Acórdão nº 9/09.9SJGRD-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelPAULO GUERRA
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: RECURSO CRIMINAL Decisão: CONFIRMADA Legislação Nacional: ARTIGOS 119º, C),141º, 142º,143º,144º,194º, 3 CPP Sumário: 1. Dos vários interrogatórios previstos na lei (primeiro interrogatório judicial de arguido detido - artigo 141º -, primeiro interrogatório não judicial de arguido detido - artigo 142º - e outros interrogatórios - artigo 144.º), apenas no primeiro interrogatório judicial de arguido detido é imposta a intervenção do Juiz de Instrução (cf. 141.º), dispensando a lei, no artigo 143º, a intervenção do Juiz (apenas a impondo quando o Ministério Público não libertar o arguido - cf. n.º 3) 2. A audição de um arguido em sede do n.º 3 do artigo 194º do CPP não é necessariamente um acto de inquérito com vista à obtenção de prova conducente a uma acusação, sendo antes um mecanismo legal eventualmente enxertado em sede de inquérito e conducente à definição do estatuto processual de um arguido (as medidas de coacção tanto podem ser aplicadas em sede de inquérito como em sede posterior – artigo 194º, n.º 1 do CPP).

  1. O direito à presença do arguido em determinado acto tem necessariamente o significado de presença física, e constitui uma superior garantia de defesa, ao permitir ao arguido a imediação com o julgador e com as provas que contra ele são apresentadas, estando naturalmente esse direito circunscrito a um número reduzido de actos, entre os quais sobressai o julgamento.

  2. O direito de audição não envolve a presença física do arguido, nem sequer a sua intervenção pessoal: trata-se do direito a tomar posição prévia sobre qualquer decisão que pessoalmente o possa afectar e pode ser (e é normalmente) exercido através do seu defensor [daí que seja de rejeitar o conceito de “ausência processual”, ao menos enquanto equivalente à ausência física, para os efeitos do art. 119º, c) do CPP].

Decisão Texto Integral: I - RELATÓRIO 1.

No processo n.º 9/09.9SJGRD, da comarca da Guarda, recorre o Ministério Público do despacho da Mmª Juíza (de Instrução) que decidiu indeferiu o por si requerido primeiro interrogatório judicial do arguido D… para aplicação de medida de coacção mais gravosa do que o Termo de Identidade e Residência.

O Ministério Público, motivando o seu recurso, conclui (em transcrição): «1º- O arguido encontra-se indiciado da prática do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no art. 21°, ou pelo menos no art.

25°, do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22/1.

  1. - O arguido foi detido em flagrante delito pela Polícia de Segurança Pública ao que se seguiu a sua libertação e notificação para comparecer, no dia seguinte, perante o Ministério Público, nos termos do disposto no art.

    385°, n.° 3, alínea. b), do Código de Processo Penal.

    3º- Após a realização do interrogatório do arguido em liberdade pelo Ministério Púb1ico foi promovida ao Juiz de Instrução a audição do mesmo arguido que se encontrava presente no tribunal, ao abrigo do disposto no art. 194°, n.° 3, do Código de Processo Penal, com vista à aplicação das medidas de coacção de obrigação de apresentação periódica e de imposição de obrigações, previstas nos artigos 198° e 200º, do Código de Processo Penal, com os fundamentos que constam da promoção de fis.

    54 a 57 dos autos.

  2. - A Mmª Juíza de Instrução, na douta decisão de fls. 63 a 66, alegando que a realização de interrogatório de arguido em liberdade, no inquérito, é um acto da competência do Ministério Público, indeferiu a realização do interrogatório do arguido.

  3. - A Mmª Juíza de Instrução não se pronunciou relativamente à aplicação das medidas de coacção requeridas pelo Ministério Público nem tão pouco fundamentou essa falta de pronúncia, em violação do disposto no art. 97°, n.° 5, do Código de Processo Penal, o que torna inválida a decisão recorrida.

  4. - A promoção do Ministério Público, de fis. 54 a 57, sobre a qual incidiu o douto despacho recorrido, visa a aplicação de medidas de coacção ao arguido, para fazer às exigências cautelares que o caso requer.

  5. - A competência para a aplicação das medidas de coacção requeridas pelo Ministério Público, na aludida promoção, é do Juiz de Instrução — arts. 1940, n.° 1 e 268º, n.º 1, alínea b) do CPP: 8ª- Ainda que o tribunal a quo considere que no caso em apreço não há lugar ao interrogatório/audição presencial do arguido pelo juiz, não pode deixar de apreciar a promoção na parte que requer a aplicação ao arguido de determinadas medidas de coacção — adoptando uma outra forma de cumprimento do contraditório.

  6. - A aplicação de medidas de coacção deve ser precedida da audição do arguido pelo juiz — art. 194°, n.° 3, e 61°, n.° 1, ai. b), do Código de Processo Penal.

