Acórdão nº 227/07 de Tribunal Constitucional (Port, 28 de Março de 2007

Magistrado ResponsávelCons. Mota Pinto
Data da Resolução28 de Março de 2007
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 227/2007

Processo n.º 946/05

  1. Secção

Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório

    AUTONUM 1.O representante do Ministério Público junto do Tribunal de Comércio de Lisboa interpôs, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei do Tribunal Constitucional), recurso para este Tribunal da decisão proferida em 19 de Outubro de 2005 pelo Tribunal de Comércio de Lisboa, no âmbito do procedimento cautelar inominado intentado por A., LD.ª e B., LD.ª contra C., S.A., que recusou a aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade, da norma decorrente do preceituado nos artigos 13.º, n.º 1, e tabela anexa, 14.º, n.º 1, al. n), e 18.º, n.º 2, todos do Código das Custas Judicias, por violação dos artigos 20.º e 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa. Pode ler-se nessa decisão, no que ora importa:

    (…)

    - Por último alegam as reclamantes que os art.ºs 13°, n.º 1, em conjugação com o anexo 1 referido no mesmo preceito, 14.º, n.º 1, al. n), e 18.º, n.º 2, todos do Cód. Custas Judiciais, na medida em que não estabelecem um limite máximo para as custas a pagar, nomeadamente através de um limite para o valor da acção a considerar para efeito de cálculo da taxa de justiça, violam os princípios da proporcionalidade, da não discriminação e do acesso à justiça (art.ºs 2.º, 266.º, n.º 2, e 20.º da Constituição).

    O princípio da proporcionalidade, também designado de princípio da “proibição do excesso”, surge como o corolário do princípio da confiança inerente à ideia de Estado de Direito democrático (cfr. art.º 2.º da Constituição). Analisando este princípio enquanto pressuposto material para a restrição legítima de direitos, liberdades e garantias, Gomes Canotilho e Vital Moreira referem que o mesmo se desdobra em três subprincípios: da adequação, da exigibilidade e da proporcionalidade em sentido restrito.

    Da adequação na medida em que qualquer restrição dos direitos, liberdades e garantias deve revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (que passam pela salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos). Da exigibilidade porque tais medidas devem revelar-se necessárias, isto é, os fins visados pela lei não poderiam ser obtidos de forma menos onerosa para os direitos, liberdades e garantias. Da proporcionalidade em sentido estrito porque essas medidas e os fins obtidos devem situar-se numa “justa medida” (in Constituição da República Anotada, Coimbra Editora, 3.ª ed., p. 152).

    Sobre o princípio da proporcionalidade referido no art.º 266.º, n.º 2, da Lei Fundamental dizem os mesmos autores que a Administração “deve prosseguir os fins legais, os interesses públicos, primários e secundários, segundo o princípio da justa medida, adoptando, dentre as medidas necessárias e adequadas para atingir esses fins e prosseguir esses interesses, aquelas que impliquem menos gravames, sacrifícios ou perturbações à posição jurídica dos administrados” (op. cit., p. 924).

    Aplicado ao sistema de custas judiciais o princípio da proporcionalidade implica que a fixação da taxa de justiça tenha subjacente a actividade judicial desenvolvida, seja adequada ao serviço prestado (administração da justiça), seja a justa medida entre a exigência de pagamento da taxa e o serviço de administração da justiça.

    Por sua vez, o princípio do acesso ao direito, consagrado no art.º 20.º, tem subjacente a ideia de que a todos assiste o direito à protecção jurídica. Trata-se de um direito que é em si mesmo um instrumento da defesa dos direitos e interesses legítimos de qualquer pessoa, singular ou colectiva, e que é parte integrante do princípio da igualdade. O acesso ao direito inclui, obviamente, o direito que todos têm de recorrer ao tribunal para obter uma decisão jurídica destinada a resolver uma qualquer questão juridicamente relevante, direito esse que é universal, isto é, que a todos assiste sem qualquer excepção, designadamente de cariz económico.

    Daí que, não impondo a Constituição a gratuitidade da administração da justiça (cfr. entre outros Ac.s TC n.ºs 307/90, 467/91 617/99, 214/00), ela já impõe, por via deste art.º 20.º, que a contrapartida pela prestação dos serviços de administração da justiça não impeça ou restrinja de modo intolerável o direito de acesso aos tribunais.

    “O asseguramento da garantia do acesso aos tribunais subentende uma programação racional e constitucionalmente adequada aos custos de justiça: o legislador não pode adoptar soluções de tal modo onerosas que impeçam o cidadão médio de aceder à justiça. (...) Não sendo gratuita a justiça, e instituindo a lei um sistema de apoio judiciário capaz de garantir o acesso aos tribunais dos cidadãos com insuficiência de meios económicos, há que ponderar se a solução legal sobre custas, aqui em apreço, realiza ou não, relativamente aos cidadãos com capacidade contributiva média, o imperativo da norma do art.º 20.º, n.º 1, da Constituição.” (Ac. TC n.º 248/94, de 22 de Março de 1994).

