Acórdão nº 68/07-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 15 de Março de 2007

Magistrado ResponsávelGILBERTO CUNHA
Data da Resolução15 de Março de 2007
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam, em audiência, os Juízes da 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: RELATÓRIO.

Decisão recorrida.

No processo comum nº379/02.0PCRGR, actualmente do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Ponta Delgada, o arguido J., devidamente identificado nos autos, sob acusação do Ministério Público foi pronunciado e submetido a julgamento perante tribunal singular, vindo por sentença de 31/5/2006, proferida na sequência do reenvio para novo julgamento determinado pelo douto acórdão desta Relação de 13/7/2005, a ser decidido, para além do mais, o seguinte: - Absolver o arguido da prática da contra-ordenação prevista no art.38º, nº1 do Código da Estrada; - Condenar o arguido pela autoria material de um crime de homicídio com negligência grosseira, pp. pelas disposições conjugadas dos arts.137º, nº1 e 69º, nº1, al.b) do Código Penal, na pena de dois (2) anos de prisão e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por um período de um (1) ano e seis (6) meses, ao qual será deduzido o tempo em que estiver privado da liberdade; - Nos termos dos arts.122º, nºs 4 e 5 e 130º, nº1, al.a), do C. Estrada foram declarados caducos os títulos de condução de que o arguido é titular.

Recurso.

Inconformado com esta decisão, o arguido interpôs o presente recurso, restrito à pena de prisão aplicada, pugnando pela sua redução e pela suspensão da sua execução, rematando a respectiva fundamentação com as seguintes (transcritas) conclusões: 1) A pena aplicada ao ora recorrente de dois anos de prisão afigura-se-nos desproporcionada, quer se considerem os imperativos de prevenção geral, especial ou retributivos, em violação do disposto nos artigos 40°, n°1, 70° e 71° do Código Processo Penal. E isto porque, 2) sendo o ideal a atingir pelo nosso ordenamento jurídico penal o da ressocialização do arguido, sendo o arguido jovem, tendo confessado os factos e sobretudo primário a douta sentença pecou por encerrar "summa jus, summa injura"( justiça exagerada é exagerada justiça).

3) A meritíssima juiz a quo ao não se ter pronunciado pela possibilidade de suspensão de execução da pena aplicada ao arguido violou o disposto no art.50° n°1 do Código Penal.

4) Desta forma, a douta sentença violou o disposto nos arts.40° n°1, art.50°, art.70°, art.71° todos do Código Penal, e art.27° n°1 da Constituição da República Portuguesa, pois deveria ter sido aplicado ao recorrente uma pena de prisão suspensa na sua execução em detrimento de uma pena de prisão efectiva, assim se acautelando de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, bem como se poria em prática o verdadeiro espírito e imperativo do sistema jurídico-penal português e que é o da ressocialização e reintegração do delinquente.

Admitido o recurso contra-motivou o Ministério Público pugnando pela sua improcedência e consequente confirmação da sentença impugnada.

Nesta Relação o Exmº Procurador-Geral Adjunto apôs o seu visto.

Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos teve lugar a audiência.

Cumpre agora apreciar e decidir.

FUNDAMENTAÇÃO.

Na 1ª Instância foram dados com provados os seguintes factos: No dia 10 de Novembro de 2002, pelas 16h30m, o arguido, J. circulava pela estrada que liga Ponta Delgada a Ribeira Grande, e neste mesmo sentido, a tripular o motociclo de matrícula … TZ, marca K., com 600 cm 3 e 140 cv, capaz de acelerar dos 0 aos 100 Km/h em 2,5 segundos. Aquela via constituiu o trajecto mais curto e de melhor piso para, a partir de Ponta Delgada, se chegar à Ribeira Grande e daí a Porto Formoso.

Nesse dia estava bom tempo e o piso da via seco.

No seu trajecto J., depois de haver passado pelo entroncamento da estrada para o Pico da Pedra, teve de fazer uma curva para a direita onde se encontra um sinal vertical que impunha como limite máximo de velocidade 80Km/h, ao qual se segue um troço rectilíneo com várias centenas de metros de comprimento. Nele não existia qualquer obstáculo que impedisse abrangê-lo em toda a sua extensão, com a vista.

Do lado esquerdo desse troço e a cerca de 200 m da curva a que se fez referência, considerado o sentido de marcha do veículo, existem dois estabelecimentos em que se exerce a actividade comercial, um da sociedade "J.M.Mont'talverne e Filhos, L.da" e o outro que usa a designação de "Big Mix". Ambos dispõem de zonas de estacionamento para clientes diante das frontarias que estão voltadas para a via. O acesso a essas zonas de estacionamento, a partir da curva da estrada, fazia-se, à data dos factos, por uma entrada que dista cerca de 200 m da referida curva. O chamado "Big Mix" abre aos domingos e as pessoas a ele se deslocam em passeio para apreciar os produtos à venda. Aquele dia foi o dia da inauguração desse estabelecimento.

