Acórdão nº 0541606 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 06 de Dezembro de 2006
Magistrado Responsável | JORGE JACOB |
Data da Resolução | 06 de Dezembro de 2006 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Acordam em audiência no Tribunal da Relação do Porto: I - RELATÓRIO: Nos autos de processo comum nº …/97.5GBGDM, do .º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Gondomar, após julgamento com documentação da prova produzida em audiência foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos: a) absolver o arguido B………. da prática de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo artº 137º, nº 1, do Código Penal; b) Condenar a "Companhia de Seguros X………., S.A." a pagar aos demandantes C………. e D………. a quantia de € 57.361,76 (cinquenta e sete mil trezentos e sessenta e um euros e setenta e seis cêntimos) (11.500.000$00 - onze milhões e quinhentos mil escudos), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 7%, conforme Portaria nº 263/99, de 12/4, até 30/04/2003 e após essa data à taxa legal de 4% (Portaria nº 291/03, de 8/4), a partir da data da presente sentença e até efectivo e integral pagamento.
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Absolver a "Companhia de Seguros X………., S.A." do demais peticionado.
Inconformada, a demandada interpôs recurso, retirando da respectiva motivação as seguintes conclusões: 1. porque salvo o devido respeito por opinião contrária, a douta sentença em crise julgou incorrectamente o ponto da matéria de facto que se prende com a invocada circulação do ciclomotor sem qualquer luz a assinalar a sua presença; 2 . porque, ao invés, quer o depoimento do arguido constante da cassete nº 167, lado A, do nº 101.09 ao nº 22.41, quer o depoimento prestado pela testemunha E………, cujo depoimento consta da cassete nº171, lado, A, do nº 00.00 ao fim do lado A e do início do lado B ao nº 22.80, quer ainda o teor da fotografia de fls. 457, impõem decisão diversa da recorrida, 3. devendo dar-se como provado que o ciclomotor conduzido pelo malogrado filho dos demandantes circulava sem qualquer luz a assinalar a sua presença; 4. porque tal facto, conjugado com a restante matéria de facto dada como provada, permite a conclusão inequívoca de que o acidente se ficou a dever a culpa única e exclusiva do condutor do ciclomotor; 5. porque, mesmo que assim se não entenda, é inequívoco que a actuação do arguido não foi causal do acidente em apreço e a recorrente não pode por isso ser condenada no tocante ao deduzido pedido civil; 6. nem mesmo pela invocada presunção de culpa do arguido, uma vez que no rigor dos princípios ficou por apurar se no momento do acidente o arguido conduzia no interesse e sob as ordens da dona do veículo automóvel; 7. e os demandantes não só não alegaram qualquer facto a esse respeito na petição inicial de fls., 8. como não fizeram qualquer declaração no sentido de pretenderem aproveitar da prova dos factos resultantes da discussão da causa; 9. ao decidir de forma diversa a douta sentença em crise fez errada aplicação e interpretação do disposto nos artigos 342º, 487º, 503º e 508º do Código Civil e 264º do Código de Processo Civil.
Pelo que, face ao que se deixa dito, e com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser reapreciada a prova produzida, ser dado provimento ao recurso e, em consequência, alterada a resposta ao facto concreto supra referido e, a final, o pedido de indemnização civil julgado improcedente.
Responderam os demandantes C………. e sua mulher, D………., pugnando pela manutenção do decidido.
Nesta instância, o Exmº Procurador-geral Adjunto apôs o seu visto.
Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a audiência.
Segundo a jurisprudência corrente dos tribunais superiores, o âmbito do recurso afere-se e delimita-se pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo do que deva ser oficiosamente conhecido.
No caso vertente as questões a decidir, balizadas pelas alegações de recurso, são as seguintes: - Impugnação da matéria de facto fixada em 1ª instância; - presunção de culpa do condutor por conta de outrem; - aplicabilidade das normas do Código de Processo Civil ao processamento do pedido cível em processo penal.
