Acórdão nº 1687/17.0BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 21 de Janeiro de 2021

Data21 Janeiro 2021
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1998_02

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: A....., autora nos autos de acção administrativa instaurada contra C....., M....., C.....

, A....., S.A., F....., S.A., T....., Lda.

e Estado Português, inconformada veio interpor recurso jurisdicional da sentença, de 22.1.2020, do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que declarou deserta a instância e, nessa medida, extinta a presente lide.

Nas respectivas alegações de recurso, a Recorrente formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem: « «I.

A Recorrente tendo sido notificada de sentença proferida em 22-01-2020, cujo o tribunal de 1.ª instância declarou deserta a instância, por ter entendido que os autos estavam a aguardar o impulso processual da autora, no tocante às diligências de citação de duas ré, há mais de seis meses, sendo que esta discorda do decidido pelo Tribunal de 1.ª instância, assim o processo não esteve parado por mais de seis meses, dado que no período considerado pelas instâncias, para determinar a existência da deserção, ocorreu variada atividade processual, com atos praticados pela secretaria, pelas partes e pelo juiz, sendo que o tempo decorrido entre a data em que a secretaria notificou a Autora da frustração da citação das duas Rés (01/02/2019) e a data em que a Autora praticou acto apto a impulsionar o processo (18/02/2019) foi inferior a seis meses, tendo a A., aqui recorrente apresentado requerimento em 18/02/2019, cujo requereu: “1.º da Ré C....., Lda, vem requerer que seja efectuada a citação desta Ré através dos sócios na pessoa do liquidatário; 2.º da Ré T....., Lda., vem requerer que seja efectuada citação desta Ré para os efeitos legais por edital.” II.

Deste modo, a notificação da secretaria de 09/09/2019, a fls. 357, relativa à frustração da aludida citação, inutilizou o prazo anteriormente decorrido, posto que, tendo o tribunal continuado a promover o andamento do processo, não pode depois voltar atrás para declarar que a instância já estava deserta em data anterior.

III.

À luz do novo Código de Processo Civil, deve considerar-se que o despacho que declara a deserção da instância tem efeito constitutivo, pelo que enquanto a extinção não for declarada, as partes podem continuar a dar impulso ao processo independentemente do tempo decorrido.

IV.

O Tribunal deveria ter alertado a Autora para a possibilidade da deserção, pelo que, não o tendo feito em momento anterior, devia ter concedido prazo para que a Autora promovesse os termos do processo e só no caso de tal não suceder é que poderia ter declarado a deserção.

V.

A decisão em crise constituiu uma decisão surpresa, dado que o Tribunal nunca alertou a Autora para a falta de prática de qualquer ato, nem para se pronunciar quanto à sua eventual negligência na promoção dos termos do processo.

VI.

Desta forma, não houve negligência da parte da A., aqui Recorrente, uma vez que não se desinteressou da acção e os actos que se encontram por praticar deviam ter sido praticados pela secretaria, sendo que, ainda que assim não fosse, tais actos não podem razoavelmente ser-lhe exigidos por não ter meios para os praticar, ainda que se entenda que houve negligência, como a falta de impulso processual que se discute nos autos só respeita a dois dos Réus, a extinção da instância por deserção deve restringir-se a estes, prosseguindo a ação quanto aos demais.

VII.

A interpretação do artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, feita pelo Tribunal recorrido – no sentido de ser de decretar a deserção sem convite prévio à parte para se pronunciar quanto à existência de negligência e também quando a inactividade da parte é interrompida pela prática de acto posterior – é inconstitucional por violação do princípio do acesso à justiça e do princípio da confiança.

VIII.

Assim merece censura a conclusão constante da sentença recorrida, no sentido de ser à Autora, aqui Recorrente, que incumbia, indicar novas moradas com vista à efectivação das citações das Réus ou, no limite, constatando-se a sua ausência em parte incerta, requerer a sua citação edital, o que fez em requerimento de 18/02/2019.

IX.

Acresce que o regime que presentemente vigora em matéria de citação assenta na regra da oficiosidade do ato, a citação dos réus, deveria ser totalmente oficiosa, desde logo, porque, os Réus são pessoas portuguesas, o que se mostrava viável a consulta das bases de dados com vista à obtenção de morada diversa, ao que acresce a circunstância de a A. ter requerido a citação edital (artigos 6.º, n.º 1, 226.º, 236.º, n.ºs 1 e 2, e 239.º do Código de Processo Civil).

X.

Com efeito e conforme se retira do desenvolvimento processual acima descrito, durante os períodos aos quais o Tribunal recorrido atribuiu relevância para julgar deserta a instância, foram praticados vários actos – quer pelas partes, quer pela secretaria, quer pelo juiz – sem que, portanto, o processo tenha estado parado e sem que, decorrentemente, se mostre preenchido o requisito de natureza objectiva que a deserção da instância pressupõe.

