Acórdão nº 00424/04.4BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 22 de Fevereiro de 2007

Magistrado ResponsávelDr
Data da Resolução22 de Fevereiro de 2007
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1.

RELATÓRIO CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, inconformada veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF de Coimbra, datada de 15/05/2006, que julgou procedente a acção administrativa especial contra a mesma deduzida pelo “SINDICATO …, devidamente identificado nos autos, e consequentemente a condenou nos seguintes termos “(…) deverá apreciar o pedido de aposentação remetido em 12 de Janeiro de 2004 de acordo com o disposto no DL n.º 116/85 de 19 de Abril, aceitando e apreciando o pedido de aposentação antecipada do funcionário J...J... A... d... C..., considerando que o requisito de inexistência de prejuízo para o serviço se encontra preenchido, procedendo à contagem do tempo de serviço do funcionário, aplicando-lhe ainda o disposto nos artigos 22.º e 23.º do DL n.º 297/2000 de 15 de Abril, conjugado com o preceituado na Portaria n.º 395/2000 de 15 de Abril, e no caso de este reunir os 36 anos de serviço efectivo à data de 31 de Dezembro de 2003, … deverá proferir, no prazo de 30 dias a contar da notificação da presente decisão, o despacho a que se refere o n.º 7 do artigo 3.º do DL 116/85 de 19 de Abril, com efeitos imediatos, e comunicando esse facto aos serviços de origem (…)”.

Formula, nas respectivas alegações (cfr. fls. 103 e segs.

- paginação processo em suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário), conclusões nos termos seguintes: “(…)

  1. A douta sentença recorrida deve ser revogada, por, apesar de o artigo 2.º da Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro, conter norma de efeitos retroactivos, não existe qualquer fundamento legal para que seja considerada ilegal, muito menos inconstitucional.

B) O artigo 3.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, dispõe que a validade das leis do Estado depende da sua conformidade com a Constituição, mas apenas a lei criminal não pode ser retroactiva nos termos definidos no artigo 29.º, n.º 1 a 4, da mesma lei.

C) O princípio da não retroactividade da lei não tem actualmente, entre nós (salvo quanto à lei criminal o artigo 29.º da CRP), assento na Constituição e, daí, que o preceito do artigo 12.º do Código Civil não se impõe ao legislador (isto no pressuposto de que ele se oporia a uma solução como a da Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro).

D) Assim, as disposições do artigo 12.º do Código Civil não têm mais força vinculativa que as de outras leis ordinárias, pelo que elas não prevalecem sobre o resultado da interpretação destas (Vaz Serra, RLJ, n.º 110, página 272).

E) O artigo 2.º da Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro, por ter norma de efeitos retroactivos, não padece da inconstitucionalidade ou da ilegalidade que lhe é imputada, por não atingir, de forma inadmissível, intolerável, arbitrária, demasiado onerosa e inconsistente as legítimas expectativas daqueles que podiam requerer a pensão de aposentação, de características excepcionais, prevista no regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 116/85, de 14 de Abril.

F) Na verdade, tratando-se de regime que anunciava, em primeira linha como medida conjuntural "de descongestionamento da Administração Pública", dependente de não haver "prejuízo para o serviço" e não como o reconhecimento incondicional de um direito dos funcionários à aposentação antecipada, era expectável a sua alteração quando se modificassem as circunstâncias da adopção da medida legislativa, (o sublinhado é nosso).

G) É à CGA que compete verificar se estão reunidas, ou não, todas as condições para a aposentação antecipada e não ao representado, pelo que, atento o estrito cumprimento do prazo peremptório estabelecido pela referida norma a que os interessados se encontram vinculados e que esta Caixa tem de observar, o pedido foi considerado extemporâneo e a sua pretensão não podia ser atendida, pelo que só restaria proceder à devolução do processo ao respectivo Serviço, tal como foi feito.

H) Assim, o M.º Juiz "a quo", por entender que o pedido de aposentação devia ter sido deferido, ainda que não tivesse sido enviado, pelo respectivo Serviço, dentro do prazo estabelecido no n.º 6 do artigo 1.º da Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro, a esta Caixa, isto é, até 1 de Janeiro de 2004, fez errada interpretação e aplicação da lei.

(…).” Conclui no sentido do provimento do recurso jurisdicional e revogação da sentença recorrida com as legais consequências.

O aqui ora recorrido apresentou contra-alegações (cfr. fls. 112 e segs.

