Acórdão nº 9060/2006-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 29 de Novembro de 2006
Magistrado Responsável | CARLOS SOUSA |
Data da Resolução | 29 de Novembro de 2006 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I - A) No processo de querela nº 258/88 da 6ª Vara Criminal de Lisboa, 3ª Secção, por acórdão de 10 de Outubro de 2003, foram condenados os arguidos C., J.
e M.
pela prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artº 23º, nº 1 do Dec.-Lei nº 430/83, de 13/12, com referência à tabela anexa I-C, e, actualmente, p. e p. pelo 21º, nº 1 do Dec.-Lei nº 15/93, de 22/1, ex vi do artº 2º, nº 4 do Código Penal, nas penas, respectivamente, de: 3 (três) anos, 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, e 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, todas suspensas na sua execução pelo período de 3 (três) anos.
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A arguida M. interpôs recurso para o STJ, mas este declarou-se incompetente para o apreciar, por versar matéria de facto, e deferiu a competência para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 27 de Maio de 2004, decidiu declarar nulo o acórdão de 10/10/03, por não se ter pronunciado sobre a problemática do "agente provocador e as consequências da sua intervenção na determinação da prática do acto criminoso" - cfr. artº 668º, nº 1, al. d) do CPC, ex vi do artº 1º do CPP (1929), nomeadamente (vd. seu ponto III) : «...
Dos factos apurados resulta que intervieram, no caso sub judice, um agente da P.J. e um seu colaborador.
A fls. 790 vº da fundamentação da matéria de facto consta que o tribunal baseou a sua convicção para além dos outros meios de prova enumerados, no depoimento do agente da Polícia Judiciária "S. V. que foi o "agente provocador" desta apreensão".
"Agente provocador" constitui um conceito de direito, que terá de se aferir dos factos provados em audiência de julgamento.
Portanto, é essencial para a decisão apurar, face à matéria de facto provada, se a actuação do agente da P.J. e do seu colaborador integram a figura do agente provocador ou do agente infiltrado/encoberto (artº 59º do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro) e quais as consequências que daí resultam, que são completamente distintas. No primeiro caso, a prova por eles recolhida será nula por perturbar a liberdade de vontade ou decisão dos arguidos, artº 261º nº 1 al. a) do C.P. Penal e no segundo caso será válida.
O acórdão recorrido é completamente omisso quanto a tais questões, limita-se a constatar que o elemento da P.J. foi o "agente provocador" desta apreensão, no entanto, não apresenta os motivos pelos quais a actuação daquele e do colaborador assim possa ser considerada, ou se assim não se entender, porque é que se subsumem na figura do agente infiltrado/encoberto, e em consequência se a prova por eles recolhida è ilícita ou não.
É certo que o Acórdão desta Relação de fls. 259 a 263, em sede de recurso do despacho de pronúncia, já se pronunciou sobre tais questões, mas tal não obsta a que na sentença tenham que ser apreciados de novo.
A decisão instrutória de pronúncia é uma decisão com conteúdo meramente processual, pois nela não se resolve a questão de saber se o acusado deve ou não ser punido, mas somente se se verificam os pressupostos indispensáveis para sua submissão a julgamento pelos factos da acusação.
A pronúncia valora em matéria indiciária, enquanto que o julgamento valora em termos de certeza, por isso, os juízos de valor feitos naquela sede não podem substituir o resultado das provas prestadas em julgamento, além de que os factos indiciados podem não coincidir com os provados em audiência de julgamento.
Com o despacho de pronúncia determinou-se, no caso concreto, uma introdução em julgamento dos meios de prova considerados lícitos, mas não se decidiu em definitivo sobre a sua validade e as consequências dos mesmos na culpa dos arguidos, pelo que se impõe que o tribunal a quo se pronuncie sobre as questões referidas e daí retire as consequências devidas.
O acórdão recorrido é, assim, nulo por omissão quanto às questões mencionadas, artº 668º nº 1 al. d) do C.P. Civil, facto que prejudica o conhecimento da questão número 3.
IV - Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em declarar nulo o acórdão de fls. 788 a 795, que deverá ser substituído por outro, a elaborar pelos mesmos Juízes, onde se deverão debruçar sobre as questões mencionadas no ponto nº III e daí retirarem as consequências legais".
» C) Na sequência do acórdão da Relação de Lisboa de 27/05/2004, veio a ser proferido, na 1ª instância, o acórdão de 30 de Maio de 2005.
Mais uma vez inconformada, recorreu a arguida M. para esta Relação de Lisboa, arguindo a nulidade deste acórdão, igualmente por omissão de pronúncia sobre a problemática do agente provocador e consequências da sua intervenção na determinação da prática dos factos; e suscitando ainda a existência de contradição insanável entre a decisão e a sua fundamentação.
