Acórdão nº 210/07 de Tribunal Constitucional (Port, 21 de Março de 2007

Magistrado ResponsávelCons. Maria dos Prazeres Beleza
Data da Resolução21 de Março de 2007
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 210/2007

Processo n.º 778/06

  1. Secção

Relatora: Conselheiro Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Por sentença do Tribunal Judicial da Comarca de S. João da Madeira de 10 de Março de 2005, de fls. 355, foi decidido, designadamente, e apenas para o que agora releva, condenar o arguido A. pela prática de um crime de homicídio negligente, previsto e punido pelo artigo 137.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de prisão de um ano, suspensa na sua execução por dois anos, e julgar improcedente o pedido de indemnização feito por B.contra a Companhia de Seguros C., S. A.

    O homicídio em causa foi consequência de um acidente de viação que o tribunal entendeu ter sido provocado, em síntese, por "negligência inconsciente" na realização de uma manobra ilegal por parte do arguido, não tendo ficado provado que a vítima tivesse, por alguma forma, concorrido para tal resultado.

    Inconformada, B. interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 10 de Maio de 2006, de fls. 533, lhe negou provimento.

    Ao recorrer, B. – que considera que a sentença "não atendeu ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 275/2002" –– sustentou a inconstitucionalidade da "norma do n.º 2 do artigo 496º do CC., enquanto interpretada no sentido de que exclui a atribuição de um direito a indemnização por danos não patrimoniais ao unido de facto", o que deveria conduzir, "a esta luz", à inclusão naquele n.º 2 do "unido de facto". Em seu entender, aquela norma viola, quer o artigo 13º, quer o n.º 1 do artigo 36º e o artigo 67º, todos da Constituição.

    Apenas para o que agora releva, o Tribunal da Relação do Porto decidiu o seguinte:

    Facilmente se constata que a letra do preceito legal não comporta o membro da união de facto sobrevivo na elencagem dos titulares do direito de indemnização por danos não patrimoniais.

    Não o fazendo (como aliás vem invocado em sede de recurso) e devendo tê-lo previsto estará a violar-se o princípio da igualdade (art. 13.º da CRP)?

    Já em 1998 o STJ (cfr. Ac. Do STJ de 23/04/98, CJ/Acs. Do STJ, 2.º - 49) decidiu quanto à matéria que “…não é inconstitucional o n.º 2 do art. 496.º do Código Civil ao não contemplar a chamada união de facto.

    O princípio da igualdade não recusa as distinções, podendo o legislador estabelecer distinções de tratamento desde que para elas exista fundamento material.

    O que o princípio recusa é o arbítrio legislativo, ou seja, à luz de tal princípio, inconstitucionais são apenas as distinções de tratamento que a lei estabeleça e que sejam manifestamente irrazoáveis, irracionais.

    No caso não existem razões materiais capazes de explicar, de tornar racionalmente aceitável, atribuição do direito de indemnização ao ex-cônjuge e de não prever outro tanto para o ex-companheiro de facto.

    A doutrina do Assento do STJ de 23/04/87 foi declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, apenas por violação do princípio da não discriminação dos filhos, contido no art. 36.º, n.º 4, da Constituição, e não por ter sido preterida a equiparação da união de facto à união matrimonial.

    O art. 67.º da Constituição não proíbe que o legislador dispense certa protecção à união de facto, mas não lhe impõe que o faça…”.

    Posteriormente, no mesmo sentido se veio a decidir no Ac. do STJ de 4/11/2003 – in CJ/Acs. Do STJ – Ano XI, T. III, págs. 133 a 136. Ali se escreveu que: …Sob tal perspectiva, não há como não concluir que a dita norma n.º 2 do art. 496.º do CC) nem vai contra o artigo 13.º (CRP) (princípio da igualdade), nem contra o art. 36.º, n.º 1 (família, casamento e filiação), conjugado com o princípio da proporcionalidade, nem contra o art. 67.º (família), todos da Constituição da República, porque na verdade, a distinção que se estabelece tem respaldo numa prioridade de valores e num programa de protecção que ela própria adoptou e, por isso, não é injustificadamente arbitrária nem discriminatória, nem desprotege a família de facto.

    Trata diferentemente, para aquele efeito indemnizatório, o cônjuge legal e o cônjuge de facto, tendo boas razões para distinguir, aí, o que distinto é, sem, por outro lado, a negar o direito ao cônjuge de facto passar dos limites da necessidade, da adequação e da racionalidade, que dão corpo à ideia de proporcionalidade.

    É de dizer, nesta última perspectiva que o direito previsto no n.º 2 do art. 496.º do CC, não constitui, na óptica da proporcionalidade, como princípio de direito constitucional inspirador dos direitos fundamentais, uma medida necessária à protecção do direito fundamental a constituir família, porque não implica com a protecção minimamente exigível àquele elemento de base da sociedade, e que, nessa medida, atribuir tal direito ao cônjuge de direito e não ao cônjuge de facto não constitui defeito de protecção deste último.

