Acórdão nº 538/07 de Tribunal Constitucional (Port, 30 de Outubro de 2007

Data30 Outubro 2007
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACORDÃO Nº 538/2007

Processo n.º 423/07

  1. Secção

Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

  1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que é recorrente Ministério Público e recorrida, A., foi interposto recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal de 10.01.2007, visando a apreciação da constitucionalidade do artigo 145.º, n.º 5, do Código de Processo Civil (CPC), interpretado no sentido de o Ministério Público carecer ? para beneficiar da “prorrogação” do prazo peremptório aí estabelecida ? de emitir, dentro do referido prazo peremptório, uma declaração no sentido de pretender praticar o acto nos três dias úteis posteriores ao termo do prazo, sob pena de, na ausência de tal declaração antecipada, se precludir, por extemporaneidade, a prática do acto.

  2. A decisão recorrida surge na sequência de recurso judicial interposto pelo Ministério Público da sentença do Tribunal Judicial de Espinho, de 09.02.2006, que absolveu a arguida A. do crime de falsificação de documento por que esta estava pronunciada.

    Por acórdão de 10.01.2007, o Tribunal da Relação do Porto decidiu rejeitar o recurso com fundamento na sua extemporaneidade.

    Neste acórdão, de que vem interposto o presente recurso, pode ler-se o seguinte, na parte que agora releva:

    (…) 7. Com relevância para a apreciação da extemporaneidade do recurso, os autos revelam as seguintes ocorrências processuais:

    1) Como consta da acta de fls. 185, a sentença foi lida no dia 9-02-2006, com a presença do magistrado do Ministério Público.

    2) Da declaração de fls. 186 consta que a sentença foi depositada na Secretaria Judicial no mesmo dia 9-02-2006, ficando à disposição dos sujeitos processuais.

    3) O requerimento de interposição do recurso, acompanhado da respectiva motivação, deu entrada na Secretaria do Tribunal no dia 27-02-2006, conforme consta de fls. 187.

    4) No requerimento de interposição do recurso, o Ministério Público fez constar a seguinte declaração: «consigna-se que este acto está a ser praticado no primeiro dia útil após o termo do prazo fixado (cfr. art. 145°, n°5, do Código de Processo Civil)».

    8. Perante esta factualidade, importa apreciar.

    Nos termos do disposto no nº 1 do art. 411º do Código de Processo Penal, o prazo para a interposição do recurso é de 15 dias e conta-se, tratando-se de sentença, a partir do respectivo depósito na secretaria.

    À contagem dos prazos para a prática de actos processuais no âmbito do processo penal aplicam-se as disposições da lei do processo civil (art. 104º, n° 1, do CPP). Dispondo o n° 1 do art. 144° do Código de Processo Civil que o prazo é contínuo, suspendendo-se, apenas, durante as férias judiciais.

    Neste caso, a sentença recorrida foi depositada na Secretaria Judicial no dia 9-02-2006, ficando nessa data à disposição dos sujeitos processuais.

    Por isso, o prazo de 15 dias para a interposição de recurso dessa sentença iniciou-se no dia seguinte, 10-02-2006, e terminou no dia 24-02-2006, que era dia útil (sexta-feira). -

    Sucede que o recurso interposto pelo Ministério Público apenas deu entrada na Secretaria do Tribunal no dia 27-02-2006 (segunda-feira) que corresponde ao primeiro dia útil subsequente ao termo do prazo, e, portanto, fora do prazo. Sem que o recorrente tenha alegado justo impedimento.

    A prática de actos processuais nos três dias úteis posteriores ao termo do prazo, fora dos casos de justo impedimento e ao abrigo do disposto no n° 5 do art. 145° do Código de Processo Civil, aplicável ao processo penal ex vi art. 107°, nº 5, do Código de Processo Penal, está condicionada ao pagamento da multa prevista naquela primeira disposição legal.

    No caso de ser o Ministério Público que pretende praticar o acto em algum dos três dias úteis após o termo do prazo, ao abrigo do disposto no n° 5 do art. 145º do Código de Processo Civil, por se entender que está isento do pagamento da multa ali prevista quando age na defesa dos direitos e interesses que lhe são confiados por lei, como é o caso do exercício do direito de recurso, tem-se vindo a considerar, no âmbito duma interpretação correctiva daquela norma, que, em substituição da multa e no respeito pelos princípios do processo equitativo e da igualdade de armas, deverá apresentar uma declaração no processo, antes de terminar o respectivo prazo normal, de que pretende utilizar aquela faculdade. Sob pena de se considerar o acto extemporâneo.

    Neste sentido se pronunciam o Ac. nº 355/2001 do Tribunal Constitucional, de 11/07/2001, publicado no D.R., II Série, de 13/10/2001, e o Ac. do STJ de 2/10/2003, em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. n° 03P2849.

