Acórdão nº 0542272 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Outubro de 2006

Magistrado ResponsávelJORGE JACOB
Data da Resolução11 de Outubro de 2006
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam em audiência no Tribunal da Relação do Porto: I - RELATÓRIO: Nos autos de processo comum nº …/03..PASJM, do 4º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de S. João da Madeira, foi o arguido e ora recorrente, B………., condenado como autor material de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348º, nº 1, al. a) do C.P., com referência ao disposto no art. 158º, nº 3 do Cod. Estrada e art. 69º, al. c) do C.P., na pena de 90 dias de multa à razão diária de 10 (dez) € e ainda na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados durante o período de três meses, devendo entregar a licença de condução, no prazo de 10 dias, no tribunal ou em qualquer posto policial, sob pena de incorrer em crime de desobediência.

Desta decisão recorreu, inconformado, o arguido, retirando da respectiva motivação as seguintes conclusões: 1. Foi o arguido ora recorrente condenado pela prática de um crime de desobediência.

  1. O Código de Processo penal maxime no seu artigo 61º referente aos direitos e deveres processuais do arguido, ressaltando da sua alínea c) o direito a não responder, id est, o direito ao silêncio.

  2. A nossa Lei Fundamental, lei constitucional, estabelece que os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas ... artigo 18º nº 1 da C.R.P. e de acordo com o disposto no artigo 277º nº 1 da Lei Fundamental "São inconstitucionais as normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados".

  3. Nos seus Artigos 20º e 21º a CRP estabelece que todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias valendo o direito de resistência perante os poderes públicos e nas relações particulares.

  4. O recorrente não pode pois ser coagido a adoptar uma determinada atitude ou comportamento processual, a comportar-se de uma determinada forma, a agir de uma determinada maneira, que possa resultar em seu prejuízo, salvo quando provier de um comportamento livre, espontâneo, consciente e informado do arguido.

  5. O teste de pesquisa de álcool no sangue é uma das muitas formas de conseguir uma confissão e uma condenação precoce e em tudo contrário a todos os princípios que norteiam a nossa ordem jurídica assistindo o direito do arguido de resistir passivamente a uma ordem que fere os seus direitos, liberdades e garantias que é um direito constitucional tributo do Estado de Direito e nessa conformidade a situação inversa está ferida de inconstitucionalidade.

  6. São inconstitucionais pois os artigos 158º nº 3 do Código da Estrada e 348º do Código Penal não podendo o arguido ser punido com um crime de desobediência quando no exercício de um seu direito constitucional previsto no artigo 21º da C.R.P e no artigo 61º nº 1, alínea c) do C.P.P..

  7. Não pode o arguido ser de alguma forma, ainda que encapuzada, coagido a, ou impelido a, adoptar urna determinada postura ou comportamento que é violador do direitos constitucionalmente protegidos e elencados, como o direito à liberdade e privacidade.

  8. Foram abandonadas há muito técnicas de extracção de confissões porque consideradas violadoras de direitos fundamentais inerentes à qualidade de ser humano, antes da qualidade de suspeito e arguido, não se poderá por maioria de razão, ou por identidade de razão, contra esta corrente humanista de pensamento fazer confinar com uma sanção, no caso dos autos um crime de desobediência, a atitude de recusa de sujeitar ao exame de aspiração de ar do arguido, também ela violadora de direitos fundamentais.

  9. O arguido agiu ao abrigo do Direito de resistência constitucionalmente consagrado.

  10. A nossa lei penal adjectiva, prescreve que os cidadãos com o estatuto de arguidos terão de se sujeitar a determinados deveres mas é certo que o arguido tem o direito de se recusar a fazer quaisquer exames sem que isso implique para si o cometimento de qualquer crime e a nossa lei penal substantiva e adjectiva não comina com qualquer tipo de sanção a recusa por arguido de sujeição a exames, sejam eles quais forem e tenham eles a natureza que tiverem.

  11. No caso dos autos, uma atitude de recusa de sujeição a um exame fundamentou, ao arrepio da construção ideológica da nossa Lei Fundamental, penal e processual penal, a acusação por parte do M.P. e condenação, portanto a recusa do arguido de sujeição ao teste de pesquisa de álcool no sangue foi aproveitada, autonomizada e punida com a figura do crime de desobediência.

  12. Face ao que ficou dito, facilmente se chega à conclusão que temos dois pesos e duas medidas para situações substancialmente idênticas.

  13. São inconstitucionais os artigos 158º nº 3 do Código da Estrada e do artigo 348º do Código Penal na medida em que a recusa de...

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