XI.

Para ter concluído em sentido contrário, entendeu o Tribunal de 1.ª Instância que a inércia da Autora conducente à deserção da instância devia ser aferida relativamente a cada um dos Réus ou, mais rigorosamente, aos actos que, em relação a cada um deles, cabia à Autora praticar e não praticou, independentemente, portanto, de, por força dessa inércia, o processo ter ou não estado parado.

XII.

Sucede, porém, que, conforme se extrai das disposições conjugadas constantes dos artigos 281.º, n.º 1, e 6.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a lei não se basta com a omissão de actos ou diligências que só à parte caberia praticar (e que, por negligência, não praticou) para considerar verificada a deserção da instância, antes se exigindo que dessa omissão tenha resultado, em termos causalmente adequados, a paragem do processo por período de tempo superior a seis meses – o que, in casu, manifestamente não se verificou.

XIII.

Ao ter decidido de forma diversa, confirmando a decisão que declarou deserta a instância, não só o tribunal recorrido fez tábua rasa daquele pressuposto de natureza objectiva que, no caso, não se mostra preenchido, como ignorou o facto de ter sido o próprio tribunal que entendeu que o processo poderia prosseguir – como, efectivamente, prosseguiu – com a prática de atos relativos à citação dos restantes Réus.

XIV.

Igual procedimento foi adoptado pelo Tribunal depois de se terem frustrado as citações dos Réus C..... e T....., Lda. e de a Autora ter sido notificada dos motivos da não realização desses actos, posto que, após tais notificações foram sendo praticados no processo vários actos, tanto pelos restantes Réus (que, à medida que foram sendo citados, foram juntando procurações, apresentando contestações ou requerendo a prorrogação dos prazos para contestar), como pelo Tribunal.

XV.

De facto, não só a secretaria continuou a levar a cabo inúmeras diligências com vista a realização das citações dos restantes Réus que, então, permaneciam em falta, como o juiz continuou a proferir despachos, quer no sentido de remover os obstáculos com os quais a secretaria se foi deparando ao empreender as aludidas diligências, quer no sentido de emitir pronúncia sobre as pretensões que os Réus citados foram deduzindo no processo.

XVI.

Apenas a partir do despacho datado de 09/09/2019 é que cessaram as diligências oficiosamente levadas a cabo pela secretaria, sob a direção do juiz, com vista à citação dos dois Réus.

XVII.

Pelo que, não tendo decorrido desde a prática daqueles últimos actos em 09-09-2019 até 22-01-2020 não decorreu um período superior a seis meses, é de concluir que, contrariamente ao que se decidiu no acórdão recorrido, não ocorreu, no caso, a deserção da instância.

XVIII.

Tal como refere, neste particular, Paulo Ramos de Faria (ob. cit., p. 15), se Ao sistema de justiça estadual repugna a paragem negligente dos termos do processo, (…) também repugna a extinção deste, quando ainda é útil, com o consequente desaproveitamento de toda a actividade processual pretérita, obrigando (desnecessariamente) a que nova demanda seja instaurada. Deve, por isso, aceitar-se que a genérica proibição de comportamentos contraditórios abrange igualmente o Estado-tribunal e que, nessa justa medida, estando o juiz vinculado, desde logo, pelas suas próprias decisões, deve ser coerente e consequente com a sua actividade pretérita, sendo que esta proibição mais não é do que uma manifestação do princípio da confiança que decorre, por sua vez, do princípio da segurança jurídica plasmado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

XIX.

O próprio Tribunal Constitucional vem utilizando tal princípio como parâmetro de organização ou disciplina do processo, afirmando que a garantia do processo equitativo comporta uma dimensão de segurança e previsibilidade dos comportamentos processuais, tutelando adequadamente a possibilidade de conhecimento das normas com base nas quais são praticados os atos e formalidades processuais, assim como as expectativas em que as partes fazem assentar a sua estratégia processual. Com efeito, o processo surge como um imperativo de segurança jurídica ligado a duas exigências: a determinabilidade da lei e a previsibilidade do direito. O processo justo e equitativo é também aquele cuja regulação prevê que a sequência de actos que formam o processo esteja pré-determinada ao pormenor pelo legislador, em termos de ser possível assegurar com previsibilidade que as partes são titulares de poderes, deveres, ónus e faculdades processuais e que o processo é destinado a finalizar certo tipo de decisão final. Os dois elementos são indissociáveis: a previsibilidade das consequências da prática dos atos processuais pressupõe que as normas processuais sejam claras e suficientemente densas, atributos sem os quais ficará violado o princípio da segurança jurídica. Um processo equitativo é também um processo previsível...

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