    É precisamente esta a questão que se coloca nestes autos: a de saber se, face às regras aplicáveis relativas à fixação da taxa de justiça, às requerentes, empresas que têm uma capacidade económica que não lhes permite beneficiar do instituto do apoio judiciário, está efectivamente vedado o acesso ao tribunal.

    O art.º 13.º, n.º 1, do Cód. Custas Judiciais (redacção aplicável) dispõe que “[s]em prejuízo do disposto nos artigos seguintes, a taxa de justiça é, para cada parte, a constante da tabela do anexo 1, sendo calculada sobre o valor das acções, incidentes com a estrutura de acções, procedimentos cautelares ou recursos”.

    O art.º 14.º, n.º 1, al. n), do mesmo diploma estabelece que “[a] taxa de justiça é reduzida a metade, não sendo devida taxa de justiça subsequente, nos procedimentos cautelares e respectiva oposição”.

    Por seu turno o art.º 18.º, n.º 2, do referido Código estabelece que “[n]os recursos dirigidos aos tribunais da Relação a taxa de justiça é metade da constante da tabela do Anexo 1, não sendo devida taxa de justiça subsequente, não havendo lugar a reduções”.

    Estes três preceitos estão directamente relacionados com a referida tabela do anexo 1, tabela essa que fixa o montante da taxa de justiça inicial e subsequente em função do valor da acção, incidente ou recurso, em montante determinado até acções cujo valor ascenda a € 49.789,79 (redacção aplicável). De acordo com a mesma tabela, quando o valor da acção, incidente ou recurso, for superior a € 49.979,79 à taxa de justiça do processo acresce, por cada € 4.987,98 ou fracção, € 49,88 de taxa de justiça.

    É neste ponto que as reclamantes centram o seu juízo de desconformidade do Código das Custas com os princípios constitucionais da proporcionalidade e do acesso à justiça. Entendem as reclamantes que não havendo um limite máximo para as custas a pagar, a estabelecer através da fixação de um limite para o valor da acção a considerar para efeito do cálculo da taxa de justiça, fica, na prática, vedado o acesso aos tribunais em casos como o dos autos.

    No presente caso as requerentes atribuíram à providência o valor correspondente aos prejuízos que alegaram ter em função da conduta imputada à requerida, valor esse que ascendeu a € 51.742.000,0. A providência foi julgada improcedente na 1.ª instância, as requerentes recorreram para o Tribunal da Relação que confirmou a decisão recorrida.

    Transitada esta última decisão o processo foi à conta que, elaborada de acordo com o Cód. Custas Judiciais, na redacção anterior à introduzida pelo Dec.-Lei n.º 324/2003, apurou que as custas da responsabilidade das requerentes ascendem a € 584.403,82, dos quais € 388.226,01 correspondem às taxas aplicáveis, € 116.467,80 à procuradoria e € 77.645,21 às custas de parte (fls. 2222).

    A questão que se coloca é a de saber se a taxa de justiça aplicável em função dos preceitos legais já referidos e da tabela 1 anexa ao Cód. Custas Judiciais, e que está na base do montante final apurado de custas, é adequada ao serviço prestado (administração da justiça), é a justa medida entre a exigência de pagamento da taxa e o serviço de administração da justiça, por um lado, e não é impeditiva do real acesso das responsáveis pelas custas à justiça, por outro.

    Ora a resposta não pode deixar de ser negativa para ambas as questões.

    Por um lado, a inexistência de um tecto máximo a atender para efeitos de fixação da taxa de justiça e, consequentemente, a inexistência de um limite máximo para as custas a pagar, põe em causa o equilíbrio (adequação) que tem de existir entre os dois binómios a considerar por força do princípio da proporcionalidade: exigência de pagamento de taxa versus serviço de administração da justiça. Sendo certo que a taxa de justiça é fixada em função do valor da causa, não é menos certo que o valor da taxa de justiça (e consequentemente o das custas a pagar a final) fixado em função desse valor, sem qualquer tecto máximo, possibilita a obtenção de valores, como é o caso dos autos, que saem completamente fora dos parâmetros aceitáveis dentro daquela “justa medida” a equacionar entre a exigência de pagamento da taxa e o serviço (de administração da justiça) prestado.

    Por outro lado, os montantes assim calculados mostram-se incomportáveis para a capacidade contributiva de qualquer utilizador dos serviços, designadamente se considerarmos os casos, como o dos autos, de maior incerteza sobre o resultado do processo.

    Em suma, ao não estabelecerem um limite máximo para as custas a pagar, designadamente por não estabelecerem um limite máximo para o valor da acção a considerar para efeito de cálculo da taxa de justiça, os art.ºs 13.º, n.º 1, por referência à tabela 1 anexa ao Cód. Custas Judiciais, 14.º, n.º 1, al. n), e 18.º, n.º 2, violam os princípios constitucionais da proporcionalidade e do acesso aos tribunais.

    Nos termos do disposto no...

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