    Mais recentemente, no mesmo sentido, decidiu o STJ, por Acórdão datado de 24/05/2005 – in www.dgsi.pt .

    Assim sendo, e como também se decidiu na sentença recorrida, entendemos que a norma do referenciado n.º 2 do art. 496.º do Código Civil não enferma de qualquer juízo de inconstitucionalidade, entendendo acertada a decisão, o que implica, nessa parte, a improcedência do recurso.

    Cumpre esclarecer que, com esta fundamentação, a Relação indeferiu a pretensão de indemnização, formulada pela recorrente, por danos morais sofridos por ela própria e pelo falecido (perda do direito à vida e danos decorrentes do sofrimento que a antecedeu). A recorrente sustenta que, em ambos os casos, se trata direitos que o n.º 2 do artigo 496º do Código Civil lhe atribui originariamente, e não a título hereditário.

  2. B. recorreu deste acórdão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.

    Começando por considerar que se "contrapõem (…) duas interpretações, quanto à constitucionalidade, do n.º 2 do artigo 496º CC, na sua aplicação quanto ao direito a indemnização, em caso de morte da vítima de acidente de viação a caber à pessoa que vivia com a vítima em situação de união de facto estável, e duradoura e em condições análogas às dos cônjuges, pelos danos não patrimoniais pessoalmente sofridos", diz pretender a "apreciação da interpretação dada, no caso concreto, ao n.º 2 do artigo 496.º CC. (…) porque a interpretação dada viola o n.º 1 do artigo 36.º da CRP e artigo 13.º da CRP, conjugado com o princípio da proporcionalidade".

    Notificadas para o efeito, as partes apresentaram alegações.

    A recorrente, B. formulou então as seguintes conclusões:

    1- A Constituição da República Portuguesa, faz no seu artigo 67°, uma distinção clara entre família e casamento, consagrando assim família como uma realidade mais ampla que o casamento.

    2- A Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 67°, consagra também o princípio da protecção dessa realidade ampla – família e seus membros – independentemente do casamento.

    3- A Constituição da República Portuguesa, consagra também no seu artigo 13° o princípio da igualdade dos membros da família, o qual deve ser interpretado no sentido de que sem justificação material bastante, razoável, não deve haver tratamento diferente entre as duas situações iguais.

    4- As situações de cônjuge ou de unido de facto, são iguais, quando analisadas à luz da protecção à família insertas na CRP, pelo que não devem ter tratamento diferente. Ambos são membros da família protegida pela Constituição da República Portuguesa.

    5- Assim, para efeito do n° 2 do artigo 496° CC, o unido de facto que sobreviveu à morte de seu companheiro deve ser considerado na situação de cônjuge para efeitos de beneficiário do direito à indemnização por danos não patrimoniais.

    6- O sofrimento sofrido pelo companheiro sobrevivo de união de facto é igual ao sofrimento pela dor e perda sentida pelo cônjuge sobrevivo.

    7- A distinção entre as duas situações – no caso, cônjuge ou unido de facto – tem de se basear num critério que possa ser relevante considerado o efeito querido.

    8- O vínculo matrimonial por contraposição à convivência em união estável e duradoura, não constitui só por si fundamento razoável para excluir a companheira da vítima da indemnização por danos não patrimoniais.

    9- O intérprete tem de interpretar a lei de modo que a sua interpretação não choque, sem justificação razoável, com os princípios fundamentais de ordenamento jurídico, nomeadamente a constituição da República Portuguesa.

    10- A interpretação, da norma do n° 2 do artigo 496 CC. é inconstitucional, quando interpretada no sentido de excluir o sobrevivente da união de facto, em caso de homicídio, do direito à indemnização por danos não patrimoniais, por violação do artigo 13°, n° 1 do artigo 36° e 67° CRP.

    11- A recorrente vivia em união de facto, estável e duradoura e a equiparação da sua posição à do cônjuge, coloca-a no 1° grau dos beneficiários, quando os pais são colocados no 2° grau.

    12- Foram pois violados os princípios consignados nos artigos 13º, 36° e 67° da CRP.

    13- Deverá ser declarada a referida inconstitucionalidade daquela interpretação do n° 2 do artigo 496° CC.

    Contra-alegou, em primeiro lugar, a recorrida COMPANHIA DE SEGUROS C., SA, concluindo da seguinte forma:

    1. Não podem ter o mesmo tratamento jurídico situações juridicamente diferentes;

    2. Os "parceiros" não podem pretender beneficiar do estatuto de "cônjuge";

    3. O Tribunal Constitucional não pode ser o "padroeiro" dos contravalores e "encaixar" no n.º 2 do artº 496º do CC uma situação de facto que o legislador não quis lá "meter";

    4. Sob pena de estar a invadir a área reservada ao Poder Legislativo e cometer ele próprio uma inconstitucionalidade".

    Alegou igualmente o Ministério Público, formulando estas conclusões:

    1 – É inconstitucional, por violação do artigo 36°, n° 1, da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, a norma do n° 2 do artigo 496° do Código Civil, na parte em que – em caso de morte da vítima de um crime...

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