) nas quais, em suma, pugna pela manutenção do julgado, formulando as seguintes conclusões: “(…)

  1. As doutas alegações de recurso da Recorrente deixam claro que o objecto do presente recurso reconduz-se à interpretação e aplicação da Lei n.º 1/2004, mais especificamente do seu art. 2.º. Ora, b) Para o Recorrido não está em causa a faculdade que porventura assista ao legislador de, no âmbito do funcionalismo público alterar os estatutos dos funcionários, embora tal fosse questionável face ao Acórdão do Tribunal Constitucional, com força obrigatória geral, n.º 141/2002, publicado no DR Iª Série-A, de 9/5/2002; c) Também não está em causa a disposição retroactiva das leis do direito administrativo no âmbito do funcionalismo público, embora tal conclusão não se possa retirar sem mais do facto de o texto constitucional vedar expressamente a retroactividade das leis penais e fiscais, porque então qualquer retroactividade de outras leis nunca abalaria o princípio da confiança. Igualmente porque, se a orientação subjacente aos arts. 128.º, 140.º e 141.º do CPA impõe limites à retroactividade dos actos administrativos, porque razão o processo legislativo não conheceria limites; d) O que está em causa é a forma/processo legislativos concretos. O que constitui violação dos princípios, designadamente, do da confiança e de outros estruturantes ou integrantes do Estado de Direito Democrático, como o da certeza e seguranças jurídicas, é o modo como a lei n.º 1/2004 dispõe sobre a respectiva entrada em vigor e sobre a sua eficácia jurídica (confronte-se o respectivo art. 2.º); e) O que está em causa é que a vigência e eficácia jurídica das leis obedecem a regras; f) Regras estas constantes de uma lei que, necessariamente, terá de se considerar como uma lei de valor reforçado porque consagra normas a serem respeitadas por outras leis, conforme o comando do n.º 3, do art. 112.º da CRP.

    g) Pelo que o art. 2.º da Lei n.º 1/2004 está ferido de inconstitucionalidade e bem andou o douto aresto recorrido não o aplicando; h) Tal lei a respeitar é a lei n.º 74/98, esta, sim, depositária dos princípios do Estado de Direito Democrático acima enunciados; i) A qual nem sequer admite que o início da vigência possa ter lugar no próprio dia da publicação, muito menos 14 dias antes; j) A questão é que a Lei n.º 74/98, estatui que a eficácia jurídica dos actos legislativos depende da publicação; l) O problema está no facto de, quando a Recorrente recebe o processo não pode invocar uma lei que inexiste no ordenamento jurídico; m) O problema está, muito sinteticamente, no facto de que mesmo que o Estado não possa estar inibido de alterar as regras estatutárias, e até as possa alterar com retroactividade, tem de ser recto na forma como dá a conhecer o processo legislativo de alteração dessas regras; n) Só restava então à Recorrente admitir todos os processos enviados até 15/1/04 inclusive aplicando-lhe a lei que ainda não tinha deixado de vigorar.

    o) Por isso bem andou o douto aresto sob recurso ao considerar que a lei n.º 1/2004 não era aplicável, até porque não podia aplicar normas inconstitucionais como acima se demonstrou, por violação de uma lei de valor reforçado.

    (…).” O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido do provimento do recurso jurisdicional (cfr. fls. 128 a 131), parecer esse que uma vez notificado mereceu resposta ou oposição por parte do recorrido [cfr. fls. 137 e segs.

    ].

    Colhidos os vistos legais junto dos Exmos. Juízes-Adjuntos foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.

    1. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo certo que, pese embora por um lado, o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 690.º, n.º 1 todos do Código de Processo Civil (CPC) “ex vi” arts. 01.º e 140.º do CPTA, temos, todavia, que, por outro lado, nos termos do art. 149.º do CPTA o tribunal de recurso em sede de recurso de apelação não se limita a cassar a sentença recorrida, porquanto ainda que declare nula a sentença decide “sempre o objecto da causa, conhecendo de facto e de direito”, pelo que os recursos jurisdicionais são “recursos de ‘reexame’ e não meros recursos de ‘revisão’” (cfr. Prof. J. C. Vieira de Andrade in: “A Justiça Administrativa (Lições)”, 8ª edição, págs. 459 e segs.; Prof. M. Aroso de Almeida e Juiz Cons. C. A. Fernandes Cadilha in: “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, pág. 737, nota 1; Dr.ª Catarina Sarmento e Castro em “Organização e competência dos tribunais administrativos” - “Reforma da Justiça Administrativa” – in: “Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra - Stvdia ivridica 86”, págs. 69/71).

      As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se na situação vertente a decisão recorrida ao julgar procedente a acção administrativa especial fez errado julgamento do disposto nos arts. 01.º, n.ºs 6 e 8 e 02.º da Lei n.º 1/04, de 15/01 [cfr. alegações e conclusões supra reproduzidas].

    2. FUNDAMENTOS 3.1.

      DE FACTO Da decisão recorrida resultaram provados os seguintes factos: I) O associado do autor J... J… d... C... é funcionário do quadro de pessoal do Município da Figueira da Foz, com a categoria de bombeiro municipal, e está inscrito na CGA desde 15 de Janeiro de 1975.

      II) Em 11 de Novembro de 2003, dirigiu ao Presidente...

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