II - FUNDAMENTAÇÃO: Na sentença recorrida tiveram-se como provados os seguintes factos: Da acusação pública: 1. No dia 26 de Novembro de 1997, cerca das 18.45 h., F………. conduzia o ciclomotor de matrícula PRD-..-.., transportando G………. no banco de trás, pela Estrada ………., no sentido ………./………. pela hemi-faixa de rodagem do lado direito, atento o seu sentido de trânsito; 2. Por seu turno, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula ..-..-IU, pela referida Estrada ………., no mesmo sentido de trânsito do referido ciclomotor também pela hemi-faixa de rodagem do lado direito; 3. Na zona de ………., na área desta comarca, o arguido não se apercebeu da presença do ciclomotor e embateu na traseira do mesmo que circulava no mesmo sentido e à sua frente, iniciando, nessa altura, a travagem do veículo que conduzia; 4. Em consequência do referido embate o ciclomotor foi arrastado cerca de 50 mts. e o condutor e o passageiro do mesmo foram projectados para o solo; 5. O arguido imobilizou a sua viatura a cerca de 100 mts. do local provável do embate; 6. No local onde o arguido embateu no ciclomotor é o início de uma recta; 7. Estava de noite e tempo de chuva; 8. A referida estrada tem duas vias de trânsito, em cada um dos dois sentidos da faixa de rodagem; 9. F………. sofreu as lesões traumáticas crânio-encefálicas e abdominais descritas no relatório de autópsia de fls. 45 e 46, cujo teor se dá aqui por reproduzido e que foram causa directa e necessária da sua morte.
Do pedido de indemnização civil: 10. A vítima F………. é filho dos requerentes C………. e esposa D………. . Nasceu no dia 14/10/1965 e faleceu no estado de solteiro, sendo os seus pais os seus únicos herdeiros; 11. A mãe do referido F………. sofreu de forma muito aguda com a morte do seu filho e, passados uns dias, foi acometida por um acidente vascular cerebral decorrente da morte inesperada do seu filho; 12. O pai sofreu igualmente com a morte do seu filho; 13. À data da sua morte o F………. exercia a actividade profissional de marceneiro de 2ª por conta da firma "H………., S.A.", auferindo o vencimento mensal de 57.700$00; 14. O falecido F………. à data da sua morte tinha 32 anos de idade e não lhe era conhecida namorada com quem pensasse casar, sendo o seu vencimento recebido pelo seu pai; 15. Para além do seu salário base o vencimento mensal do falecido F………. incluía uma parte variável em montante não apurado por trabalhar à peça com o seu pai; 16. O ciclomotor do referido F……… ficou inutilizado na sequência do acidente em causa; 17. O veículo automóvel ligeiro de mercadorias com a matrícula ..-..-IU é propriedade da "I………., S.A.", cuja responsabilidade civil por danos causados pela sua circulação estava transferido para a demandada Companhia de Seguros X………., S.A. através de contrato de seguro titulado pela apólice nº …...... .
Da contestação da Seguradora X………., S.A.: 18. O veículo de matrícula ..-..-IU seguia a uma velocidade de cerca de 50 m/h, dedicando o seu condutor toda a atenção e cuidado ao trânsito; 19. No local onde ocorreu o acidente a Estrada ………. é ladeada de ambos os lados por uma mata espessa, composta por arbustos diversos e por pinheiros e eucaliptos; 20. Nesse mesmo local a estrada ………. desenvolve-se em duas hemi-faixas cada uma com duas linhas de trânsito com cerca de 2,85 mts. cada, separadas por duplo traço contínuo pintado no pavimento; 21. O veículo conduzido pelo arguido descreveu uma curva de visibilidade reduzida para a direita, atento o seu sentido de marcha, que se insere numa descida, tendo em conta o mesmo sentido e após ter percorrido cerca de 100 mts., ainda a descer, no troço de recta que se segue à dita curva, deu início a uma subida acentuada que se desenvolve logo após o fim da referida descida, sendo nesse momento que o veículo conduzido pelo arguido embateu no ciclomotor; 22. O ciclomotor era de cor preta e tanto a vítima F………. como o passageiro que o acompanhava iam vestidos de escuro, circulando o ciclomotor afastado do traço branco delimitador da berma da faixa de rodagem em distância não apurada; 23. O falecido F………. era consumidor de substâncias estupefacientes; 24. Os demandantes cíveis têm mais filhos, todos a trabalhar, sendo dois deles solteiros aos quais, se precisarem, podem pedir alimentos; Da contestação do arguido...
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