Acórdão nº 9250522 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 23 de Setembro de 1992

Magistrado ResponsávelBAIÃO PAPÃO
Data da Resolução23 de Setembro de 1992
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em conferência, na Relação do Porto: No processo comum nº 61/92 - 1ª secção do tribunal judicial da comarca de Lousada, pendente contra a arguida Ana Maria ........... sob acusação deduzida pelo Ministério Público por autoria de um crime de emissão de cheque sem provisão previsto e punido pelos artigos 23 e 24 nºs. 1 e 2, alínea a), do Decreto nº 13004 de 12/01/1927 ( na redacção introduzida pelo artigo 5 do Decreto-Lei nº 400/82, de 23/09 ), tendo sido recebida a acusação nos seus precisos termos e designado o julgamento para 07/04/92, o Meritíssimo Juiz, nesse dia 7, proferiu despacho, subordinado à epígrafe " Questão prévia - artigo 338 nº 1 do Código de Processo Penal ", em que, invocando o estatuído no artigo 2, nº 2, do Código Penal, julgou extinto o procedimento criminal e determinou o arquivamento dos autos, decretando ainda a extinção da medida de coacção aplicada à arguida, depois de considerar que, com a entrada em vigor, em 28/03 do corrente ano, do Decreto-Lei 454/91, de 28/12, que no seu artigo 11 estabelece que será condenado nas penas previstas para o crime de burla quem, causando prejuízo patrimonial, emitir e entregar a outrém cheque de valor superior a 5000$00 que não for integralmente pago por falta de provisão verificada nos termos e prazos da Lei Uniforme relativa ao Cheque, se verificou a descriminalização das condutas puníveis em face do artigo 24 do Decreto nº 13004 - mesmo que relativas a cheque de valor superior a 5000$00, como o dos autos -, já que a introdução, na previsão, do elemento constitutivo " causar prejuízo patrimonial " converteu o que era um crime de perigo abstracto ( cfr. o Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 20/11/1980 in Diário da República de 13/04/81 ) num crime novo, que reveste a natureza de crime de resultado, em que o bem jurídico tutelado é absolutamente diverso do anterior regime. Deste despacho interpôs o Ministério Público o presente recurso, e na respectiva motivação, depois de enunciar especificadamente os fundamentos da sua posição de discordância, terminou com a formulação das seguintes conclusões: 1ª- Tendo em conta o Decreto nº 13004 e a entrada em vigor do Decreto-Lei 454/91, de 28/12 - sendo que ambos os dispositivos legais versam sobre a regulamentação da matéria penal relativa ao uso de cheques - parece que estamos perante uma sucessão, no tempo, de leis penais e que a entrada em vigor do Decreto-Lei 454/91 não extinguiu completamente a responsabilidade criminal decorrente do facto praticado na vigência da lei anterior; 2ª- O critério que deverá ser adoptado para a decisão sobre a descriminalização da conduta ou sobre a aplicação da lei mais favorável será o critério da continuidade normativa típica entre as duas leis, tendo em conta os princípios jurídico-políticos e político-criminais; 3ª- O elemento determinante do referido critério é o tipo legal; 4ª- O artigo 11, nº 1, do Decreto-Lei 454/91 estabelece, através da adição de um novo elemento especializador do tipo legal, uma redução da punibilidade; 5ª- O elemento " ex novo " inserido no tipo legal estabelecido pelo Decreto-Lei 454/91 já estava necessária e logicamente contido no conceito geral da lei antiga, embora só implicitamente; 6ª- Conforme o teor da Circular da Procuradoria-Geral da República de 31/03/92, fazendo-se apelo aos critérios de interpretação das normas de direito penal, pode-se afirmar que o elemento objectivo do tipo " prejuízo patrimonial ", agora especificado na nova lei, já se encontrava presente na definição fundamental do crime previsto no Decreto 13004, embora apenas implicitamente; o dito elemento é mesmo especificado na lei antiga numa das suas causas de agravação ( artigo 24 , nºs. 1 e 2, alínea b) do Decreto 13004 ); e a mesma conclusão se tira quanto à relevância criminal dada ao montante consideravelmente elevado do cheque; 7ª- Sendo assim, dever-se-á aplicar o disposto no artigo 2, nº 4, do Código Penal, dado existir continuidade normativa típica entre os dois dispositivos legais; 8ª- Aplicou assim o Meritíssimo Juiz " a quo ", no seu despacho, incorrectamente, o nº 2 do artigo 2 do Código Penal; 9ª- Os presentes autos devem prosseguir para julgamento, aplicando-se, nessa altura, a lei em concreto mais favorável à arguida, ou seja, o Decreto-Lei 454/91, dado existir uma restrição à incriminação e, se for caso disso, o disposto no artigo 358 do Código de Processo Penal. O Meritíssimo Juiz " a quo " sustentou doutamente o despacho impugnado, tendo considerado ainda, para além do mais, que das alíneas do nº 2 do artigo 24 do Decreto 13004, na redacção do citado artigo 5 do Decreto-Lei 400/82, nomeadamente da alínea b), não poderá retirar-se argumento de que na lei revogada o prejuízo era já elemento implícito do tipo, isto porque tais circunstâncias são qualificativas e estão ligadas à maior censurabilidade da conduta do agente, não sendo atinentes ao tipo mas sim à culpa. Já nesta instância, no seu visto inicial, o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer em que acompanhou a motivação do recorrente, sem deixar de reconhecer que quanto à questão em apreço a jurisprudência e a doutrina se acham divididas, inclusivé a jurisprudência desta Relação. Corridos os vistos, cabe decidir. Sendo um facto a divergência doutrinária e jurisprudencial assinalada, há que dizer também que ela se polariza essencialmente em duas teses, precisamente as que foram doutamente expedidas nos...

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