Acórdão nº 6496/07-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 17 de Julho de 2007

Data17 Julho 2007
ÓrgãoCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)
  1. Nos presentes autos de processo comum nº ----/91.2 TDLSB-1 (17/96 A), da 2.ª Secção da 2.ª Vara Criminal de Lisboa, precedendo promoção do Ministério Público, o senhor juiz proferiu o seguinte despacho: "1. O Arguido W.V. encontra-se acusado da prática, em 15.07.1991 de um crime de furto abuso de confiança p. e. p. pelo art.º 300.º/1 e 2 al. a) do Código Penal na sua versão original de 1982, hoje p. e. p. no art.º 205.º/1 e 4 al. b) do Código Penal actual.

  2. Conforme promovido, entendemos que se justifica, suscitar a questão da prescrição do procedimento criminal.

    Até ao momento, e por força da aplicação da interpretação fixada no Assento do STJ 10/2000 de 19.10.2000 (in D.R. I-A, 10.11.2000) não foi decidido julgar o procedimento criminal prescrito. Este assento, actualmente definido como Acórdão de Fixação de Jurisprudência, e por força do art.º 445.º/3 do Código de Processo Penal, não constitui jurisprudência obrigatória, mas os Tribunais deverão seguir o seu entendimento a menos que logrem fundamentar as divergências relativamente àquela jurisprudência. Aliás, decidindo de forma divergente, impõe-se recurso obrigatório (art.º 446.º do Código de Processo Penal), sendo certo que deste preceito se retira que a alteração dessa jurisprudência uniforme depende do entendimento pelo STJ de que estará ultrapassada.

    O Assento aplicado data de Outubro de 2000, ou seja, tem apenas seis anos e meio, não tendo ocorrido alteração legislativa entretanto no âmbito das normas aplicadas. Assim, à partida, não se afigurava como ultrapassada a jurisprudência fixada.

    Porém, actualmente o panorama alterou-se com o Acórdão do Tribunal Constitucional 110/2007 de 15.02.2007 (D.R. 2.ª Série, 20.03.2007) no qual, e num caso concreto, foi declarada a inconstitucionalidade da interpretação seguida no citado assento.

  3. A questão que se coloca agora, é a de saber se há fundamento para não seguir a jurisprudência do Assento do STJ 10/2000 de 19.10.2000 e, se assim for, se está prescrito o procedimento criminal nestes autos.

    Tal Assento determina que «No domínio da vigência do Código Penal de 1982 e do Código de Processo Penal de 1987, a declaração de contumácia constituía causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal.» Estamos, pois, a navegar nas águas da prescrição do procedimento criminal, o qual sofreu alterações desde a prática dos factos até ao presente considerando a entrada em vigor da Lei nº 65/98 que procedeu a alterações ao Código Penal.

    Estando o decurso do prazo para prescrição abrangido por uma situação de sucessão de leis no tempo, e atendendo aos efeitos substantivos inerentes, e reconhecidos, das normas prescricionais, há que aplicar o regime que, em concreto, se verificar ser o mais favorável ao arguido (art.º 2º/4 do Código Penal).

    Na anterior versão do Código Penal (1982) não havia qualquer referência à contumácia, posto que este instituto apenas "nasceu" com o Código de Processo Penal na sua versão de 1987. Procurando obviar ao desencontro vivido desde a entrada em vigor desse Código de Processo Penal 1987 e as alterações ao Código Penal em 1998, altura em que passou a constar deste código a referência à contumácia como causa de suspensão e de interrupção do prazo prescricional, foi proferido o referido Assento, cuja fundamentação, por ser pública e não se justificar para o presente despacho, nos autorizamos a dar como reproduzida.

    Vem agora o Tribunal Constitucional, e apenas em sede de fiscalização concreta, ou seja, sem força obrigatória geral, «Julgar inconstitucional, por violação do artigo 29.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição da República, a norma extraída das disposições conjugadas do artigo 119.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, e do artigo 336.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ambos na redacção originária, na interpretação segundo a qual a prescrição do procedimento criminal se suspende com a declaração de contumácia».

    A fundamentação deste acórdão é extensa e encontra-se devidamente publicitada com a publicação em Diário da República conforme acima enunciámos. Sem escamotear todos os demais argumentos, especial relevo deixamos à consideração de que «Não podia, pois, entender-se que a previsão de "suspensão dos termos ulteriores do processo até à apresentação ou à detenção do arguido", como efeito da declaração de contumácia, incluía, como seu sentido comum e literal, a suspensão da prescrição do procedimento criminal, a qual começava a correr antes do processo e podia não ser afectada por uma sua suspensão. Tal interpretação, implicando uma "interpretação "criadora", que no caso foi tornada indispensável pela falta de adequada previsão legal inequívoca" (expressão do citado Acórdão n.º 285/99), é, nesta medida, incompatível com a Constituição, pois viola o princípio da legalidade a que está também sujeita a definição das causas de suspensão da prescrição do procedimento criminal».

    Com efeito, a interpretação sustentada no Assento em apreço, alarga o entendimento dos termos definidos na lei de forma a abranger um instituto sem qualquer paralelo à data da criação dessa mesma lei, alargando dessa forma os prazos de prescrição, em nítido desfavor do Arguido, com referência aos efeitos substantivos do instituto prescricional.

    Pelo exposto, e reportando-nos à fundamentação do acórdão do Tribunal Constitucional, também nós entendemos que o Assento 10/2000 está ferido de inconstitucionalidade e, dessa forma, neste momento em que se impõe, por impulso do Arguido, reapreciar da prescrição do procedimento criminal, decidimos não aplicar o citado Assento, com fundamento na sua inconstitucionalidade.

  4. Após o exposto, olhemos então aos factos.

    O crime pelo qual se encontra o Arguido acusado tem uma pena abstracta máxima de 8 anos de prisão quer na lei antiga quer na lei nova (cfr. artigos e diplomas já citados). Também o prazo prescricional é o mesmo (art.º 117.º al. b) do Código Penal 82; art.º 118.º al. b) do Código Penal actual).

    Ora, nos presentes autos o arguido nunca esteve preso ou abrangido por qualquer das situações previstas nos artigos 119º e 120º do Código Penal 82, i.e., não se verificam quaisquer circunstâncias capazes de interromper ou suspender o decurso do prazo prescricional, excepto o...

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