Acórdão nº 0644417 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 20 de Dezembro de 2006

Magistrado ResponsávelCUSTÓDIO SILVA
Data da Resolução20 de Dezembro de 2006
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acórdão elaborado no processo n.º 4417/06 (4ª Secção do Tribunal da Relação de Porto)**1. Relatório Do despacho de 30 de Março de 2006 consta o seguinte: "Promoveu a Magistrada do Ministério Público junto deste tribunal a solicitação à Câmara Municipal ………. e à Direcção-Geral de Viação de informação actualizada sobre se o arguido é titular de licença ou carta de condução.

Vejamos.

Por sentença proferida no dia 1 de Março de 2004, a fls. 62 a 67, foi o arguido B………. condenado, além do mais, na pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados (cfr. art. 69º, n.º 1, al. c), do C. Penal) pelo período de oito meses.

Tal sentença transitou em julgado e foi comunicada à Direcção-Geral de Viação em 25 de Março de 2004.

Conforme refere o art. 69º, n.º 2, do diploma legal referido, a proibição de conduzir veículos motorizados produz efeitos a partir do trânsito em julgado da decisão e pode abranger a condução de veículos com motor de qualquer categoria, devendo nos dez dias seguintes ao do trânsito em julgado da sentença o arguido entregar na secretaria do tribunal ou em qualquer posto policial o título de condução, se o mesmo não se encontrar já apreendido no processo.

No caso dos autos, o arguido não entregou qualquer carta ou licença de condução e veio a constatar-se que o mesmo não era titular de licença válida para a condução de ciclomotores ou outros veículos motorizados (cfr. fls. 86, 100, 101, 108 e 110), motivo pelo qual não podia, efectivamente, entregar a carta de condução, ao abrigo da norma constante do n.º 3 do art. 69º do C. Penal (não podendo nunca, por tal facto, incorrer na prática de um crime de desobediência).

Todavia, é nosso entendimento que tal não obsta ao cumprimento da pena acessória de inibição de conduzir veículos com motor, a qual teve início, como dissemos, com o trânsito em julgado da sentença condenatória. Por conseguinte, atento o prazo de inibição fixado e a data em que hoje nos encontramos, mostra-se a pena acessória referida integralmente cumprida, o que determina a extinção da mesma e, bem assim, a inutilidade da diligência promovida.

Ainda que assim se não entenda, o que não se concebe, sempre se dirá que o art. 500º, n.ºs 2 e 3, do C. de Processo Penal, não é aplicável, enquanto forma de execução da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, nos casos em que, no momento do trânsito em julgado da sentença condenatória, o arguido não é titular de carta ou licença de condução válida, como sucede nos autos (tal como se veio a verificar, se bem que em momento posterior ao do trânsito em julgado referido).

Na verdade, tal situação não está prevista nos aludidos números do citado artigo, os quais pressupõem a existência da carta de condução na data do trânsito em julgado da sentença condenatória. Mas se o título de condução não existe, não se pode impor ao condenado a obrigação de entregar uma coisa que não tem, assim como não se pode ordenar a apreensão de algo que materialmente não tem existência.

Não sendo aplicável tal artigo, a execução da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados tem de ser salvaguardada de outro modo.

Interpretando o nosso ordenamento jurídico no seu conjunto e de forma harmoniosa, verifica-se que o entendimento preconizado pelo Ministério Público não conduz, em nosso entendimento, a uma solução caracterizada por estas noções.

Na verdade, a defender-se tal entendimento (o de que o cumprimento da sanção acessória depende sempre da entrega do título de condução), está-se a assumir que casos há em que, à data do trânsito em julgado de decisão condenatória, a pena acessória aplicada é inexequível, sendo que a sua exequibilidade dependerá de um facto futuro e incerto, ou seja, a circunstância do condenado vir a obter, entretanto, título de condução, o que poderá não ocorrer nunca. Se tal acontecer, a inexequibilidade da pena acessória não poderá ser imputável (culposamente; objectivamente, é o condenado o responsável pela impossibilidade de cumprimento da pena acessória, na medida em que não diligenciou pela obtenção de título de condução; todavia, tal não sucedeu a título de culpa, pois não podemos impor-lhe que diligencie nesse sentido) ao condenado, pelo que nenhuma consequência para ele lhe poderá advir.

Em segundo lugar, porque o legislador no Código da Estrada estabeleceu a possibilidade de alguém, que não tem título de condução e pretenda obtê-lo, não o poder fazer se estiver a cumprir proibição ou inibição de conduzir, sendo que, a defender-se tal entendimento, esta situação não era susceptível de acontecer na prática (cfr. art. 126º, n.º 1, al. d), do referido diploma).

Em terceiro lugar, porque, a defender-se tal entendimento, a pena acessória teria um fim quase seguro que seria o da prescrição, sem que o tribunal pudesse socorrer-se de nenhum meio para evitar a mesma. Dirão aqueles que discordam desta posição: outras penas também podem prescrever. É certo, mas também é verdadeiro que em todos esses outros casos o tribunal tem ao seu dispor meios, uns mais eficazes e outros menos, para evitar tal resultado, o que não acontece neste.

Assim sendo, sempre teríamos de preconizar a solução que, simultaneamente, salvaguarde a execução da pena acessória em casos como o dos autos e corresponda à interpretação harmoniosa do ordenamento jurídico.

Em nosso modesto entender e salvo melhor opinião, o caso em apreço não seria sequer um caso de lacuna, ou seja, para casos não especialmente regulados, o legislador estabeleceu a solução constante do art. 499º, n.º 6, do CPP (a epígrafe deste artigo inculca a ideia de disposição comum), ou seja, o tribunal ordena as providências necessárias para a execução da pena acessória.

Todavia, em casos como o dos autos, a providência necessária para o início da execução da pena acessória sempre seria a comunicação da decisão condenatória à DGV, após o trânsito em julgado da mesma, contando-se a partir de tal data o início da execução.

Nesta altura, a pena acessória é averbada no registo individual do condutor e, como tal, a fiscalização do seu cumprimento torna-se possível, designadamente pela Brigada de Trânsito e para efeitos do disposto no art. 353º do CP.

Mesmo que se entenda que o caso em apreço não está regulado no CPP, sempre a solução seria a mesma por aplicação analógica do disposto no art. 499º, n.º 1, do CPP (interpretação esta efectuada ao abrigo do...

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