Acórdão nº 353/07 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Junho de 2007

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução12 de Junho de 2007
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 353/2007

Processo n.º 347/07

  1. Secção

Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

A – Relatório

1 – O Ministério Público recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto dos artigos 280.º, n.º 1, alínea a), e n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, e 70.º, n.º 1, alínea a), 71.º, n.º 1, 72.º, n.º 1, alínea a), e n.º 3, e 75.º-A, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 25 de Janeiro de 2007, que negou provimento aos recursos interpostos pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e pelo Secretário de Estado da Educação da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, em 18 de Outubro de 2006, que decidiu condenar o Ministério da Educação e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior a possibilitar, à ora recorrida A., a realização de novo exame na disciplina de Química (código 642), no prazo de 15 dias, a contar da data da notificação da sentença e a admitirem a mesma recorrida, no ingresso do Curso de Medicina, na Faculdade de Medicina, da Universidade de Coimbra, no ano lectivo de 2006-2007, desde que obtenha média de classificação final igual ou superior à do último candidato admitido a este Curso e Universidade, no mesmo ano lectivo, na parte em que aquela mesma decisão recusou aplicar, «com fundamento em inconstitucionalidade material, as normas constantes dos artigos 1.º e 2.º do Decreto-Lei n.º 147-A/2006, de 31 de Julho, bem como o despacho do Secretário de Estado da Educação n.º 16078-A/2006, de 2 de Agosto, “face à retroactividade por eles gerada em situação de restrição de direitos e violação do princípio da igualdade, entendido este como limite objectivo de discricionariedade legislativa e lesão de modo injustificado e arbitrário da certeza e consequente confiança dos candidatos à 2.ª fase” do concurso para o ensino superior, no ano lectivo de 2006-2007, na estabilidade da ordem jurídica».

2 – Na parte relevante à compreensão da questão de constitucionalidade colocada ao Tribunal Constitucional, o acórdão recorrido discreteou do seguinte modo:

«Entendeu, pois, a sentença recorrida, que o Decreto-Lei n.º 147-A/2006, de 31 de Julho (que veio alterar a alínea c), n.º 2, do artigo 42.º, do Decreto-Lei n.º 296-A/98, de 25 de Setembro), ao determinar no seu artigo 2.º (referente à sua vigência) que produzisse efeitos a partir do início de candidatura ao ensino superior no ano lectivo de 2006/2007, veio alterar as regras do procedimento concursal no decurso do mesmo, pelo que consubstancia retroactividade legislativa interditada pelo artigo 18.º, n.º 3, da CRP, que pôs em causa os princípios da protecção da confiança, da segurança jurídica, corolários do estado de Direito Democrático, bem como do princípio da igualdade e, em especial, de acesso ao ensino superior em igualdade de oportunidades – arts. 2º, 13º e 76º, nº1, todos da CRP, respectivamente.

Alegam os recorrentes que a sentença não consegue preencher os requisitos da intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias já que não justifica que a garantia cultural estabelecida no n.º 1 do art.º 76.º da Constituição possui uma estrutura análoga à dos direitos, liberdades e garantias.

E que, de qualquer forma, se verificaram objectiva e concretamente circunstâncias excepcionalmente gravosas para os alunos que fizeram os exames de Química (Código 642) e Física (Código 615) e que os colocaram na situação de objectiva e manifesta desvantagem gravemente ofensiva do principio da igualdade de candidaturas no concurso de acesso e ingresso ao ensino superior do presente ano, que justificavam o despacho em causa.Circunstâncias essas que decorreram do facto de se terem tratado de disciplinas com novos programas, tardiamente aprovados, implicando significativas dificuldades na adaptação dos manuais escolares e dos próprios docentes às novas exigências, sendo disciplinas anuais, sujeitas a um procedimento de exames inicialmente não previsto, que não pôde beneficiar da experiência anterior e para a qual não foi assegurada preparação.

Sendo que, não só os candidatos da 1ª fase não sabiam quando realizaram os exames da 1ª fase que iriam ter uma segunda oportunidade, e, consequentemente, sofreram esse stress inicial, como os que apenas se candidataram à 2ª fase beneficiaram do facto de nessa 2ª fase já terem disponível, ao invés dos da 1ª fase, o modelo ou arquétipo da 1ª prova ocorrida na 1ª fase, como tiveram mais tempo para estudarem.

E que, já havendo a possibilidade de realizar melhoria na 2.ª fase, conforme decorre da alínea d) do ponto 12 do Despacho n.º 3971/2006, de 20 de Fevereiro, este diploma apenas veio permitir, excepcionalmente, a utilização de tal resultado na 1.ª fase do concurso nacional de acesso ao ensino superior.

Pelo que, que não existiu qualquer restrição de direitos, liberdades e garantias.

