Acórdão nº 0775/07 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20 de Dezembro de 2007

Magistrado ResponsávelPAIS BORGES
Data da Resolução20 de Dezembro de 2007
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: (Relatório) I. A..., identificada a fls. 2, intentou no TAF de Viseu, a 19.01.2007, contra o MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO e o MINISTÉRIO DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E ENSINO SUPERIOR, "Acção de Intimação para Protecção de Direitos, Liberdades e Garantias, ao abrigo dos artigos 109º e seguintes do CPTA", alegando, em suma, que, tendo realizado em Junho/Julho de 2006, no âmbito das provas nacionais para acesso ao ensino superior público, a prova de Química na 2ª fase, na qual obteve, após revisão da correcção da prova, a classificação de 13,7 valores, deve ser-lhe concedida, à semelhança do que sucedeu com os seus colegas que realizaram aquele exame na 1ª fase, a oportunidade de realizar um segundo exame da prova de Química (código 642) e, caso obtenha resultado superior ao obtido (13,7 valores), poder optar por ele na nova candidatura a efectuar, pedindo, a final, a condenação dos Réus: (i) a reconhecerem o direito da A. e, consequentemente, a possibilitarem-lhe a realização de novo exame à disciplina de Química (código 642), exame que deverá obedecer aos mesmos critérios de elaboração e dificuldade dos anteriores; (ii) a admitirem a A. a ingressar, ainda no presente ano lectivo, no Curso de Medicina num dos seguintes estabelecimentos de ensino público, por ordem decrescente de preferência, desde que obtenha média de classificação final igual ou superior ao último candidato admitido na respectiva Faculdade neste ano lectivo: 1ª- Universidade do Porto - Faculdade de Medicina (1108/580) 2ª- Universidade do Porto - Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (1110/0580) 3ª- Universidade de Coimbra - Faculdade de Medicina (0506/0580) 4ª- Universidade de Lisboa - Faculdade de Medicina (0705/0580) 5ª- Universidade Nova de Lisboa - Faculdade de Ciências Médicas (0901/0580) 6ª- Universidade do Minho (1000/0580) Por sentença daquele Tribunal, de 12.03.2007 (fls. 194 e segs.), foi deferida a pretensão da A., e, em consequência, os Réus intimados a:

a) Assegurar à Autora A... a realização de um novo Exame de Química (código 642), no prazo de 15 dias contados da data de notificação desta sentença, publicando o resultado de tal exame no prazo máximo de 10 dias, contados desde o dia da sua realização.

b) Admitir o ingresso da Autora, neste ano lectivo de 2006/2007, criando para o efeito uma vaga adicional se necessário, se a mesma obtiver média de classificação final igual ou superior à do último dos candidatos admitidos nos cursos que indicou (com aplicação à Autora da mesma ponderação que foi aplicada aos candidatos que ingressaram este ano nos mesmos cursos e nos mesmos estabelecimentos).

c) Condenando-se as entidades demandadas a sanção pecuniária compulsória no montante diário de 10% do salário mínimo nacional mais elevado, por cada dia de atraso no cumprimento das imposições fixadas nesta decisão.

Ambas as entidades demandadas recorreram da sentença para o TCA-Norte, sustentando que é inidóneo o meio processual utilizado, por não estarem preenchidos os requisitos previstos no art. 109º do CPTA; que nem o DL nº 147-A/2006, de 31 de Julho, nem o Despacho do SEE nº 16078-A/2006, de 2 de Agosto, foram geradores de restrições de direitos, liberdades ou garantias; e que a adopção destas medidas legislativas visou precisamente garantir aos alunos que realizaram o exame de Química (código 642) na 1ª fase [gravemente prejudicados pelas circunstâncias excepcionais identificadas no Despacho nº 16078-A/2006, de 2 de Agosto, e que lhes não eram imputáveis] o princípio da igualdade de oportunidades relativamente aos alunos que realizaram esse exame na 2ª fase, mas em nada afectando ou diminuindo os direitos destes últimos.

Por acórdão do TCA-Norte, de 13.08.2007 (fls. 411 e segs.), foi negado provimento a ambos os recursos, e confirmada a sentença impugnada.