J. já tinha transitado por esta via várias vezes, conduzindo veículos ou como passageiro, desde que chegou à ilha de São Miguel, proveniente dos EUA, cerca de dois anos antes da data do acidente. Dispõe de carta de condução de motociclos desde 18 de Abril de 2002 e de automóveis ligeiros desde 20 de Junho de 2002.

O dito motociclo tinha sido adquirido pelo arguido cerca de seis (6) meses antes do referido acidente.

Na execução do percurso que empreendeu o arguido, depois de descrever a curva de que se falou, deparou com uma fila de trânsito formada por três ou quatro automóveis, entre eles um veículo ligeiro, um veículo de carga (carrinha de caixa aberta) e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula … JI, este tripulado por L., que a encabeçava. A distância a que cada um dos veículos circulava relativamente ao que imediatamente o precedia era o equivalente ao cumprimento de um veículo de dimensão pequena. À medida que se aproximava da entrada para o estacionamento dos indicados edifícios, a fila de trânsito ia gradualmente reduzindo a velocidade de que ia animada. Essa fila acompanhava a redução de velocidade que a condutora L. fazia para poder virar à esquerda, para o "Big Mix", estando esta com os sinais de mudança de direcção para esquerda accionados, sinalização esta que se tinha iniciado numa altura em que a condutora, L., ainda quando rolava na estrada - Ponta Delgada/Ribeira Grande - enquanto esteve parada aguardando a passagem de outra viatura, no sentido Ribeira Grande - Ponta Delgada, a fim de posteriormente mudar de direcção para a esquerda.

Chegado à cauda da fila, o arguido não se conformou com o ter de seguir à velocidade que ela levava e antes de iniciar a manobra de ultrapassagem não parou atrás da fila de trânsito. Sem procurar saber da razão da reduzida velocidade a que o trânsito progredia, e confiante de que não daria causa a acidente, decidiu ultrapassar os veículos que iam à sua frente e assim acelerou o seu motociclo, fazendo-o avançar de sopetão e tomou a faixa da esquerda, imprimindo-lhe velocidade cada vez maior e superior a 80 Km/hora. Nada havia na via que o impedisse de aperceber-se dos sinais que fossem feitos pelos outros veículos para indicar manobras que quisessem executar, mormente a partir do momento em que tomou a faixa da esquerda para fazer a ultrapassagem.

Apesar de tudo o arguido não se apercebeu do sinal "pisca" efectuado pela condutora do veículo, L., embora admita que a referida condutora tenha sinalizado a manobra de mudança de direcção para a esquerda com os piscas do lado esquerdo da sua viatura.

Na emergência L. já executava manobra de mudança de direcção para a respectiva esquerda, a dirigir o seu veículo para a entrada da zona de estacionamento do referido "Big Mix". E quando, no seu andamento ocupava a faixa esquerda e a parte frontal da sua viatura já tinha passado a linha que separa a faixa de rodagem da berma, a parte frontal do motociclo do arguido foi embater na parte lateral esquerda do automóvel JI, sensivelmente no alinhamento com o banco da condutora. Com a força do embate o automóvel deslocou-se lateralmente cerca de 5 metros, embateu no lancil e capotou no sentido Ponta Delgada - Ribeira Grande. A via no local tem cerca de 6,80 m de largura, é muito movimentada e encontrava-se à data do acidente com muito trânsito.

Com o embate o TZ foi projectado, saltando sobre o JI, e foi imobilizar-se a alguns metros do local onde se imobilizou aquele primeiro, na berma esquerda da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha.

Como consequência do embate, resultaram para L., laceração da pia-mater com hemorragia subaracnoideia localizada na fossa posterior; sufusão hemorrágica de todo o tronco cerebral e sufusão difusa da base do crânio; fractura dos 1°, 2° e 8° arcos costais direitos e dos 3° e 6° esquerdos; hematoma de epicárdio junto ao ápice cardíaco; hemotórax esquerdo (de 100 cm3) e direito (de 900 cm 3); laceração da aorta, na transição aorta ascendente; hemoperitoneu (de 400 cm3); fractura do baço; para além de outra de menor relevo, lesões de que resultou anemia aguda e, por via dela, a morte da condutora L..

O automóvel por seu lado, sofreu o afundamento das portas laterais esquerdas e direitas, de toda a chaparia de ambos os lados e do tejadilho, torção do chassis, das jantes e dos bancos, para além de outras peças.

O arguido é solteiro, tem 31 anos de idade, emigrou para os EUA quando tinha pouco mais de 1 ano de idade e regressou há cerca de 6 anos. Desempenhava, antes do acidente, a profissão de carpinteiro e de monitor de musculação. Desde o acidente, na sequência do qual sofreu lesões que demandaram, para consolidação, cerca de 8 meses, está inactivo. Uma dessas lesões determinou que ficasse com uma deficiência no braço direito...

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