Na verdade a simples possibilidade de poderem realizar novo exame constituiu para estes alunos, e só por si, uma oportunidade de atenuar a situação de desvantagem em que se encontravam, sendo esse o objectivo almejado pelos diplomas em análise. Por outro lado, na 2.ª fase, todos os examinandos que à mesma se apresentaram, já puderam beneficiar do contacto prévio com o tipo de prova a que iriam ser sujeitos. É que todos eles haviam tido acesso ao enunciado do exame da 1.ª fase, o qual passou a constituir, objectivamente, um paradigma, ou modelo, do qual puderam extrair dados, orientações e outras achegas, que, por certo, grandemente os beneficiaram na respectiva preparação para o exame a que se apresentaram.

Ora, desse contributo – dado pelo conhecimento do exame da 1.ª fase – não puderam beneficiar os alunos que a esta se apresentaram, uma vez que foram os primeiros a quem se deparou o tipo de exame em causa. Tal já não se verificou relativamente aos que se prepararam para o exame na 2.ª fase, que com serenidade puderam avaliar devidamente o enunciado da 1.ª prova, e, assim, não serem surpreendidos por um exame, que para os alunos da 1.ª fase foi, em termos estatísticos, devastador.

E tal é facilmente detectável na comparação das médias e notas negativas dos alunos que só fizeram exame na 1.ª fase, com as médias e notas negativas dos alunos que só fizeram exame na 2.ª fase.

Pelo que, não se diga que o Decreto-Lei n.º 147-A/2006, de 31 de Julho (que veio alterar a alínea c), n.º 2, do artigo 42.º, do Decreto-Lei n.º 296-A/98, de 25 de Setembro), ao determinar no seu artigo 2.º (referente à sua vigência) que produzisse efeitos a partir do início de candidatura ao ensino superior no ano lectivo de 2006/2007, veio alterar as regras do procedimento concursal no decurso do mesmo, pelo que consubstancia retroactividade legislativa interditada pelo artigo18.º, n.º 3, da CRP.

Quid juris?

Em 1º lugar, cumpre aferir se estamos ou não perante um direito análogo a um direito fundamental.

Nos termos do art. 18º nº3 da CRP «As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais»

E, nos termos do art. 17º da CRP:

“O regime dos direitos, liberdades e garantias aplica-se aos enunciados no título II e aos direitos fundamentais de natureza análoga.”

Por sua vez dispõe o n.º 1 do art. 76.º da CRP que: “O regime de acesso à Universidade e às demais instituições do ensino superior garante a igualdade de oportunidades e a democratização do sistema de ensino, devendo ter em conta as necessidades em quadros qualificados e a elevação ao nível educativo, cultural e científico do país”.

Assim, o acesso ao ensino superior, em igualdade de circunstâncias, é um dos vectores dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

Os direitos fundamentais de natureza análoga são concretizações dependentes de outros importantes princípios jurídicos, sendo a igualdade de acesso ao ensino superior espelho do princípio da igualdade.

Neste sentido referem Gomes Canotilho e Vital Moreira in Constituição da República Portuguesa Anotada, 2.ª Edição, revista e ampliada, 1.º Volume, Coimbra Editora, pág. 149 – 151 que “a garantia de igualdade de oportunidades inerente ao regime de acesso ao ensino superior constitui uma emanação forte do princípio da igualdade, «cuja função de protecção anda associada ao princípio da igualdade como «direito subjectivo público», direito subjectivo público esse que «constitui inequivocamente uma imposição de igualdade de oportunidades», onde se constata a existência de «específicos direitos fundamentais de igualdade», como seja o direito de igualdade no acesso à função pública, na escolha da profissão ou no acesso a cargos públicos».

Referem também estes autores in ob. cit., pág. 363 – 368, 372-373 que o art. 74.º, n.º 1 da CRP consagra o direito ao ensino que significa, constitucionalmente, o direito de acesso à escola e que mais não é do que «um direito negativo, um direito de liberdade semelhante aos “direitos, liberdades e garantias”, pelo que lhe é aplicável o respectivo regime específico», defendendo, a propósito do art. 76.º, n.º 1, que o acesso ao ensino superior encontra-se «intimamente conexionado com a liberdade de escolha de profissão (art. 47.º), pois a qualificação académica universitária é hoje condição (prática e jurídica) de acesso a muitas profissões. Por isso, há-de considerar-se inconstitucional, por atentatório da liberdade de profissão, um regime de contingentação desproporcionado ou arbitrário, que provoque gritantes desigualdades ou que limite … o acesso ao ensino superior».

A este propósito sublinha Carla Amado Gomes in Cadernos de Justiça Administrativa n.º 50, págs. 41 e seguintes que:

…por haver direitos com uma dimensão pessoal no capítulo dos direitos económicos, sociais e culturais, análogos aos direitos liberdades e garantias, que o...

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