    O primeiro definiu a seguinte interpretação: “decide não julgar inconstitucional a dimensão normativa que resulta do art. 145º, n°s 5 e 6, do Código de Processo Civil, segundo a qual o Ministério Público está isento da multa aí prevista, devendo contudo o tribunal a quo fazer aplicação de tal preceito no sentido de exigir que o Ministério Público, não pagando a multa, emita uma declaração no sentido de pretender praticar o acto nos três dias posteriores ao termo do prazo”.

    A expressão «declaração no sentido de pretender praticar o acto» não pode ter outro sentido se não o de exigir que essa declaração seja emitida antes de terminar o prazo. De outro modo ter-se-ia usado a expressão «declaração no sentido de que pratica o acto».

    Mas a fundamentação do acórdão também aponta no sentido de que a dita declaração só faz sentido se for emitida antes de terminar o prazo, porquanto “será um modo suficiente e adequado de controlo institucional do cumprimento dos deveres relativos a prazos processuais pelo Ministério Público. Corresponderá a uma alternativa possível a um pagamento de multas, o qual é exigido, fundamentalmente, a partir da perspectiva de interesse no processo, característica de uma actuação processual, não funcional, mas exclusivamente como parte”. Ou seja, tal declaração destina-se a permitir às demais partes ou sujeitos processuais controlar o cumprimento dos prazos por parte do Ministério Público, designadamente no que respeito à interposição do recurso, em que o Ministério Público age “exclusivamente como parte”. Esse controlo só pode exercer-se se, antes do prazo, o Ministério Público declarar que pretende apresentar o recurso num dos 3 dias úteis subsequentes ao termo do prazo. Sob pena de ficar comprometido o princípio da igualdade de armas, por manifesto desequilíbrio a favor do Ministério Público, e não em seu desfavor, como desvirtuadamente sugere o parecer do Ex.mo Procurador-Geral Adjunto.

    É que, mesmo perante a exigência daquela declaração, ainda há quem considere que a faculdade permitida ao Ministério Público de praticar os actos processuais nos 3 dias úteis para além do prazo sem pagar a multa referida nos n°s 5 e 6 do art. 145° do Código de Processo Civil, continua a constituir um favorecimento injustificado gerador de inconstitucionalidade.

    É o que defende o Conselheiro PAULO MOTA PINTO, em declaração de voto aposto ao dito acórdão, dizendo: «a meu ver, as normas do artigo 145°, n°s 5 e 6, do Código de Processo Civil, interpretadas no sentido de permitir a prática de actos processuais pelo Ministério Público “dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo” sem que a sua validade fique dependente do pagamento da multa prevista em tais normas, são inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade e do direito a um processo equitativo (artigos 13°, n.° 1 e 20°, n.° 4 da Constituição)». E justifica: «Não basta, assim, dizer que “o desempenho processual do Ministério Público é expressão de uma função de representante da legalidade ou do cumprimento de estritos deveres funcionais, que integram o essencial do seu estatuto”, para concluir que se justificaria “um certo tratamento diferenciado”(“nomeadamente no que se refere à possibilidade de vir a dispor, independentemente de multa, de um alargamento do prazo processual”). Há que ver em que sentido aponta a diferença de posições. Ora, é evidente que o Ministério Público, justamente porque na posição processual de defensor da legalidade, está obrigado (se não a dar o exemplo de cumprimento estrito dos prazos legais, sem prática do acto em dias subsequentes ao seu termo, pelo menos) a observar, quanto ao sentido do prazo que deve cumprir (mesmo que de duração justificadamente maior), um regime igualmente estrito ao das partes processuais, e não um regime genericamente mais favorável».

    Por sua vez, o acórdão do SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA acima citado, acolhendo aquela interpretação do Tribunal Constitucional e questionando qual a «adaptação» que, em razão de o Ministério Público não dever pagar a multa, será necessário impor ao preceito do n° 5 do art. 145° do Código de Processo Civil, para que «a justificação da isenção da multa não implique um privilégio do Ministério Público relativamente ao não cumprimento dos prazos processuais», conclui que «o Ministério Público, não pagando a multa, emite uma declaração no sentido de pretender praticar o actos nos três dias posteriores ao termo do prazo». Acrescentando que se trata de uma exigência que “equivalerá, num plano simbólico, ao pagamento da multa e será um modo suficiente e adequado de controlo institucional do cumprimento dos deveres relativos a prazos processuais pelo Ministério Público. O que tem que ver com o princípio da igualdade processual dos respectivos sujeitos, no âmbito do processo penal”.

    É também neste sentido que tem decidido esta Relação, de que são exemplo os recentes acórdãos desta Secção de 25-01-2006 e de 14-06-2006, ambos publicados em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/, procs. n° 0416298 e 0517031, respectivamente, e ainda os acórdãos (não publicados), também desta Secção, de 22-03-2006 (proc. n° 1481/04), 07-06-2006 (proc. n°...

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