco existente entre os ilícitos contra-ordenacionais e contravencionais, a alínea d) do n.º 1 do art.º 168.° da Constituição abrangerá eventualmente o ilícito contravencional.

    6 – Quer isto dizer que, embora o Governo possa livremente legislar sobre a criação e extinção de contravenções não puníveis com penas privativas da liberdade, já não poderá legislar, salvo autorização da Assembleia da República, sobre o regime geral de punição das contravenções e do respectivo processo (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 56/84, DR – I, n.º 184, de 9/8/84, que marca o início de uma orientação jurisprudencial uniforme e constante, bem como os Acórdãos do mesmo Tribunal de 4/12/87 (DR – II, de 2/1/88), 447/91 (BMJ 411, 196) e 329/92 (DR – I A, de 14/11/92).

    7 – Temos, pois, por assente que o Governo, no que concerne à criação de novas contravenções, apenas carece de autorização parlamentar relativamente às puníveis com pena restritiva da liberdade.

    8 – De qualquer forma, sejam ou não puníveis com prisão, o Governo, ao criar contravenções, tem de respeitar o regime geral de punição de uma infracção, o conjunto de regras que definem a sua natureza e o tipo de sanções que lhe correspondem, bem como os limites e termos da punição, o Governo tem de se conter nos limites do regime fixado pelas normas do Código Penal de 1886 relativas a contravenções – art.ºs 3.°, 4.°, 11.°, n.º 4, 25.°, 33.°, 36.°, 125.º, § 2; 126.°, n.º 3, e 486.º § único – as quais ainda hoje se mantém em vigor.

    9 – No caso concreto, o Governo criou, sem autorização legislativa, invocando a competência que lhe é atribuída pelo art.º 201.°, n.º 1, al. a), da CRP, uma contravenção punível, apenas, com multa.

    10 – Dado que, pelas razões expostas, do ponto de vista constitucional, lhe era lícito fazê-lo, a Base XVIII, anexa ao Decreto-Lei n.º 294/97, de 24/10, não está ferida de qualquer inconstitucionalidade.

    11 – A decisão recorrida faz incorrecta aplicação das disposições contidas nos art.ºs 168.° (actual 165.º) e 201.° da Constituição da República Portuguesa, devendo ser revogada e substituída por outra que ordene o consequente prosseguimento dos autos, para o julgamento do arguido.

    Sobre tal interposição foi proferido pela Juíza a quo, em 31 de Outubro de 2005, despacho com o seguinte teor:

    Fls. 25 a 29: Por se afigurar legal, tempestivo, motivado e apresentado por quem tem legitimidade, admito o recurso interposto perante o Tribunal da Relação de Évora pelo digno Magistrado do Ministério Público, o qual tem...

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