Acórdão nº 0730967 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 15 de Março de 2007

Magistrado ResponsávelAMARAL FERREIRA
Data da Resolução15 de Março de 2007
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I - RELATÓRIO.

  1. "B………., Ldª" foi, no âmbito de processo de falência instaurado em 2 de Junho de 2004 no .º Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, por sentença de 11 de Outubro de 2004, transitada em julgado em 9 de Novembro de 2004, declarada falida.

  2. Aberto o concurso de credores, foram reclamados créditos que não foram objecto de contestação e/ou impugnação.

  3. Para a massa falida foram apreendidos um bem imóvel e bens móveis.

  4. Foi proferido saneador/sentença que, após considerar verificados todos os créditos reclamados, por não terem sido impugnados (exceptuando o crédito identificado sob o nº 1, mas apenas por ter sido cedido ao credor identificado sob o nº 6), designadamente os reclamados sob os nºs 5, 9 a 22, 33 e 47 (provenientes de remunerações e indemnizações por antiguidade devidos a trabalhadores da falida) e sob o nº 8 (crédito hipotecário até ao montante de 150.000 Euros), procedeu à sua graduação, no que respeita ao produto da venda do único bem imóvel, nos seguintes termos: 1º: As custas da falência, as despesas da administração e todas as demais custas que devam ser suportadas pela massa falida saem precípuas; 2º: Do remanescente, dar-se-à pagamento aos créditos indicados sob os nºs 5, 9 a 22, 33 e 47, em pé de igualdade e rateadamente, se for necessário; 3º: Do remanescente, dar-se-à pagamento ao crédito hipotecário sob o nº 8 até ao montante de 150.000 Euros; 4º: Do remanescente, serão pagos, em pé de igualdade e em rateio, os restantes créditos.

  5. Do assim sentenciado apelou o credor hipotecário "C………., S.A.", que, nas respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões: 1ª: A sentença de graduação de créditos recorrida graduou incorrectamente os créditos dos ex-trabalhadores da falida, ao considerá-los com preferência sobre o produto da venda do bem imóvel da falida, em detrimento do crédito garantido por hipoteca, no que àquele imóvel diz respeito.

    1. : O regime estatuído no artº 377º da Lei nº 99/2003, não é de aplicação ao presente caso; com efeito, 3ª: A norma revogatória da Lei nº 99/2003 - o artº 21º - apresenta uma especificidade decorrente do facto de ter uma aplicação faseada. De facto, como resulta dos nºs 1 e 2, há diplomas que foram revogados a 1 de Dezembro de 2003, com a entrada em vigor do Código do Trabalho, e outros que para serem revogados aguardaram pela entrada em vigor da Legislação Especial do Código do Trabalho, que o regulamenta.

    2. : Um destes últimos é a Lei nº 17/86, de 14 de Junho (Lei dos Salários em Atraso), que apenas foi revogada 30 dias após a publicação da Legislação Especial, isto é, em 28 de Agosto de 2004.

    3. : Deste modo, apenas ficam sujeitos ao novo regime os créditos constituídos desde o dia da respectiva entrada em vigor - 28 de Agosto de 2004 -, i.e., 30 dias após a regulamentação pela Lei nº 35/2004, de 29 de Julho, da Lei que aprovou o dito Código, por força do estatuído no nº 2, al. e) do artº 21º da mencionada Lei 99/2003 - e fora dele os direitos que se tenham constituído antes dessa data e à luz de contratos que já tenham extinguido antes da mesma, nos do seu artº 6º, nº 1.

    4. : Cumpre, pois, analisar o processo à luz do direito vigente anteriormente; é orientação jurisprudencial maioritária do Supremo Tribunal de Justiça, que o privilégio mobiliário e imobiliário geral concedido pelas Leis nº 17/86, de 14.06, e 96/2001, de 20.08, aos créditos laborais não pode prevalecer sobre a hipoteca que incida sobre quaisquer imóveis apreendidos para a massa falida, e isso apesar da declaração da não inconstitucionalidade da norma sindicada do artº 12º, al. b), da Lei nº 17/86, pelo Ac. do Tribunal Constitucional nº 498/2003, isto porque, 7ª: Ao Tribunal Constitucional apenas cumpre averiguar se a interpretação normativa do artº 12º, al. b) da Lei nº 17/86, de 14 de Junho, é ou não compatível com a Constituição; uma vez delimitados os contornos da questão, não cabe ao Tribunal Constitucional pronunciar-se sobre as opiniões em confronto, no âmbito da interpretação do direito ordinário.

    5. : O privilégio imobiliário geral para garantia dos créditos laborais dos trabalhadores previsto na al. b) do nº 1 do artº 12º da Lei nº 17/86 e no artº 4º da Lei nº 96/2001 constitui uma derrogação do princípio geral consagrado no nº 3 do artº 735º do CC de que os privilégios imobiliários são sempre especiais.

    6. : A citada Lei nº 17/86 não estabelece expressamente que os privilégios imobiliários gerais que instituiu abarcam todos os bens existentes no património do devedor, concretamente a entidade patronal, nem sequer regula o concurso de tal privilégio com outras garantias reais, ou esclarece a sua relação com os direitos de terceiros.

    7. : Assim, a tais privilégios é inaplicável o princípio previsto no artº 751º do Código Civil.

    8. : Donde a tais privilégios por serem gerais, deve ser aplicado o regime previsto nos artºs 749º e 686º do Código Civil, constituindo, pois, meras referências de pagamento, só prevalecendo relativamente aos créditos comuns.

    9. : Consequentemente, face à lei ordinária, os direitos de crédito garantidos por privilégios imobiliários gerais, in casu os créditos laborais, cedem na ordem de graduação perante os créditos garantidos por hipoteca.

    10. : Assim, em relação ao produto da venda do bem imóvel, devem os créditos ser graduados nos termos seguintes: 1º: As custas da falência, as despesas da administração e todas as demais custas que devam ser suportadas pela massa falida saem precípuas; 2º: Do remanescente, dar-se-à pagamento ao crédito hipotecário sob o nº 8 até ao montante de 150.000 Euros; 3º: Do remanescente, dar-se-à pagamento aos créditos indicados sob os nºs 5, 9 a 22, 33 e 47, em pé de igualdade e rateadamente, se for necessário; 4º: Do remanescente, serão pagos, em pé de igualdade e em rateio, os restantes créditos.

  6. Contra alegaram alguns dos credores cujos créditos haviam sido graduados à frente do crédito hipotecário e, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, defendem que os seus créditos beneficiam do privilégio concedido pelo artº 377º do Código do Trabalho, que dizem ser de aplicação imediata e uma vez que a sentença recorrida foi proferida a 11 de Janeiro de 2006, já na vigência daquele Código, mas, ainda que se entenda ser aplicável aos seus créditos o privilégio creditório constante das Leis nºs 17/86 e 96/2001, sempre de acordo com elas e apesar da redacção dada ao artº 751º do CC pela Lei nº 38/03, de 8 de Março, devem ser graduados antes dos créditos hipotecários.

  7. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

    1. FUNDAMENTAÇÃO.

  8. Os factos a considerar são os que constam da sentença recorrida, que não sofreram impugnação nem se vê razão para alterar, remetendo-se, por isso, para essa decisão, nos termos do artº 713º, nº 6, do Código de Processo Civil.

  9. Tendo presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (artºs 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do CPCivil), que neles se apreciam questões e não razões e que não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, a questão a apreciar, estando em causa a graduação de créditos em processo de falência, a serem pagos pelo produto da venda de um imóvel da falida, é, essencialmente, a de saber se os créditos dos trabalhadores da falida preferem...

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