Pelo acórdão TRL de 28 de Março de 2006 (cfr. fls. 1063 e segs.) foi decidido declarar nulo o acórdão de 30 de Maio de 2005 e que, em sua substituição, fosse elaborado outro, pelos mesmos Juízes, « onde se deverão debruçar acerca da problemática em questão, ou seja apurar face à matéria de facto provada se a actuação do agente da P.J. e do seu colaborador integram a figura do agente provocador ou do agente infiltrado/encoberto e quais as consequências que daí resultam, que são completamente distintas e daí retirarem as consequências legais.
» Aí se ponderou, nomeadamente, o seguinte: « Afigura-se-nos que o Acórdão da Relação de Lisboa, proferido em 27 de Maio de 2004, que declarou nulo o Acórdão de 10 de Outubro de 2003 e ordenou que o mesmo fosse substituído por outro que se debruçasse sobre a temática do agente provocador ou agente infiltrado/encoberto, extraindo as adequadas consequências legais da conclusão a que chegasse, não foi cumprido.
A decisão recorrida reproduz a primeira limitando-se, no ponto II, na indicação da prova testemunhal que serviu para formar a convicção do Tribunal, a substituir a expressão "agente provocador" pela de "potencial comprador", nada tendo sido dito em sede de fundamentação de facto e de direito.
O que não resolve a questão fundamental que está na base da decisão do Tribunal da Relação e que se reporta ao facto ilícito cometido pelos Arguidos ter sido ou não provocado, para o que é essencial, na verdade e como no mesmo se afirma, apurar face à matéria de facto provada, se a actuação do agente da P.J. e do seu colaborador integram a figura do agente provocador ou do agente infiltrado/encoberto e quais as consequências que daí resultam, que são completamente distintas. Até porque um potencial comprador tanto pode ser um agente provocador como um agente infiltrado/encoberto.
A conclusão que se impõe é a de que a decisão recorrida não deu resposta à determinação efectuada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, pois, continua a ser omissa acerca da problemática em questão, essencial para a boa compreensão dos factos e correcta aplicação do Direito aos mesmos.
Assim sendo, o Acórdão recorrido é nulo por ser omisso quanto às questões mencionadas, nos termos da alínea d) do nº 1 do artº 668º do Código de Processo Civil, aplicável por força do artº 1º do Código de Processo Penal de 1929, donde resulta prejudicado o conhecimento da outra questão suscitada pela Recorrente, relativa à eventual contradição insanável entre a decisão e a sua fundamentação. » D) Mais uma vez na 1ª instância, os mesmos Juízes daquela 6ª Vara Criminal de Lisboa elaboraram novo aresto, o acórdão de 17 de Julho de 2006 (cfr. fls. 1097 e segs.), no qual se mantiveram as condenações dos arguidos, nos mesmos termos já referidos.
As únicas alterações foram as que adiante realçamos (em itálico) e constam da motivação da prova testemunhal. No mais, repete-se a matéria de facto dada como assente (II), o acórdão com os quesitos e as respectivas respostas, tal como se manteve inaltarado o "enquadramento jurídico-penal dos factos" (III) e o mesmo se diz quanto à "determinação da medida concreta da pena" (IV).
II - A) Deste acórdão de 17/07/06, recorre a arguida, extraindo as seguintes conclusões: « a) O acórdão recorrido e as respostas aos quesitos (que) logicamente o antecederam mostram-se datados de 17 de Julho de 2006; b) A única sessão da audiência de discussão e julgamento teve lugar em 11 de Julho de 2003; c) Entre a produção de prova e a resposta aos quesitos mediaram mais de três anos, sendo certo que a prova não foi objecto de gravação, nem de registo, por se tratar de processo de querela e os depoimentos terem sido prestados perante o tribunal que procedeu ao julgamento; d) O artº 468º do Código de Processo Penal de 1929 determinava que as respostas aos quesitos fossem dadas imediatamente após o encerramento da discussão da causa, não estando prevista uma interrupção de tempo superior ao estritamente necessário para o Tribunal Colectivo se pronunciar sobre a matéria de facto; e) A interrupção verificada tem por consequência a perda de eficácia da produção a prova realizada na audiência, conduzindo à imperiosa necessidade de ser anulado o julgamento da matéria de facto, nos termos do disposto no artº 328º, nº 6 do Código de Processo Penal actualmente vigente, por terem sido violados os artºs 468º do Código de Processo Penal e 99º do Estatuto Judiciário; f) O acórdão recorrido não respeitou a doutrina consagrada no douto acórdão desta Veneranda Relação, proferido em 6 de Fevereiro de 2002, a fls. 598 e ss.
; g) Entre a fundamentação do acórdão proferido em Outubro de 2003 e a daquele agora sob recurso regista-se uma fundamental diferença, pois no primeiro referiu-se a intervenção de um agente da Polícia Judiciária como "agente provocador", enquanto neste último se degradou a intervenção do mesmo agente, que passou a ter a classificação de "infiltrado", sem que sejam explicados os contornos de tal "infiltração"; h) Essa "infiltração" pressupõe a pré-existência de uma actividade criminosa de que os autos não dão testemunho e a fundamentação sob medida não soube explicar; i) O único acto em abstracto penalmente censurável de que há notícia nos...
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