Inconformadas com tal decisão, ambas as entidades demandadas dirigiram a este Supremo Tribunal Administrativo o presente recurso de revista, ao abrigo do disposto no art. 150º do CPTA, tendo o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior declarado aderir, para todos os efeitos legais, e sem reservas, às alegações nesta sede apresentadas pelo Ministério da Educação, que dão por reproduzidas, e nas quais vêm formuladas as seguintes conclusões: I- Não se mostram preenchidos os pressupostos cumulativos de aplicação do artigo 109º do CPTA, porquanto: I.1. A doutrina e o Tribunal Constitucional, nomeadamente no âmbito do processo nº 347/07, Ac. Nº 353/2007, 2ª Secção, in www.tribunalconstitucional.pt, não reconhecem ao direito previsto no art. 76º da CRP o estatuto de direito fundamental de natureza análoga, não podendo, em consequência, beneficiar do regime estatuído nos arts. 109º a 111º do CPTA para protecção de tais direitos; I.2. Era possível e suficiente a utilização cautelar, com decretamento provisório em 48 horas, e do subsequente processo principal, para salvaguardar os interesses que a Recorrida pretendia assegurar; I.3. Ocorre, em síntese, no caso concreto, uma situação originária de inadmissibilidade, isto é, que já se verificava no momento da apresentação da petição inicial pela qual foi instaurado o processo de intimação, e que consiste, por um lado, na inexistência de um alegado direito fundamental ou de natureza análoga a tutelar por uma decisão urgente de fundo e, por outro lado, na possibilidade de a ora Recorrida utilizar outro meio processual para salvaguardar os seus interesses; I.4. À luz do Acórdão do TCA Norte de 16-12-2004, no Proc. 496/04.1BECBR, não foi observado pela Requerente o tempo útil ou o tempo que configuraria a existência de uma situação de especial urgência exigidos no nº 1 do art. 109º do CPTA, bem como no nº 1 do artigo 111º do mesmo Código. Não se mostra, pois, preenchido o pressuposto processual da necessidade de emissão urgente de uma decisão de fundo sobre a tutela do direito invocado pela Recorrida.

Sem conceder, e ainda que se entendesse que estamos perante um direito análogo, o certo é que: II- O Decreto-Lei nº 147-A/2006, de 31 de Julho, e o subsequente Despacho nº 16078-A/2006, de 2 de Agosto, não são restritivos de direitos, liberdades e garantias.

III- Nestes termos, não lhes é aplicável a proibição de terem efeito retroactivo, como previsto no artigo 18º, nº 3 da CRP, cfr. Ac. do TC nº 353/2007, 2ª Secção, in www.tribunalconstitucional.pt.

IV- A adopção destas medidas legislativas visava precisamente garantir o princípio da igualdade e do acesso ao ensino superior em igualdade de oportunidades relativamente aos alunos que realizaram o exame de Química (código 642) e de Física (código 615) na 1ª fase (que foram prejudicados gravemente pelas circunstâncias excepcionais identificadas no Despacho nº 16078-A/2006, de 2 de Agosto, e que manifestamente não lhes eram imputáveis), relativamente aos alunos que realizaram este exame na 2ª fase, em nada afectando ou diminuindo os direitos destes últimos.

V- Assim sendo, considera-se que também não foram violados os artigos 2º, 13º, 74º, nº 1, 276º, nº 1 da CRP.

VI- O douto Acórdão recorrido, ao decidir nos termos do entendimento nele perfilhado, é que ofendeu o estatuído nos artigos 18º, nº 3, 2º, 13º, 74º, nº 1, e 76º, nº 1 da CRP e 109º do CPTA.

Pelo exposto (...), deve o presente recurso de revista ser admitido e declarado procedente, revogando-se o douto Acórdão recorrido, de 13 de Agosto 2007, com todas as consequências legais, assim se fazendo JUSTIÇA II.

Não foram apresentadas contra-alegações, e, neste STA, foi a presente revista admitida, em apreciação preliminar sumária, pelo Acórdão de fls. 497 e segs.

  1. O Exmo magistrado do Ministério Público neste Supremo Tribunal emitiu sobre o mérito do recurso o seguinte parecer, devidamente notificado às partes: "O presente recurso de revista vem interposto do acórdão do Central Tribunal Administrativo Norte, de 13-08-07, que, negando provimento ao recurso jurisdicional interposto da sentença do TAF de Viseu, manteve o deferimento do pedido de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias nos termos do qual os Ministérios da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e da Educação foram condenados: 1- Assegurar à autora A... a realização de exame de Química (Código 642), no prazo de 15 dias contados da notificação desta sentença, publicando o resultado no prazo máximo de 10 dias contados desde o dia da sua realização; 2- Admitir o ingresso da autora, neste ano lectivo de 2006/2007, criando para o efeito uma vaga adicional, se necessário, se a mesma obtiver média de classificação igual ou superior à dos últimos dos candidatos admitidos nos cursos que indicou (com aplicação da mesma ponderação à Autora que foi aplicada aos candidatos que ingressaram este ano nos mesmos cursos e nos mesmos estabelecimentos).

Fundamentando o assim decidido, para além de se concluir pela improcedência da questão prévia que fora colocada - inidoneidade do meio processual utilizado - ponderou-se, no essencial, que o DL nº 147-A/06, de 31/07 (alterando a alínea c), nº 2, do artigo 42º do DL 296-A/98, de 25/09), ao determinar no seu art. 2º (reportado à sua vigência) que produzisse efeitos a partir do início da candidatura ao ensino superior no ano lectivo de 2006/2007, punha em causa os princípios da protecção da confiança, da segurança jurídica, corolários do Estado de Direito Democrático, bem como do princípio da igualdade e, em especial, de acesso ao ensino superior em...

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