Acórdão nº 183/06 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Março de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Fernanda Palma
Data da Resolução08 de Março de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 183/2006

Processo nº 347/2005

  1. Secção

Relator: Conselheira Maria Fernanda Palma

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

I

RELATÓRIO

  1. A. instaurou, junto do Tribunal Judicial da Comarca de Guimarães, acção declarativa, sob a forma de processo sumário, contra B., pedindo a declaração de nulidade de um contrato de mútuo e a condenação da ré no pagamento da quantia de Euros 14.954,00, acrescida de juros.

    A ré foi citada e recebeu cópia da petição inicial, cópia essa que se encontrava incompleta. Por outro lado, foi dito à ré, pelo funcionário da Secretaria Judicial, que não era obrigatória a constituição de mandatário.

    A ré não contestou a acção.

    O Tribunal considerou a ré regularmente citada e julgou a acção parcialmente procedente.

  2. Autor e ré interpuseram recursos para o Tribunal da Relação de Guimarães. A ré sustentou nas alegações de recurso a inconstitucionalidade do artigo 198°, n° 2, do Código de Processo Civil.

    O Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão de 23 de Fevereiro de 2005, julgou improcedentes os recursos interpostos.

    Quanto ao recurso da ré, o Tribunal entendeu o seguinte:

    IV – 1 – Impõe-se apreciar em 1º lugar, a apelação da R, pois que resultado possível da sua procedência é o da anulação total do processo, o que manifestamente prejudicaria o conhecimento da apelação interposta pelo A.

    Com efeito, aquela apelação postula a apreciação das seguintes questões:

    A – Saber se a citação da R tendo sido irregular porque não tenha a mesma recebido com ela a petição inicial completa, e, porque lhe foi indicado erradamente que não era necessária a constituição de advogado, se poderá ter, não, como meramente nula, mas como inexistente, para o efeito de se concluir pelo atempado da sua arguição, de modo a impor-se a anulação do processado salvando-se apenas a petição inicial;

    B – Saber se, caso assim não se entenda, e se entenda antes que, havendo mera nulidade da citação, esta nulidade está sanada por falta da tempestiva arguição, não se deverá entender a norma do art 198°/2 como inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais constantes dos arts 13° e 20° da CRP;

    C – Saber se a petição inicial não é inepta por incompatibilidade substancial dos pedidos formulados pelo A.

    A – Invoca a R que com a citação não recebeu a petição inicial completa, faltando-lhe a fls 5 v.

    Torna-se pouco compreensível esta referência à fls 5 v. da petição, pois que tal articulado apenas comporta duas folhas e meramente três páginas …

    Mas, admitindo-se que o duplicado da petição inicial a entregar à R não o foi de forma completa, desde o momento em que esta não fez qualquer prova dessa falha e desde o momento em que não veio ao processo oportunamente reclamá-la – dispondo para o efeito, como melhor se verá, do prazo que lhe foi indicado para contestar – é evidente que nenhum relevo se poderia agora dar àquela omissão.

    Não faz qualquer sentido entender que a incompletude da petição inicial entregue no acto da citação, ainda por cima, totalmente indemonstrada, possa implicar a ausência total de citação com os consequentes efeitos. Estaria descoberto o modo de os réus destruírem a seu belo prazer todo o processado, o que é absolutamente insustentável.

    É que de facto, embora a falta de citação – a que se reporta o art 196° do CPC – e a nulidade da citação – a que se reporta o art 198° do CPC – sejam ambas nulidades de acto processual, a primeira tem implicações muito mais graves, do que a segunda, não tanto pelas respectivas consequências mais directas – pois que, se ali implica a anulação do processado posterior à petição (art 194° al a)) aqui, implicando a repetição da citação, implicará também a anulação dos termos subsequentes, já que os mesmos dela dependem absolutamente, nos termos do art 201°/2 – mas porque ali se está na presença de uma nulidade principal (quer dizer, passível de ser conhecida oficiosamente e em qualquer momento processual, e consequentemente passível de ser arguida igualmente por qualquer das partes em qualquer momento processual) e aqui se está na presença de uma nulidade quase sempre secundária (quer dizer, só passível de ser conhecida por reclamação do interessado, e que se sana na falta da sua oportuna arguição), só assim não sucedendo quando a mera irregularidade da citação ocorra em citação edital, ou quando essa irregularidade se traduza no facto de não ter sido indicado qualquer prazo para a defesa que são casos em que a nulidade da citação é de conhecimento oficioso nos termos do art 202° do CPC.

    Ora, o que está na base de implicações tão diversas, é que a falta de citação implica que o destinatário da citação não chega a ter (suficiente) conhecimento do conteúdo do acto, de modo a poder defender-se eficazmente, enquanto que na nulidade da citação, apenas não foram observadas na sua realização formalidades prescritas na lei, mas sem que estas, - que, necessariamente, para que a irregularidade possa relevar como nulidade, hão-de ter prejudicado a defesa do citado (cfr art 198°/4 e 201º 1 parte final) comprometam, afinal, o conhecimento do acto de modo a colocar em causa a defesa do citado.

    De facto todas as situações previstas especificamente como correspondendo a falta de citação – art 196° e suas alíneas a) a e) – têm de comum a não cognoscibilidade do acto pelo citado, como, de algum modo, resulta da situação mais genérica prevista nesta última alínea.

    De tal modo que não repugna, obviamente, e tal como o defende Lopes do Rego na passagem que a apelante pôs em evidência, que em situações limite, uma ou conjugadas irregularidades numa citação, ainda que não possam reconduzir-se propriamente a qualquer das situações referidas nas alíneas do art 196°, porque, na prática, inviabilizaram “a cognoscibilidade pelo citando do conteúdo do acto, dificultando-lhe em termos desproporcionados o exercício do direito...

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