  7. - Em nosso entender, salvo o devido respeito por opinião diversa, o direito de audição do arguido plasmado nas normas legais acima referidas, impõe que a audição do arguido seja efectuada de forma presencial perante o juiz, mesmo no caso do arguido se encontrar em liberdade.

  8. - A decisão recorrida, na medida em que afasta a audição presencial do arguido pelo Juiz — sendo possível de concretizar — precedendo a aplicação de uma rnedida de coacção, para além do Termo de Identidade e Residência, integra a nulidade insanável, cominada no art. 119°, al. c), do Código de Processo Penal.

  9. - Em nosso entender, o Tribunal deveria ter interpretado o disposto nos artigos 194°, n.° 3, 61°, n.°1, ai. b) e 268°, n.° 1, alínea. b), todos do Código de Processo Penal, no sentido de que durante o inquérito o Juiz de Instrução deve ouvir presencialmente o arguido com vista à aplicação das medidas de coacção requeridas pelo Ministério Público, ainda que o arguido esteja em liberdade.

  10. - Caso se considere que não compete ao juiz, durante o inquérito, ouvir presencialmente o arguido que se encontre em liberdade, sempre os referidos normativos devem ser interpretados no sentido de que o juiz tem de cumprir o contraditório, apreciar a promoção do Ministério Público e aplicar as medidas de coacção e de garantia patrimonial que em concreto se mostrem necessárias e adequadas ás exigências cautelares e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas, com a limitação prevista no n.° 2, do art. 194°, do Código de Processo Penal.

  11. - Assim, a decisão recorrida devia ter determinado a audição do arguido ou, pelo menos, cumprido o contraditório, no que ao arguido diz respeito, e apreciado a promoção do Ministério Público que requer a aplicação de medidas de coacção.

  12. - A decisão recorrida violou ou interpretou de forma incorrecta o disposto nos artigos 61°, n.° 1, al. b), 97º, n.° 5, 194°, n.° 4, 268°, n.° 1, al. b), 385°, n.° 3, al. b) e 379°, n.° 1, al. c), todos do Código de Processo Penal, e 668°, n.° 1, al. d) e n.° 3, do art. 666°, do Código de Processo Civil.

  13. - A decisão recorrida enferma de nulidade por falta de fundamentação, da nulidade insanável prevista no artigo 119°, al. c), por ausência do arguido, quando a lei impõe que o mesmo seja ouvido (art. 61°, n.° 1, al. b e 194°, n.° 3) e ainda a nulidade cominada no 120º, n.° 2, al. d), todos do Código de Processo Penal, na medida em que ao não ter determinado a audição do arguido pelo Juiz e proferido decisão que aprecie a requerida aplicação de medidas de coacção, foram omitidos actos legalmente obrigatórios.

  14. - Caso assim se não entenda, a decisão recorrida sempre está ferida de irregularidade, por inobservância do disposto no art. 97°, n.° 5, do Código de Processo Penal, que aqui também se invoca para todos os efeitos, designadamente para os previstos no art. 123°, do mesmo diploma legal.

    Nestes termos e nos demais de direito, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, revogado o despacho recorrido e substituído por outro que determine a audição presencial do arguido pelo Juiz de Instrução e após seja apreciada a promoção do Ministério Público que requer a aplicação de medidas de coacção ao arguido».

    2.

    A fls 66, foi sustentado o despacho recorrido.

    3.

    Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto deu parecer no sentido de que o recurso merece provimento, seguindo, na íntegra, a argumentação do Ministério Público de 1ª instância.

    4.

    Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea b), do mesmo diploma.

    II – FUNDAMENTAÇÃO 1.

    Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).

    Assim, balizados pelos termos das conclusões formuladas em sede de recurso, as duas questões a resolver consistem no seguinte: a)- é obrigatória a audição presencial de um arguido, em sede de interrogatório judicial, com vista à aplicação de medida de coacção mais gravosa do que o TIR, promovida pelo Ministério Público? b)- Não tendo ouvido presencialmente o arguido ou, pelo menos, cumprido o contraditório, no que ao arguido diz respeito, e apreciado a promoção do Ministério Público que requer a aplicação de medidas de coacção, enferma ou não a decisão recorrida de alguma nulidade ou irregularidade? 2.

    O despacho recorrido tem o seguinte teor: «Os presentes autos encontram-se em sede de inquérito, sendo que, aos mesmos, não foi conferida natureza urgente pelo Ministério Público.

    O arguido não se encontra detido (cf. fis. 20, 6º parágrafo).

    O arguido foi ouvido em sede de inquérito sobre os factos cuja prática se indica nos autos (cf. fls. 14 e 15 e 51 a 53).

    O Ministério Público, no termo do interrogatório não judicial, considerando que, em concreto...

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