Acórdão nº 3/06 de Tribunal Constitucional (Port, 03 de Janeiro de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução03 de Janeiro de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 3/06 Processo n.º 904/05 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1. Relatório

Ao arguido A. foram aplicadas, por acórdão do Tribunal Colectivo do 2.º Juízo Criminal de Viseu, de 11 de Abril de 2005, no proc. n.º 989/01.2TAVIS (fls. 390 a 393), duas penas únicas:

A) uma, de 3 anos e 6 meses de prisão e na interdição, pelo período de três anos, da concessão de título de condução, resultante do cúmulo jurídico das seguintes penas parcelares:

1) 15 meses de prisão, por autoria de crime de abuso de confiança fiscal, aplicada por acórdão do Tribunal Colectivo da 1.ª Vara Criminal de Viseu, de 17 de Dezembro de 1998 (proc. n.º 337/01.1TBVIS), transitado em julgado em 14 de Janeiro de 1999 (fls. 345 a 352), por factos praticados em 31 de Dezembro de 1994 (esta pena havia inicialmente sido suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, com a condição de pagar ao Estado a quantia de 2 344 000$00 no prazo de seis meses, suspensão que foi revogada, por não cumprimento da referida condição, por despacho de 25 de Junho de 2001 – fls. 353-354; o perdão de 12 meses da pena de prisão, decretado por este despacho, foi, por seu turno, revogado, pela condenação do arguido por novos crimes, pelo despacho de 19 de Janeiro de 2005 – fls. 355);

2) 9 meses de prisão, por autoria de crime de falsificação de documento autêntico, e quatro penas parcelares de 5 meses de prisão cada, por cumplicidade em quatro crimes de falsificação de documento autêntico, a que correspondeu a pena unitária de 18 meses de prisão, suspensa por 3 anos mediante a condição de entrega ao Estado da quantia de € 750, aplicada por acórdão de 8 de Março de 2002 do 1.º Juízo Criminal de Viseu (proc. n.º 1280/00.7TBVIS), por factos ocorridos em Fevereiro e Outubro de 1996 (fls. 98 a 106);

3) 20 meses de prisão, suspensa por 3 anos mediante a condição de pagamento, no prazo de 6 meses, da quantia de € 3544,41 e juros, aplicada por sentença de 10 de Abril de 2003 do 1.º Juízo de Competência Criminal de Viseu (proc. n.º 66/00.3IDVIS), transitada em julgado em 5 de Maio de 2003, por autoria de crime de abuso de confiança fiscal, por factos ocorridos entre 15 de Novembro de 1996 e 15 de Fevereiro de 1998; e

4) 6 meses de prisão, por crime de condução sem habilitação legal, aplicada por acórdão de 29 de Janeiro de 2004, proferido nestes autos (proc. n.º 989/01.2TAVIS), por factos ocorridos em 6 de Setembro de 1998 (fls. 226 a 236);

B) outra, de 11 meses de prisão, resultante do cúmulo jurídico das seguintes penas parcelares:

5) 9 meses de prisão, por crime de condução sem habilitação legal, aplicada por acórdão de 29 de Janeiro de 2004, proferido nestes autos (proc. n.º 989/01.2TAVIS), por factos ocorridos em 18 de Maio de 2001; e

6) 3 meses de prisão, por crime de falsas declarações, aplicada pelo mesmo acórdão (proc. n.º 989/01.2TAVIS), por factos ocorridos em 4 de Julho de 2001.

O referido acórdão de 29 de Janeiro de 2004, na sequência de rejeição, por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 7 de Julho de 2004 (fls. 310 a 315), do recurso dele interposto pelo arguido, transitou em julgado em 1 de Outubro de 2004 (cf. fls. 322).

O arguido interpôs recurso, para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), contra o referido acórdão do Tribunal Colectivo do 2.º Juízo Criminal de Viseu, de 11 de Abril de 2005, pugnando pela imposição de penas únicas de medida inferior.

No STJ, a representante do Ministério Público emitiu parecer, em que, após concordar com a elaboração de dois cúmulos jurídicos (os crimes indicados sob os n.ºs 1) a 4) foram praticados – em 31 de Dezembro de 1994, em Fevereiro e Outubro de 1996, entre 15 de Novembro de 1996 e 15 de Fevereiro de 1998, e em 6 de Setembro de 1998 – antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, enquanto os indicados sob os n.ºs 5) e 6) foram praticados – em 18 de Maio e 4 de Julho de 2001 – após o trânsito, em 14 de Janeiro de 1999, da condenação proferida no proc. n.º 337/01.1TBVIS, mas antes de transitar a condenação por qualquer deles), discordou da integração no primeiro cúmulo das penas de prisão que haviam sido objecto de substituição por pena de suspensão de execução (as penas de 9 meses de prisão e as quatro penas de 5 meses de prisão cada aplicadas no proc. n.º 1280/00.7TBVIS, e a pena de 20 meses de prisão aplicada no proc. n.º 66/00.3IDVIS). Para além de sustentar não ser essa a solução legal, suscitou, a este propósito, a questão da inconstitucionalidade do entendimento jurisprudencial que admite que, na formulação de cúmulo jurídico de penas parcelares que incluam penas de prisão suspensas na sua execução, a pena única não mantenha a suspensão, expendendo, a este propósito, as seguintes considerações (retomando posição doutrinária anteriormente assumida: cf. Odete Maria de Oliveira, “Penas de substituição”, em Centro de Estudos Judiciários, Jornadas de Direito Criminal – Revisão do Código Penal, vol. II – Alterações ao Sistema Sancionatório e Parte Especial, vol. II, Lisboa, 1998, pp. 55-117, em especial pp. 107-113):

“V – Penas de substituição, penas autónomas face à pena de prisão substituída.

1. O nosso sistema penal, integrado no movimento internacional de luta contra a pena «curta» de prisão e a pena de prisão aplicável à pequena e média criminalidade, prevê a possibilidade de imposição de reacções penais não detentivas, apelidadas penas de substituição em sentido próprio – penas cumpridas em liberdade e que pressupõem a prévia determinação da medida da pena de prisão que vão substituir.

2. A pena de suspensão de execução da prisão, prevista no artigo 50.º do Código Penal, constitui uma dessas penas de substituição da pena de prisão [As restantes penas de substituição da pena de prisão encontram-se, actualmente, limitadas a duas: pena de multa de substituição (artigo 44.º) e pena de prestação de trabalho a favor da comunidade (artigos 58.º e 59.º), uma vez que a pena de admoestação – no Código Penal, versão de 1982, pena de substituição da pena de multa, mas também da pena de prisão não superior a 3 meses – deixou no Código Penal, versão de 1995, de ser uma pena de substituição da pena de prisão, funcionando, agora, somente como pena de substituição da pena de multa que deva ser aplicada em medida não superior a 120 dias (artigo 60.º).].

As penas de substituição são verdadeiras penas e não uma forma de execução de uma pena de prisão.

Dando a palavra a Figueiredo Dias [Direito Penal Português, Aequitas/Editorial Notícias, 1993, §§ 78 e seguintes, pp. 89 e seguintes], as «‘novas’ penas, diferentes da de prisão e da de multa, são ‘verdadeiras penas’ – dotadas, como tal, de um conteúdo autónomo de censura, medido à luz dos critérios gerais de determinação da pena (artigo 72.º) –, que não meros ‘institutos especiais de execução da pena de prisão’ ou, ainda menos, ‘medidas de pura terapêutica social’. E, deste ponto de vista, não pode deixar de dar-se razão à concepção vazada no Código Penal, aliás continuadora da tradição doutrinal portuguesa segundo a qual substituir a execução de uma pena de prisão traduz-se sempre em aplicar, na vez desta, uma outra pena» [sublinhados nossos].

A lei processual penal atende também à diversa realidade que as penas de substituição constituem e à sua autonomia face à pena de prisão substituída, regulamentando, separada e distintamente, a execução da pena de prisão e a execução das penas de substituição.

Assim, enquanto que a execução da pena de prisão se encontra prevista nos artigos 477.º a 488.º, integrados no Título II do Livro X – Da execução da pena de prisão –, diversamente, a execução da pena suspensa e a execução da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade mostram-se regulamentadas, respectivamente, nos artigos 492.º a 495.º, e nos artigos 496.º e 498.º, todos do CPP, integrados já no Título III do mesmo Livro – Da execução das penas não privativas de liberdade.

Esta específica regulamentação das penas de substituição mais não é do que o reconhecimento da sua natureza de penas autónomas, ao nível agora da respectiva execução.

É, pois, a própria lei adjectiva a não acolher o entendimento segundo o qual as penas de substituição constituem simples formas de execução da pena de prisão substituída.

  1. Aliás, de há muito que a pena de suspensão de execução da prisão [Outrora apelidada de suspensão condicional da pena, cf. Eduardo Correia, Direito Criminal, II, Almedina, 1971, pp. 395 e seguintes] vem sendo considerada pela doutrina, nomeadamente por Beleza dos Santos, Eduardo Correia e Figueiredo Dias, como uma verdadeira pena [Criticando o entendimento contrário, na doutrina minoritário entre nós, cf. Figueiredo Dias, ibidem, § 494, pp. 329 e 330, e ainda § 512, pp. 339 e 340].

    Acresce que, com o Código Penal revisto, o regime de prova – antes da revisão de 1995 pena aplicada a título principal – passou a constituir uma modalidade da pena de suspensão de execução da prisão (artigos 50.º, n.º 2, 53.º e 54.º).

    Assim, ao unificar-se a pena de suspensão de execução da prisão e o regime de prova numa única pena de substituição, reforçou-se o conteúdo próprio de censura da pena de suspensão de execução da prisão, fazendo sobressair a sua natureza de pena autónoma, de pena de substituição [Claramente neste sentido, comentando o «modelo continental» da suspensão da pena para prova, cf. Figueiredo Dias, ibidem, § 511, p. 339.].

    VI – Revogação da pena de substituição prevista no artigo 50.º

  2. Reconhecendo o quanto a solução propugnada no artigo 51.º, n.º 1, do Código Penal de 1982 tinha de incoerente face aos princípios subjacentes ao movimento de luta contra as penas de prisão aplicáveis à pequena e média criminalidade e que presidiram à opção político-criminal pelas penas de substituição não privativas de liberdade, o Código Penal, após a revisão de 1995, veio determinar que o cometimento de outro crime, ainda que doloso, durante o período de execução da pena...

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